Pacote fiscal: especialistas veem déficit menor, mas criticam medidas genéricas de corte de gastos
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que é factível um déficit primário de 1%
O pacote de medidas apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quinta-feira (12), com previsão de receitas e cortes de gastos no montante de R$ 243 bilhões, tem condições de trazer o déficit primário (antes do pagamento dos juros da dívida pública) para menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).
Porém, há incerteza sobre previsões de receita que podem não se concretizar e pouca clareza sobre os R$ 50 bilhões de despesas que serão cortadas, dizem analistas.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que é factível um déficit primário de 1%. O fim de desonerações, a receita com PIS/Pasep, o crédito do ICMS e a revisão das receitas é o que se consegue ganhar esse ano na parte da arrecadação:
— É só isso que se consegue de arrecadação este ano. Com o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), em termos de recursos, é muito difícil de acontecer a previsão do governo, está excessivamente otimista.
O economista se refere aos R$ 70 bilhões de receitas previstas com desconto de multas e juros de débitos, visto por analistas como um novo Refis, e volta do voto de desempate pró-Fisco no Carf.
Insegurança jurídica
A pesquisadora do Núcleo de Estudos de Tributação do Insper, Carla Mendes Novo disse que as medidas tomadas em relação ao Carf vão ser objeto de muito debate e podem ser questionadas, principalmente a volta do voto pró-Fisco em caso de empate. Atualmente, é o contrário. O voto de minerva é do contribuinte.
Para justificar a medida, o ministro Haddad citou o aumento dos processos depois da mudança de regra feita em 2020. O valor do estoque de processos ficou em torno de R$ 600 bilhões de 2015 a 2019. Em outubro de 2022, havia subido para R$ 1 trilhão:
— Entendo a medida como um retrocesso a alguns avanços que tivemos nos últimos anos. O ministro disse que o estoque de processos no Carf aumentou, mas não dá para correlacionar esse aumento somente à extinção voto de qualidade (pró-Fisco). Houve outros elementos.
Ela diz que os julgamentos no tribunal foram afetados na pandemia e houve uma trava nos valores para as sessões virtuais a R$ 36 milhões, mas os processos continuaram entrando. Os julgamentos só voltaram a ser presenciais em setembro do ano passado.
— Essas mudanças trazem insegurança jurídica. Mudou em 2020, agora mudou de novo. Essa medida pode se reverter contra o Fisco. Ao não resolver a questão na esfera administrativa, o contribuinte pode recorrer na Justiça — afirma Carla.
Preocupação com déficit
Faltou mais clareza e detalhes em relação ao corte de gastos. Segundo Vale, não houve clareza no ajuste que o governo pretende fazer:
— Há uma demanda reprimida por gastos nos próximos anos, o que vai inspirar bastante cuidado. O que saiu hoje é neutro, na projeção de déficit de 1%. E ainda resta toda a dúvida sobre o novo regime fiscal.
O novo arcabouço fiscal, as regras que serão criadas para controle do gasto público deve ser apresentado pelo governo ao Congresso até o meio do ano.
Para Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, é muito positivo o fato de estar no radar do ministro da Fazenda a preocupação com o déficit primário, que vai definir a trajetória da dívida pública. Mas reclama que faltou detalhar os cortes de gastos:
— As medidas de corte de gastos estão muito genéricas. São R$ 50 bilhões de ajuste sem muita explicação. Cortar R$ 25 bilhões com revisão de contratos é bastante.
E há incerteza também em relação às receitas, inclusive a reestimativa de arrecadação, aumentada em R$ 36 bilhões. No ano passado, houve receitas extraordinárias com inflação e commodities, o que não deve se repetir este ano. Até mesmo a reoneração dos combustíveis é incerta, afirma a economista. A isenção da gasolina vai até fim de fevereiro, mas o governo pode decidir prorrogar, diz Gutierrez.