"A Fundaj sempre será protagonista"

Entrevista com Luiz Otávio Cavalcanti, presidente da Fundaj

Peça "Tudo que é bonito é bordô" - Doralice Lopes/Divulgação

Com pouco mais de 100 dias de gestão, o presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Luiz Otávio Cavalcanti, fala sobre como encontrou a Fundaj, o processo de transição e seus projetos, ideias e ações para colocar a instituição de volta ao papel de protagonismo. Ex-secretário de Planejamento do Recife e da Fazenda do Estado, Luiz Otávio recebeu a reportagem da Folha de Pernambuco em sua residência para uma conversa séria, mas que se desenrolou de forma descontraída. Repetindo a famosa foto de Gilberto Freyre com a perna sobre o braço da poltrona, fez diversas referências ao escritor. “Quem senta na cadeira que foi de Gilberto Freyre tem o dever de pensar grande.” 

O senhor assumiu a presidência da Fundação Joaquim Nabuco em um contexto sui generis: seu antecessor pediu demissão alegando não reconhecer o governo interino do então presidente em exercício Michel Temer. Sob esse ponto de vista político, como analisa aquele momento e o atual, pós-impeachment, e se isso afetou de alguma forma a Fundaj?
A circunstância da Fundação é uma circunstância em que uma casa de saber e de cultura que coloca saber e valores diante de uma conjuntura social. A Fundação Joaquim Nabuco preserva valores que são permanências, que são transcendências e que, portanto, estão acima das transições, do passageiro, do transitório. A Fundação é um permanente que olha o transitório. Esses valores são a cultura, a pesquisa, a educação e a memória. São valores permanentes. E é a partir dessas permanências que a Fundação, ou quem a preside, como eu, observa o transitório, a circunstância. Foi com esse sentido de permanência que a gente enfrentou a transição e hoje se situa dentro de um sistema constitucional normal previsto na lei.

Esse sistema de transição afetou de alguma maneira o dia a dia da Fundaj, os projetos, tudo o que é realizado?
De certo modo, exigiu o reconhecimento, por parte das pessoas, da necessidade de diálogo, de entendimento, de conversar e se entender, sobretudo situando a Fundação acima das questões partidárias. Esse reconhecimento, por meio do diálogo, resultou numa espécie de pacto implícito, não escrito, em que todos reconheceram a necessidade de que a Fundação tem que continuar a trabalhar, porque ela está acima da questão partidária.

