Negócios

Moura, a companhia familiar que deu certo

Com fortes laços com Belo Jardim, aos 65 anos o grupo pernambucano cresce e explora armazenamento de energias renováveis

Sérgio Moura e Paulo Sales: no comando de dois conselhos de administração - Divulgação

O que teria levado alguém, em 1957, a produzir baterias no agreste pernambucano, 2 mil quilômetros distante do Sudeste, onde surgiam as primeiras fábricas de veículos do país? Mesmo sem muita lógica, o casal Edson e Conceição Moura, ambos químicos, aventurou-se no projeto que até hoje desperta curiosidade. Aos 65 anos, o grupo Moura é líder na América do Sul, atua em novos mercados, como o de veículos elétricos e armazenamento de energia de fontes renováveis, e tornou-se um dos raros casos de empresa brasileira familiar bem-sucedida.

A ideia de uma fábrica de baterias em Belo Jardim, a 180 quilômetros de Recife, foi de Agripino, chefe de manutenção da fábrica de doces do pai de Edson. Ao perceber que os negócios com os doces não iam bem, Agripino sugeriu ao jovem, de 28 anos: "Você é químico. Por que não produz baterias?" Ninguém sabe como o chefe de manutenção conseguiu ser tão convincente. Com o tempo, porém, ficou claro que Edson era o tipo de pessoa que topava qualquer empreitada, por mais absurda que parecesse, não só por sua vocação empreendedora, mas por ser obcecado por estudar e pesquisar sobre tudo que se propunha fazer.


Não faltam histórias sobre seu jeito atirado para os negócios. Certa vez, em viagem de avião ao lado do genro, Paulo Sales, Edson leu no jornal que o Ministério da Aeronáutica buscava empresários dispostos a investir na produção de foguetes no Brasil. Ao pousar em Brasília, onde ambos tinham uma reunião, Edson pediu ao genro que fosse na frente. "Eu tenho outra coisa para resolver antes". E foi bater à porta do ministério. O caso dos foguetes parou por aí, conta o bem-humorado Sales, hoje presidente do conselho de administração da rede (de distribuidores).

A Moura surgiu literalmente como uma empresa de fundo de quintal. Foi no pátio da casa, no centro de Belo Jardim, que Edson e Conceição começaram a desenvolver as baterias. Com o tempo, a poucos metros dali, foi construída a primeira fábrica, que continua em atividade e é a maior das cinco unidades de um grande complexo industrial que continua em expansão. As outras quatro ficam no distrito industrial do mesmo município e há, ainda, outras duas, menores e mais distantes: uma em Itapetininga, interior de São Paulo, e outra em Cordoba, Argentina.

No começo, a pernambucana não conseguia competir com multinacionais que atendiam montadoras como a Volkswagen, que inaugurou uma fábrica em São Bernardo do Campo (SP) no mesmo ano de fundação da Moura. As baterias que saíam de Belo Jardim eram de segunda linha, voltadas para o mercado de reposição.

Nem por isso a empresa deixou de crescer. Mas, duas décadas depois, faltava algo para ser conhecida e reconhecida pelo mercado. Edson e Conceição tinham uma filha e três filhos. Os rapazes concluíam os estudos universitários no Recife quando decidiram dar uma mão para os pais. Edson Júnior, Sérgio e Pedro voltaram para Belo Jardim. A eles se juntou Paulo Sales, colega de Sérgio na faculdade de engenharia e marido da irmã deles, Ceça (apelido de Conceição).

Encontraram um pai (e sogro) convicto no seu modo de gestão. "Doutor Edson era nosso maior inimigo", conta Sales. Além disso, dona Conceição não largava a administração do caixa. Aos poucos, porém, todos se entenderam e conseguiram levar a empresa a um novo patamar. Um dos empurrões que faltava era melhorar a eficiência na distribuição das baterias. Com mercados de consumo distantes num país de dimensões continentais, a tarefa era difícil.

Foi quando surgiu a ideia de a Moura se tornar sócia de cada distribuidor. Uma forma de garantir comprometimento e motivação. O modelo persiste até hoje. No começo, a fabricante entrava com 70% do capital. Passou, depois para 75%. Hoje são 87 distribuidores - 80 no Brasil e os demais na Argentina e no Uruguai -, com 55 mil pontos de venda. Chile é o próximo no plano de expansão da rede. Em todos, a Moura continua sócia, com 75%. Sob o guarda-chuva de uma holding do próprio grupo, a rede ajuda a compor o quadro de 6 mil funcionários. Desses, cerca de 3 mil estão nas fábricas de Belo Jardim. "Somos uma empresa industrial? Acho que somos mais de varejo", afirma Sales.

Aos poucos a marca começou a chamar a atenção das montadoras. A Fiat foi a primeira a usar as baterias da brasileira como equipamento original de seus carros ao se instalar no país, em meados da década de 1970. Hoje, montadoras representam cerca de 15% da produção que chegou a 10 milhões de baterias em 2021. O mercado de reposição entra com 70%. Os 15% restantes incluem exportação para mais de 20 países (também para reposição), baterias industriais (para empilhadeiras de centros de distribuição do varejo, principalmente) e as especiais para telecomunicações.

Uma das novidades na diversificação de produtos é o Bess (sistema de armazenamento de energia, na sigla em inglês), que recebe energia de fontes renováveis, como eólica e solar, e a armazena em um conjunto de baterias gigantes e recarregáveis, afirma Sérgio Moura, filho do fundador e hoje na presidência do conselho de administração de acumuladores Moura, mais ligado à área industrial. "Temos orgulho, como empresa brasileira, de ter a inovação como uma premissa", diz.

