Em Montevidéu, Lula tentará evitar que Uruguai assine acordo de livre comércio com a China
Acordo colocaria em xeque o Mercosul pelo potencial de inundar a região com a importação de produtos chineses
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegará a Montevidéu nesta quarta-feira (25) com o objetivo de convencer o Uruguai a não assinar acordo de livre comércio com a China. O país vizinho negocia com Pequim um Tratado de Livre Comércio (TLC), que colocaria em xeque o Mercosul pelo potencial de inundar a região com a importação de produtos chineses.
Esta negociação bilateral, que abriria portas para transações com tarifas mais baixas, abalaria especialmente a indústria do bloco econômico, que tem como seus principais clientes Brasil e Argentina.
Lula pretende trabalhar para fortalecer o Mercosul e dissuadir o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, de avançar nas tratativas de assinar um acordo. Os governos brasileiro e argentino estudam formas de compensações comerciais ao Uruguai para evitar que as discussões com a China evoluam.
Uruguai aberto a negociar
Após participar da sétima cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Buenos Aires na segunda-feira, Lacalle Pou demonstrou que está aberto a negociar:
Se houver uma proposta melhor de algum dos países do bloco, estamos dispostos a negociar. Vamos conversar amanhã com Lula em Montevidéu
As regras do Mercosul impedem negociações individuais entre seus membros sem o endosso do bloco. A base do grupo é a tarifa externa comum, que estabelece que todos os países membros devem cobrar mesma tarifa para um mesmo produto, quando a mercadoria for importada de fora da zona econômica integrada de comércio.
Não tenho conhecimento dos termos em que está sendo negociado o acordo da China com o Uruguai. Mas esse tipo de coisa não é nova. É uma visita para fortalecer o Mercosul. Eu acredito que a América do Sul, o destino dela de sucesso, passa pelo bloco econômico. Quanto a isso, eu não tenho nenhuma dúvida, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta terça-feira, em Buenos Aires.
Lacalle Pou e Lula terão reunião fechada e, após, ambos darão uma declaração à imprensa. Lacalle Pou esteve na posse de Lula, em Brasília, mas não chegou a ter reunião bilateral com o presidente brasileiro em 2 de janeiro.
Para integrantes do governo brasileiro, a postura mais independente do Uruguai nos acordos comerciais foi estimulada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que não dava prioridade ao Mercosul.
Em Buenos Aires, o presidente uruguaio afirmou que é possível que o acordo do país com a China e o Mercosul convivam juntos e disse que se o Mercosul quiser acompanhar o Uruguai nas negociações, será bem-vindo.
Lacalle Pou defendeu em Buenos Aires que o "Uruguai precisa se abrir para o mundo" e lembrou que a intenção do país de negociar diretamente com a China não é nova, já havia sido proposta pelos ex-presidentes Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020) e José Mujica (2010-2015).
Com ausência de lideranças no Mercosul nos últimos anos, as negociações diretas do Uruguai com a China acabaram avançando na gestão de Lacalle Pou.
Não são coisas excludentes, disse em coletiva de imprensa.
Ao ser questionado se um eventual acordo do país com Pequim representaria o fim do Mercosul, respondeu:
Não sou um rupturista e no Uruguai não gostamos de manchetes tão trágicas
Político de centro-direita, Lacalle Pou foi a única voz a criticar a caráter ideológico da cúpula da Celac. Contrariando tom do discurso de Lula e Alberto Fernandez, chegou a dizer:
Não é necessário ser de esquerda para defender a democracia.
Visita a Mujica
Com a ida ao Uruguai, o objetivo de Lula, é, além de atualizar as relações Brasil-Uruguai, demonstrar que, ao conservar com o presidente de direita Lacalle Pou, seu empenho de integração entre os países está acima da pauta ideológica.
Nos dois dias de agendas na Argentina, Lula reforçou a importância da integração entre os países latino-americanos para o fortalecimento da região no cenário internacional e da necessidade do Brasil assumir protagonismo nesse processo:
O Brasil esqueceu a dimensão de responsabilidade que ele tinha no continente sul-americano, o Brasil como maior economia do continente, tem obrigação de ser indutor do impulsionamento das relações comerciais, políticas, econômicas e até das relações sociais. Esse isolamento não ajudou um único país, disse Lula na segunda-feira a empresários brasileiros e argentinos.
A agenda de Lula em Montevidéu inclui também uma visita ao ex-presidente José Mujica, amigo de Lula. O encontro ocorrerá na chácara de Mujica, a 16 quilômetros do centro da capital uruguaia. Mujica esteve com Lula no dia da vitória do petista no segundo turno da eleição e durante a posse presidencial.