O senhor possui um currículo e qualificação que atendem diretamente à atividade fim da Fundação. É professor, graduado em Direito, com experiência em docência e gestão pública e de empresas privadas. Sob o ponto de vista administrativo, qual a análise que o senhor faz da Fundaj que encontrou e de como ela está hoje? Houve alguma mudança significativa?
Encontrei um fato positivo que foi um esforço feito pela casa, nos dois últimos anos, na elaboração de um plano de desenvolvimento institucional. Foi um esforço formidável que reuniu os servidores da instituição no sentido de dotar os seus processos de uma visão de planejamento. Essa é uma tarefa que nós estamos executando. Estamos implementando o PDI, Plano de Desenvolvimento Institucional, que resultou no consenso básico em discussão entre os servidores. O segundo aspecto é o de que verifiquei a necessidade de promover dois objetivos. Primeiro, ampliar a taxa de retorno social na atuação da Fundação. Em segundo lugar, de transformar crescentemente um arquipélago num continente. A Fundação tem instituições fortes, tem unidades administrativas de muito vigor, atuando na pesquisa, na cultura, no cinema, na memória e é preciso que esse arquipélago se torne um continente, que o arquipélago dos fazeres da Fundação se transformem num continente cada vez mais articulado, coordenado. Com relação ao primeiro aspecto, vou dar dois exemplos. Primeiro: nós recebemos por ano, no Museu do Homem do Nordeste cerca de 65 mil alunos de escolas públicas e particulares. A partir da minha gestão, passamos a oferecer às escolas públicas e particulares que visitam o museu kits com livros e vídeos da Fundação sobre aspectos da cultura pernambucana e brasileira, sobre personagens da história do Brasil, de modo que a Fundação possa ampliar a sua ação educativa e cultural junto à rede escolar pública e privada. Segundo: passamos a ampliar o acesso de pesquisadores e do público em geral ao grande acervo da Fundação, acervo que é documental, fonográfico, e iconográfico. Temos um grande acervo de música popular brasileira, são mais de 170 mil títulos do acervo fonográfico. Nós estamos colocando isso numa plataforma digital de modo que as pessoas que estejam na Austrália, na Europa e nos Estados Unidos possam acessar, por exemplo, a iconografia do Recife da primeira metade do século 20. Esse é o segundo aspecto: o aumento da taxa de retorno social. Terceiro, é que nós estamos abrindo a tela do Cinema do Museu, nos domingos pela manhã, para os pequenos, para as crianças, com filmes, animação e contação de história. Essa iniciativa ela se volta tanto para os filhos dos servidores quanto para as crianças das famílias que moram no entorno da Fundação, que moram em Casa Forte, em Poço da Panela, em Casa Amarela, em Parnamirim. O domingo de manhã pertence aos pequenos. É cinema, é contação de história, pipoca e guaraná. A outra iniciativa que nós tomamos nesse sentido é a Sexta com Música. A última sexta-feira de cada mês nós apresentamos uma audição por convênio com o Conservatório Pernambucano de Música, com peças de música popular e música clássica para os servidores e para a comunidade dos bairros vizinhos à Fundação. Na próxima sexta-feira vamos receber a pianista Elyanna Caldas. Esse é o meu curso nesse objetivo de ampliar o retorno social da Fundação à sociedade. O outro aspecto relacionado com transformar o arquipélago em continente é nós, por exemplo, oferecermos aos usuários do museu as obras da Editora Massangana. É nós proporcionarmos ao cinéfilos a possibilidade de visitar o Museu do Homem do Nordeste.

E como estão esses braços, departamentos da Fundação que geram produtos: a Editora Massangana, a produtora Massangana Multimídia...?
A gente está com os produtos da Multimídia, que são os vídeos, oferecendo às escolas e oferecendo no Museu.

E em termos de produção?
Continua gerando (documentários).

E a editora continua publicando?
Ah sim. Nós fizemos a publicação de cinco livros agora em agosto, inclusive a segunda edição do livro da pesquisadora, da Fundação Getúlio Vargas, Dulce Pandolfi sobre Agamenon Magalhães. A gente começou o processo e está dando muito certo.