O Bess é uma forma de armazenar energia para uso, seja doméstico ou no agronegócio, por exemplo, em horários de pico ou de fornecimento oscilante. "Bess é a caixa d'água da energia", destaca o diretor de pessoas e organização da Moura, Moacyr Freitas, que tem buscado, junto ao governo federal, estímulos para expansão do uso do Bess no país.

Recentemente, a Moura se juntou à chinesa CATL, uma das maiores fabricantes de células de lítio do mundo, para fornecer as baterias de lítio que equipam o primeiro caminhão elétrico produzido no Brasil, o e-Delivery, da Volkswagen. A parceria exigiu expansão industrial em Belo Jardim. As células de baterias que chegam da China recebem, em Pernambuco, o acabamento final. Ao kit da China são agregados componentes como suportes e parafusos. O conjunto final é, então, enviado para a linha de produção da Volkswagen Caminhões, em Resende (RJ).

Com filhos e genro na operação desde cedo, a sucessão da Moura estava praticamente pronta quando Edson morreu em janeiro de 2009. O empresário acabara de completar 79 anos. Conceição morreu exatos dez anos depois. Mas o processo de sucessão começara bem antes, em 1995, quando a família procurou orientação de consultores.

Depois da morte do fundador, nunca mais houve um único presidente. Sérgio e Paulo foram copresidentes da data da morte de Edson até 2019. Depois, assumiram o comando de dois conselhos - um para a rede e outro mais ligado à área industrial.
Nessa transição, ficou decidido que ninguém da família ocuparia função executiva ou seria sequer funcionário da empresa. Nem os filhos, nem tampouco os 14 netos ou 19 bisnetos dos fundadores. Só poderiam ir para os conselhos. "Imagina o filho do dono trabalhando no almoxarifado, por exemplo. O fato de ser da família faz do sujeito uma figura diferente", afirma Sales. Hoje, quatro netos de Edson e Conceição integram os conselhos.

Falta, agora, decidir, se haverá um presidente. Por enquanto dois diretores, assumem funções executivas. Antonio Júnior é diretor-geral de baterias e Elisa Correia comanda a rede de distribuição. A Moura é lucrativa, segundo Sales, e a receita aumentou seis vezes nos últimos 14 anos, chegando a R$ 2 bilhões em 2021. Abertura de capital está fora dos planos da família, por enquanto.

A fabricante de baterias e Belo Jardim acabaram por formar uma mesma história. A começar pelo peso da empresa na atividade da região. Os quase 3 mil funcionários representam 20% dos empregos formais do município, segundo estudo da Ceplan, uma das maiores consultorias do Nordeste.

O grupo também atua no ensino e formação de jovens da região, num trabalho, organizado, em parte pelo Instituto Conceição Moura, o braço social da companhia, que tem origens em projetos criados pela fundadora. Um dos programas, em parceria com a prefeitura, tem colocado ensino integral em escolas públicas. O programa já envolve três escolas e até 2024 serão 12, segundo a coordenadora do instituto, Lorena Tenório.

As escolas de Belo Jardim também costumam receber melhorias patrocinadas pela Moura, como pintura, brinquedoteca e equipamentos de recreação, como escorregadores e gangorras, produzidos pelos funcionários da empresa. O instituto, para o qual o grupo destinou R$ 2,4 milhões em 2022. oferece, ainda, atividades culturais.

A contratação de operários nunca foi um problema porque a empresa se encarrega-se de formá-los. Há cinco anos, o grupo ajudou a recuperar instalações do Serviço Social da Indústria (Sesi) e, mais recentemente uma do Serviço de Aprendizagem Industrial (Senai), evitando que os jovens tenham que se deslocar até a vizinha Caruaru.

Foi como aprendiz que, há quase 28 anos, Lucinaldo Silva deixou a roça para trabalhar na fábrica de baterias. Criado, junto com três irmãos, por mãe agricultora, hoje, aos 47 anos, ele é projetista na Moura. A primeira esposa reclamava do seu trabalho. Silva diz que preferiu desmanchar o relacionamento e vive feliz com uma nova esposa que não reclama. Agora chegou a vez de seu sobrinho, Mateus Rocha, de 18 anos, começar na fábrica no grupo de novos talentos, ajudando no ajuste das máquinas.

No caso dos engenheiros, a maioria vem da Paraíba. Alessio Amâncio, hoje gerente da fábrica de baterias para veículos pesados, concluída em 2016, é um dos que se formaram em engenharia em Campina Grande e se mudaram para Belo Jardim.

Aos jovens da região, a empresa também oferece curso de robótica. Mas é na área de tecnologia que o grupo encontra a maior dificuldade para reter talentos. "Enquanto a rotatividade média da empresa está em 9% em TI chega a 45%", destaca o diretor Moacyr Freitas.

O grupo pernambucano também se envolve com pesquisa voltada à eletrificação do transporte. Em 2012, criou o Instituto Edson Mororó Moura (ITEMM), que além da eletrificação veicular, trabalha no desenvolvimento do sistema de armazemaneto de energia. A agora entidade sem fins lucrativos, fica no centro de Belo Jardim e, além da Moura, atende clientes como Stellantis, Cemig, CPFL e Enel. Foi do ITTEMM que surgiu o Bess, o sistema de armazenamento de energia desenvolvido em Pernambuco.

*A repórter viajou a convite da Moura e da Stellantis.  
Reportagem veiculada no Valor Econômico