Interventor do DF diz que houve 'falha operacional' no comando da PM e aponta omissão de Torres
Ricardo Cappelli apresentou relatório sobre período de intervenção na segurança do Distrito Federal
O interventor federal na segurança pública do Distrito Federal, Ricardo Cappelli, afirmou nesta sexta-feira que houve "falha operacional" por parte do comando das forças de Segurança Pública do Distrito Federal no dia 8 de janeiro, quando um grupo de golpistas invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes.
Ele também declarou que o ataque só ocorreu devido a uma "ação profissional e programada" dos manifestantes que planejaram o atentado numa "mini cidade golpista" - palavra a qual se referiu para chamar o acampamento montado em frente ao QG do Exército, em Brasília.
Segundo ele, o local funcionou como um "centro de construção de planos contra a democracia".
Cappelli fez as denúncias com base em um relatório sobre o período da intervenção, que foi entregue ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
— A primeira questão é a centralidade do acampamento que foi montado em frente ao QG do Exército. A centralidade dele em tudo o que aconteceu e culminou no dia (8 de janeiro). Isso fica claro e evidente — afirmou. — Todos os atos de vandalismo passaram a sua organização, planejamento e ponto de apoio no acampamento, que virou um centro de construção de planos contra a democracia brasileira — disse Cappelli.
Para embasar a sua argumentação, Cappelli declarou que foram identificadas 73 ocorrências policiais, de furto e roubo, no entorno do acampamento. Essas informações constam do relatório produzido pela equipe do interventor.
Além de mostrar a cronologia de como o acampamento foi montado desde o fim do segundo turno das eleições e desmontado no dia 9 de janeiro, o documento também indica omissões por parte de integrantes da Secretaria de Segurança Pública do DF e da Polícia Militar do DF, que não conseguiram conter a invasão dos manifestantes aos prédios do Planalto, Congresso e STF.
O interventor afirmou que os manifestantes levaram 1h40min da saída do acampamento até passarem pela primeira barreira, o que, segundo ele, foi tempo suficiente para que mais tropas da PM fossem acionadas para impedir o avanço na Esplanada, o que não ocorreu.
Segundo Cappelli, "não faltaram informações" de inteligência que indicavam o que aconteceria na Praça dos Três Poderes - algumas delas enviadas ao então secretário da SSP, Anderson Torres, que foi exonerado do cargo e preso por ordem do Supremo sob a suspeita de negligência.
O interventor acusou Torres de ter provocado uma "instabilidade" na Secretaria de Segurança Pública do DF que culminou com a inação das forças de segurança no dia 8:
— A instabilidade que ele gerou com as exonerações e trocas [no comando]. Logo depois, ele viaja [aos EUA], recebe um relatório de inteligência e esse relatório não tem nenhum desdobramento. Não é só uma questão burocrática — disse o interventor.
Ele complementou que uma das suas primeiras ações assim que assumiu a SSP foi exonerar todos os indicados por Torres.
Outro que está preso é o então comandante da PM, coronel Fábio Augusto. O interventor, no entanto, isentou o então comandante da acusação de conivência com os atos golpistas, dizendo que ele atuou para defender os prédios públicos e chegou a ser ferido na cabeça por um cone arremessado por um manifestante.
Segundo o interventor, o então comandante "perdeu a capacidade de comando" sobre a tropa e não teve os apelos por mais efetivo atendido.
— Há uma falha operacional, porque o relatório de inteligência, que existe, não gerou o desdobramento adequado — disse o interventor, acrescentando que, conforme as imagens de segurança, havia apenas 150 homens na contenção inicial dos manifestantes.
'Ação profissional'
O interventor ainda mencionou que os manifestantes usavam óculos de proteção, máscaras e rádios comunicadores, o que, segundo ele, caracterizaria uma "ação profissional e programada". Ele cita como exemplo a forma como foi derrubado o primeiro gradil de contenção:
— É impressionante como num dado momento eles puxam a primeira linha de gradis. E ela cai de uma ponta a outra. Há um movimento coordenado e isso chama muita atenção — diz ele.
Além disso, segundo Cappelli, a linha de contenção era formada por policiais "alunos", da escola de formação de Praças, que não possuíam a vestimenta adequada para conter manifestações, como o exoesqueleto.
Outra fato que chamou a atenção do interventor foi que nove oficiais do comando da Polícia Militar do Distrito Federal estavam de férias no dia 8, entre eles o chefe do Batalhão de Choque da Polícia Militar.
Contexto
A intervenção federal começou na noite do dia 8 de janeiro, logo após a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes da República, e encerra na próxima terça-feira, dia 31. A partir de então, o delegado da Polícia Federal Sandro Avelar assume a Secretaria de Segurança Pública do DF. Cappelli, por sua vez, volta à secretaria-executiva do Ministério da Justiça.
Avelar assume o cargo deixado pelo ex-secretário Anderson Torres, que foi exonerado no dia 8 e está preso por ordem do Supremo Tribunal Federal.
Corregedoria da PM
Cappelli também listou as denúncias que embasaram a instauração dos seis inquéritos policiais militares (IPM):
1) apuração da conduta do Batalhão de Choque da PM que não impediu a entrada de manifetantes no Congresso Nacional;
2) investigação em relação aos policiais que estavam conversando e tirando fotos enquanto ocorria a invasão no prédio dos Três Poderes;
3) apuração de responsabilidade na linha de comando da Polícia Militar do Distrito Federal que falhou na mobilização de batalhões e efetivo, apesar dos alertas da inteligência;
4) suspeita de policiais militares que arrecadavam recursos para o acampamento e trabalhavam na segurança privada do local;
5) investigação da conduta de um policial militar que chutou uma manifestante dentro do Palácio do Planalto;
6) apuração sobre os motivos que levaram a tropa da PM a recuar e desmobilizar a linha de contenção que dava acesso à sede do Supremo Tribunal Federal.