Uma das áreas que o senhor envereda como escritor é a da história. Sendo a Fundaj detentora de um importante instituto de pesquisa, e referência nacional nessa área e na produção de conhecimento, com que ideias o senhor contribuiu ou pode ainda vir a contribuir visando uma maior atuação da Fundação nesse setor? O ministro José Mendonça Filho chegou a fazer uma crítica dizendo que esse papel da Fundação vinha se perdendo ao longo dos anos.
O ministro tem dado um apoio muito importante à Fundação. E este é um momento único em que a Fundação tem um ministro de Pernambuco, que conhece a Fundação e que sabe de suas finalidades. Nós estamos trabalhando em duas linhas. A primeira é a memória de Pernambuco. Estamos, por exemplo, coeditando com a Cepe, os 70 anos do Geografia da Fome, de Josué de Castro. Fizemos um seminário sobre a obra do Josué há mês. Estamos conversando com Lêda Alves, viúva de Hermilo Borba Filho, sobre o acervo de Hermilo. O acervo de teatro e de prosa. Essa é uma linha que estamos acentuando com muito vigor porque se trata não só de preservar o acervo de Pernambuco e de autores, de obras de Pernambuco, mas de fazer com que essas obras e esses autores se tornem conhecidos das novas gerações. Eu tenho uma preocupação muito grande, porque eu chego na sala de aula, por exemplo, e pergunto: ‘Quem foi Joaquim Nabuco? Quem foi Gilberto Freyre? Quem foi Frei Caneca?’. E me preocupa às vezes o silêncio. É nessa linha que a gente está trabalhando, a de valorizar a produção social, cultural de Pernambuco. O segundo aspecto: a Fundação é uma casa de bonitezas. E uma beleza ética e cultural muito extensa. E essa beleza já se fez mais visível, já se fez mais presente, já se fez mais realçada no azul de Pernambuco, no azul de Carlos Pena Filho. Nós estamos mobilizando a inteligência técnica da Fundação no sentido de que a Fundação volte a se posicionar institucionalmente em relação a temas importantes que interessam ao cidadão do Recife. Por exemplo: o Cais José Estelita. A área envolvida, do Cais José Estelita, é talvez a última área remanescente com chance de ser apropriada coletivamente pela população do Recife. Esse é um assunto que interessa ao presente e ao futuro da cidade. A Fundação nunca esteve ausente dos grandes temas que interessam ao cidadão recifense. Nós estamos hoje com um grupo de urbanistas estudando esse assunto e vamos apresentar à imprensa, em novembro, um posicionamento institucional da Fundação sobre esse assunto. Baseado tecnicamente, apoiado na lei. Existe um plano diretor que orienta os investimentos urbanos no Recife, datado de 2008. O posicionamento da Fundação vai se basear no plano diretor, que diz que aquela área é uma área de baixa ocupação. Essa é a direção em que nossos técnicos estão formulando, no sentido de se alinhar a um projeto para aquela área que contemple ao mesmo tempo o investimento privado e o interesse público, a geração de renda e emprego e a produção de um espaço coletivo.

É uma iniciativa da Fundação?
É uma iniciativa da Fundação, que é uma retomada, na minha gestão, de uma linha histórica de atuação da Fundaj em temas de interesse coletivo. A Fundaj sempre foi protagonista. A Fundaj sempre teve uma participação relevante, pela qualidade de seus quadros, nos assuntos que interessam a Recife e a Pernambuco. Aliás, eu vou dar um exemplo pessoal. Eu era secretário de Planejamento do Estado em 1976 e, na época, a implantação do projeto de Suape cabia à Secretaria de Planejamento. Nós demos as primeiras ordens de serviço em 1976 para a construção do ramal rodoviário, do ramal ferroviário e das barragens de Bita e Utinga, que abastecem até hoje de água o complexo. Quando nós publicamos as ordens de serviço, o doutor Gilberto Freyre, da Fundação Joaquim Nabuco, ao lado do economista Clóvis Cavalcanti, que era diretor da Fundação, e Renato Duarte, que era pesquisador, publicaram um manifesto contra Suape posicionando a Fundação em relação a um projeto que estava nascendo naquela época e declarando alguns pontos de vista que no entendimento deles devia ser observados. O que foi que eu fiz? Liguei para Clóvis Cavalcanti e disse: ‘Clóvis, vamos sentar, porque o governo tem interesse em saber como é que a gente pode melhor conduzir o projeto de Suape’. O que é que resultou disso? Resultou a elaboração do Programa Ecológico-Cultural de Suape, que foi elaborado por Aloísio Magalhães, que na época dirigia o Centro Nacional de Referência Cultural. Aloísio, que chegou a ser secretário de Cultura, chegou a ser ministro da Cultura, porque na época não existia ministério, era uma secretaria nacional de cultura, dirigia o Centro Nacional de Referência Cultural, era amigo de Gilberto Freyre, e era nosso amigo, ele foi o elemento de convergência que possibilitou a elaboração do Programa Ecológico-Cultural de Suape. Os arquivos desse programa estão em parte na Fundação, porque terminou recebendo parte do acervo por doação do governo, e parte no Condepe, na Biblioteca do Condepe, porque na época o Condepe era o órgão que contribuía para o planejamento de Suape. Esse posicionamento à época, da Fundação, correspondia a esse posicionamento institucional. A Fundaj estava presente nas coisas. E é isso que nós estamos recuperando, é isso que nós estamos resgatando, é isso que nós estamos reinaugurando. É uma Fundaj protagonista. A gente está recuperando isso exatamente porque a Fundação é uma casa de saber, é uma casa de saberes, é uma casa de reflexão crítica. E é por isso que nós trouxemos de volta o Seminário de Tropicologia. Há 10 anos que o seminário foi interrompido. Minha primeira medida como presidente foi trazer de volta o Seminário de Tropicologia para a Fundaj convidando para coordenadora do seminário a escritora Fátima Quintas, que trabalhou com Gilberto. Nós fizemos isso porque achamos que o debate público tem que ser crítico, reflexivo, apoiado na ciência, apoiado no saber. E é essa oferta que o Seminário de Tropicologia fez e agora volta a fazer. Nós trouxemos já este ano, para debate no Seminário de Tropicologia, o ex-secretário da Cultura Geraldo Eugênio, que falou sobre o seminário. Nós trouxemos a urbanista Amélia Reinaldo, que fez uma bela apresentação sobre planejamento urbano do Recife. Estamos trazendo agora, no dia 25, o professor da USP Antônio Dimas, que vem falar sobre o Manifesto Regionalista de 1922. Cada vez mais importante no contexto das novas tecnologias, das novas redes sociais, que espaços como o Seminário de Tropicologia voltem a funcionar, voltem a sediar o debate apoiado na palavra de pesquisadores, economistas, urbanistas, sociólogos, que tragam um pensamento mais reflexivo, mais sólido e menos emocional. O discurso social tem que vir com paixão e razão.

