Troca de comando por Lula no Exército é tentativa de rearranjo do controle dos civis sobre militares
Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública vê episódio como chance do novo presidente se posicionar como "comandante supremo" das Forças
A demissão do comandante do Exército Júlio César de Arruda pelo presidente Lula, realizada no sábado (21), pode ser interpretada como uma tentativa de retomada do controle dos civis sobre os militares. O general Arruda foi substituído por Tomás Miguel Ribeiro Paiva, Comandante Militar do Sudeste e favorito de aliados do presidente para ocupar o posto.
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A análise é de estudiosos do tema que veem uma nova fase após os atos golpistas do última dia 8, na praça do Três Poderes:
— Eu concordo com a decisão do Lula (de demitir Arruda). Precisa dar voz de comando e dizer que é o comandante supremo — afirma Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV.
No fim da noite de sábado, o ministro da Defesa José Múcio Monteiro afirmou que houve uma "fratura de confiança" na relação com o Exército.
– Evidentemente, depois desses últimos episódios, a questão dos acampamentos, a questão do dia 8 de janeiro, as relações, principalmente do comando do Exército, sofreram uma fratura no nível de confiança. E nós precisávamos estancar isso logo no início desse episódio. Até para que nós pudéssemos superar esse episódio – disse o ministro em um breve pronunciamento no Palácio do Planalto.
A demissão de Arruda entra na lista de outras crises entre civis e militares desde a redemocratização. O crescimento da participação de integrantes das Forças Armadas no governo federal foi registrado no governo Dilma Rousseff (2011-2016), mas deu um salto na gestão do ex-presidente Michel Temer e se consolidou no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Durante a campanha eleitoral, Lula subiu o tom e afirmou que demitiria cerca de oito mil militares. Uma vez empossado, no entanto, o líder petista moderou as críticas em um primeiro momento, e tentou apaziguar os ares com a nomeação de José Mucio no Ministério da Defesa. Até os atos golpistas em 8 de janeiro.
O episódio aumentou a desconfiança de Lula com a caserna, sobretudo após a comprovação por vídeos e fotos nas redes sociais de que militares da ativa participaram do ato e deram guarida para os acampamentos golpistas em frente aos quartéis.
Para a professora de Segurança e Política Internacional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Danielle Ayres, a crise atual do governo federal com as Forças Armadas "é a maior desde as investigações sobre a ditadura durante a Comissão da Verdade", no governo Dilma.
Para Ayres, a gestão Bolsonaro agravou os conflitos entre civis e militares pela retórica golpista do ex-presidente ao fomentar e insistir numa disputa de poder com o judiciário e o legislativo.
— Bolsonaro institucionalizou a ideia de que as Forças Armadas estavam no mesmo nível dos outros poderes. Principalmente ao recorrer a uma interpretação (equivocada) do artigo 142 da Constituição de que as Forças Armadas são um poder moderador. Elas estão subordinadas aos demais poderes — afirma a professora, que foi vice presidente da Associação de Estudos de Defesa entre 2020-2022.