A Fundaj, além de ser uma casa de saberes, como o senhor falou, tem recursos técnicos para transformar essa discussão em projetos técnicos que possam contribuir para a sociedade.
Essa é uma qualidade importante da Fundação. Nós temos quadros de trabalho, por exemplo, de restauro de telas importantes do acervo de Pernambuco. Nós temos especialistas em meio ambiente, nós temos especialistas em educação, nós temos um dos maiores curadores do País, que é o Moacir dos Anjos, nós temos produção importante de pesquisas, inclusive no semiárido. Estamos desenvolvendo uma atuação para ampliar o apoio à rede de educação pública no Agreste e no Sertão. Estamos indo a Petrolina na próxima (esta) semana, nesse sentido de qualificar melhor as pessoas na oferta da educação naquela área. Nessa linha, nós estamos também retomando o trabalho de internacionalização da Fundaj. A Fundaj sempre foi uma instituição que teve os olhos e teve as mãos trabalhando fora do País com instituições internacionais e com pesquisadores estrangeiros. Na semana passada nós manifestamos à Universidade de Pernambuco a adesão da Fundação ao projeto da Casa de Pernambuco no Porto, em Portugal. O Governo de Pernambuco construiu uma casa, que é uma casa de cultura, uma casa de pesquisa, no Porto, em Portugal. E a Universidade de Pernambuco está encarregada de reunir, congregar algumas instituições que estão interessadas em participar de programas culturais, de pesquisa na cidade do Porto. É um belíssimo projeto, assinado pelo arquiteto Acácio Borsoi. Ela não está funcionando. É exatamente esse o propósito da UPE, de reunir algumas instituições que queiram colocar a casa em funcionamento. Nós expressamos a decisão da Fundação em participar desse projeto, em coparticipar desse projeto. No próximo ano, nós vamos desembarcar lá, com a Editora Massangana, com a Massangana Multimídia, com o Museu do Homem do Nordeste e com o Centro de História do Brasil (Cehibra), da Fundação, e vamos levar os bens culturais de Pernambuco para mostra na Casa de Pernambuco no Porto. Essa é outra linha que a gente vai recuperar.

Já há algum tempo foi determinado que a Fundação Joaquim Nabuco tivesse uma amplitude nacional. De que forma o senhor acredita que a Fundação poderia estar presente fisicamente em outras Unidades da Federação? Isso exigiria a necessidade de um aumento de quadro de pessoal. Há a perspectiva de ampliar o quadro de funcionários, de técnicos?
No século 21, a presença digital, tecnológica, é muito mais importante do que a presença física. A Fundação já teve representação no Rio, em Salvador, em Manaus. Mas hoje, com os recursos tecnológicos, os recursos digitais, o importante é você ter - como a gente está agilizando - uma plataforma tecnológica que, através da internet, coloque ao alcance das pessoas o riquíssimo acervo cultural e social da Fundação. Por outro lado, a conexão científica da Fundação com centros nacionais de pesquisa nunca foi interrompido. Nós temos relações com importantes instituições de pesquisa e ensino do País. Fundação Getúlio Vargas, instituições de ensino públicas e particulares, convênios com governos. Nós temos uma série de convênios de cooperação em que a gente estabelece trocas de conhecimentos e de experiências. Por exemplo: todo mês nós damos curso de direção cinematográfica em algum Estado do Nordeste. Na semana passada (retrasada) fizemos um curso de curta direção cinematográfica em Campina Grande, na Paraíba. Essa é uma linha de trabalho que não foi interrompida. O que nós estamos aprofundando agora, numa plataforma tecnológica, com os recursos digitais, agilizando a oferta desses bens por meio da internet e intensificando o diálogo social na mídia das redes. Por exemplo: o acervo fonográfico, o acervo iconográfico da Fundaj, poderá ser exposto e acessado na Casa de Pernambuco, no Porto, nessa nova plataforma digital.


Em termos práticos, quando o senhor imagina que todo esse acervo da Fundação, que interessa ao público, vai estar disponível para ser acessado?
Uma boa parte desse acervo já está disponível, já foi digitalizado. Para ele se tornar disponível na internet, ele precisa ser digitalizado. Talvez 40% desse acervo já esteja apto a ser acessado e já é acessado. Nós estamos agilizando a digitalização desse acervo. Não tenho condição de lhe dizer em quanto tempo nós vamos concluir esse trabalho, porque estamos mobilizando os recursos tecnológicos nesse sentido. Tínhamos um scan robot que estava parado há três anos. Nós conseguimos colocar o scan robot para funcionar. Isso agiliza muito o escaneamento de documentos e de imagens.

Muitas instituições prometem digitalizar todo seu acervo e poucas vezes essa promessa é cumprida. Isso gera uma grande expectativa.
É por isso que eu não quero me comprometer com prazo, porque não tenho essa informação hoje estabelecida, porque estamos atualizando os recursos tecnológicos, como é o caso do scan robot.

O senhor ocupou secretarias importantes na gestão estadual e municipal. Considera o exercício da administração dessas pastas muito diferente do papel que exerce hoje? Sente falta de desempenhar um função mais ligada às decisões políticas da cidade e do Estado?
É uma questão interessante, porque as funções que exerci no governo foram ligadas à atividade meio, fazenda e planejamento. Isso me deu uma vivência importante, do ponto de vista de minha formação como gestor, diante da necessidade de uma ação planejada, e da administração de recursos escassos. A Fundação, ao se colocar numa perspectiva de ação finalística em ordem de cultura, pesquisa, de educação, permite que eu viva dois sentimentos. Primeiro, o sentimento do fazer. Para quem tem vocação pública, o fazer é uma forma superior de realização. Você ver os alunos de uma escola pública entrarem no Museu do Homem do Nordeste de manhã, quando você chega para trabalhar, para receber lições de arte de cultura, de formação sobre a cara do Brasil, o rosto do Brasil, que está no Museu do Homem do Nordeste. Quando você entra (no museu) é recebido pelos sons de Naná Vasconcelos. Quando você se vira para lado direito você vê o chapéu de couro do vaqueiro. Quando você se vira para o lado esquerdo você vê os adereços da arte africana. Esses fazeres nos trazem uma realização, um grau de satisfação muito grande. O segundo sentimento é o do fazer bem. E o que significa fazer bem no mundo em que a gente vive? É fazer com o olhar para aqueles que não estão próximos fisicamente da Fundação e que precisão da Fundação. E quem são essas pessoas? Os estudantes de Afrânio, crianças de Bodocó, os alunos de Santa Maria da Boa Vista. Eu quero fazer chegar as publicações da Fundação a essas crianças. Eu quero fazer chegar, digitalmente, o acervo da Fundação aos alunos da rede pública e privada das escolas do Nordeste. Fazer bem significa isso: fazer com mais retorno social. Fazer bem significa ampliar o retorno dos bens culturais da Fundação com mais extensão, com mais amplitude. E o fazer ético. No sentido aristotélico: a ética como o fazer para o coletivo, a ética como o fazer para a comunidade. Eu já me determinei a não produzir nenhum livro, nenhuma edição de luxo em minha gestão. A Fundação em minha gestão não vai editar nenhum livro de luxo. Embora a gente tenha edições belíssimas e de grande valor, mas são edições que se resumem a meia centena ou uma centena de pessoas. Eu acho que a gente tem que pensar nas milhares de pessoas que precisam de edições populares. E é por isso que eu tenho pressa, por que a estrada para trás terá sido melhor do que a estrada para frente.

O senhor demonstra um prazer, um orgulho por algo que chegou e encontrou. Normalmente o entrevistado fala muito sobre o que ele fez.
É porque eu tenho 70 anos. Quem tem 70 anos sabe que a vida é uma continuidade, que ninguém reinventa a roda. Com 70 anos a gente sabe o que está atrás da gente. A gente sabe. Os tijolos que os nossos antecedentes colocaram no caminho, na estrada que a gente está passando. No caso do governo nem se fala. No caso da Fundação também. Quando se caminha pelas salas e pelos corredores da Fundação você está convivendo com obras de homens como Gilberto Freyre, Manuel Correia de Andrade, Sylvio Rabelo, Mauro Mota, Clóvis Cavalcanti. Primeiro a gente tem esse reconhecimento instantâneo, de tudo o que foi feito naquela casa. E eu verifiquei rapidamente o seguinte: quem senta na cadeira que foi de Gilberto Freyre tem o dever de pensar grande. A latitude social da Fundação é de tal ordem que quem vai pra Fundação (presidir) tem que pensar largo.

O senhor sente falta de desempenhar funções que já exerceu antes, como secretário da Fazenda, do Planejamento?
Absolutamente. Pelo contrário. Você nota pelo entusiasmo pelo que eu falo, sobre meus fazeres atuais, como estou feliz, como estou confortável. Trabalhar com cultura é muito melhor do que trabalhar com dinheiro. Trabalhar com o acervo, os recursos do Museu do Homem do Nordeste é muito melhor do que trabalhar com os recursos fiscais. Trabalhar com a recuperação, as atividades educativas do Engenho Massangana é muito melhor do que trabalhar com a recuperação das estradas.

O senhor tocou num ponto importante. Trabalhar com cultura é muito mais difícil em termos de dinheiro, de recursos.
Eu sou um gestor afortunado. Porque tem no MEC um ministro pernambucano. O ministro Mendonça Filho conhece a Fundaj e sabe das necessidades da casa e aumentou os recursos da Fundação para os projetos. Só no orçamento do próximo ano, R$ 3 milhões a mais. O orçamento da Fundação é superior a R$ 25 milhões. E, para este ano, para concluir algumas obras que nós iniciamos, ele destinou R$ 1,5 milhão. A primeira delas: nós temos um refeitório para estudantes e pesquisadores que estava fechado há oito anos. Nós o estamos reabrindo no dia 1º de dezembro deste ano. Fica num sítio muito bonito, arborizado, e ao fundo tem um painel de Francisco Brennand que é um dos mais belos que eu vi até hoje. A segunda: a agilização das obras da reforma do Derby. O prédio do Derby abriga o cinema, abriga duas salas de exposição, uma biblioteca e um café. Vai ser um dos mais expressivos destinos culturais da cidade do Recife. É uma obra que nós não começamos, vem de gestões anteriores, que iniciaram há dois anos, e nós estamos agilizando sua execução. Vai ser um complexo cultural de importância no cenário da cidade. Fica pronta em julho de 2017. A terceira obra é a recuperação do Museu do Homem do Nordeste. Precisava de pintura, precisava recuperar o sistema elétrico, precisava reequipar alguns espaços. É uma obra para R$ 600 mil. O ministro também garantiu e liberou os recursos para essa obra no Museu do Homem do Nordeste. Nós estamos nesse momento fazendo o projeto de redinamização do Engenho Massangana. No Engenho Massangana são desenvolvidas atividades educativas para as escolas do Cabo, atividades da cultura local, da cultura popular da região. Nós estamos desenvolvendo um projeto para dinamizar as atividades sociais e culturais do Engenho Massangana. Nesse sentido, eu fiz uma visita na semana passada (retrasada) a Josias, que é o presidente do Sesc/Senac. Estivemos discutindo por uma hora a possibilidade de uma parceria entre a Fundação e o Sesc/Senac de modo que a gente possa contar com a cooperação de serviços oferecidos pelo Sesc/Senac. Nós estamos numa fase de discussão de um programa conjunto entre as duas instituições para aumentar a oferta de serviços no engenho Massangana entre as populações do Cabo e de Ipojuca. Josias nos recebeu muito bem, chamou dois diretores na ocasião, nós discutimos preliminarmente as linhas de base do projeto e o pessoal técnico, a partir da próxima semana, está definindo o programa.

O senhor mencionou a sensibilidade do ministro José Mendonça Filho para com a Fundação. Como o senhor observa as críticas de que o ministro não seria a pessoa adequada para a pasta da Educação?

Minha resposta é com um fato. Há mais de uma década pelo menos seis ministros da Educação falaram sobre a necessidade de reforma da educação brasileira. O ministro Mendonça Filho, em cinco meses, falou e fez. Ele agiu. Isso é que o bom político saber fazer: agir. Ao invés de simplesmente falar. Falar é importante, mas fazer é mais importante. Foi isso o que o ministro fez. Depois de seis ministros, de uma década e muito falatório, o ministro fez a reforma da educação.

Quando seu nome foi anunciado para a presidência da Fundação houve uma manifestação do Conselhor Diretor da Fundaj, o Condir, formado em sua maioria por servidores efetivos da instituição, criticando o fato da nomeação haver acontecido alheia a um diálogo com o grupo, como ocorrera em situações semelhantes anteriores. Como o senhor tratou esse episódio? Já está superado? Como é o seu diálogo com os servidores?
O episódio foi superado. Hoje há um clima de diálogo, de entendimento em torno dos objetivos da Fundação. Em todas as minhas passagens pelo setor público eu sempre distingui o assunto pela linha do entendimento. Foi isso o que a gente fez na Fundação. Os projetos seguem sua execução normal dentro daquilo que foi construído pelos servidores da Fundação, de dois anos para cá. Na primeira reunião que eu tive com o corpo de pesquisadores, que me foi apresentado o PDI, Plano de Desenvolvimento Institucional, eu abracei o plano, verifiquei que se trata de um esforço importante de formulação e de planejamento, e nós estamos executando o PDI. O clima na Fundação é um clima construtivo.

Em 2019, a Fundação completa sete décadas de criação. Como o senhor visualiza a Fundaj nos 70 anos?

Ontem (terça-feira) eu me reuni com os dez servidores mais antigos da Fundação Joaquim Nabuco, alguns com 41 anos de Fundação. Me reuni com eles, porque nós vamos fazer a história oral da Fundação com os servidores mais antigos. Será uma espécie de história não oficial da Fundação. Eu tive essa ideia quando eu me apercebi que em 2019 a Fundação iria fazer os 70 anos. E eu pensei em uma coisa mais humana, ao invés de simplesmente editar um livro com depoimentos de grandes pesquisadores, pessoas que já são conhecidas, eu quero fazer também com pessoas que vivenciaram casos, que dedicaram suas vidas, pessoas que conhecem o cotidiano, pessoas que partilharam pequenas e grandes emoções, pessoas que conhecem os caminhos da Fundação. Então foi muito interessante porque nós ocupamos a manhã inteira com dez servidores entre os quais um motorista, um funcionário administrativo-financeiro. Pessoas que continuam trabalhando, porque gostam da Fundação. Passamos uma manhã inteira. As pessoas contaram episódios curiosos a respeito da Fundação. Esse será o primeiro produto dos 70 anos. O segundo produto é o que eu chamo de Memória do Futuro. É o que será Fundação em 2030, em 2035, em 2040. Nós vamos reunir pensadores, economistas, urbanistas, sociólogos para pensar sobre o papel da Fundação daqui a 30 anos. Como será a economia, como será a sociedade daqui a 30 anos e qual deverá ser o papel da Fundação nesse cenário. Certamente a gente vai ter uma economia menos industrial, uma economia mais de serviço, vamos ter uma sociedade menos material e mais intangível, mais cultural, mais digital. E a Fundação tem uma vocação absoluta para o mundo intangível, para o mundo da produção cultural. Eu imagino que a Fundação possa vir a ter um papel cada vez mais relevante num sociedade que será uma sociedade de cultura, de fazeres culturais, será uma sociedade do pensar, do pensar social. E essa é a grande vocação da Fundação. É a partir do acervo que a Fundação tem, da memória que a Fundação tem, que a gente pretende descortinar esse futuro. O segundo produto para celebrar os 70 anos da Fundação será A Memória do Futuro.

Em que aspecto o senhor acredita que seu trabalho na Fundação se difere de gestores que lhe antecederam, nomes poeminentes da esfera política, como os ex-deputados Fernando Lyra e Paulo Rubem Santiago, além de Fernando Freyre, filho do sociólogo Gilberto Freyre? Qual a marca que o senhor acredita que vai deixar na Fundação, que nessa Fundação de 2040 vão lembrar e vão dizer: ‘Essa foi a marca da gestão de Luiz Otávio Cavalcanti’?
(Risos) Eu não estou preocupado com isso não. Realmente não. A minha preocupação é a de ser um continuador. E de a Fundação ter a sua marca, não a minha marca. Não estou preocupado com isso não. Eu sou um mero continuador.

Nesse período, o senhor já teve que tomar decisões difíceis?
(Risos) O administrador toma decisão difícil todos os dias. São pequenas grandes decisões. E todo administrador, toda instituição pública ou privada, ela sempre toma, porque envolve pessoas. E as decisões que envolvem pessoas têm sempre um certo teor de dificuldade. E é esse cuidado que a gente tem que ter, em ser justo. O que é tomar uma decisão justa numa instituição? É você pensar no coletivo. É você não pensar no individual, é você não pensar no pessoal. Se você pensar no benefício pessoal, você pratica uma decisão injusta com o todo. No momento em que tomar uma decisão, mesmo que diga respeito a um individual, a um pessoal, tem que pensar no coletivo. A decisão justa é aquela que se baseia no coletivo.

Nas últimas décadas, a Fundaj desenvolveu um importante papel na difusão do audiovisual, com atenção especial ao brasileiro e destaque para o pernambucano. Nesse sentido, o papel do jornalista e cineasta Kleber Mendonça Filho foi fundamental. Ele inclusive tem uma ligação afetiva anterior ao trabalho dele na instituição. Como o senhor recebeu o pedido de demissão Kleber da Coordenação de Cinema? De que forma o senhor acredita que a Fundaj pode manter o mesmo padrão de interesse e qualidade nessa área? O Cinema da Fundação corre algum risco de sofrer alguma mudança significativa em seu modus operandi?
Nós criamos, eu e o Kleber, um relacionamento respeitoso e frutuoso. Ele tem uma história na Fundação que eu reconheço e por isso apoiei. Com relação à continuação da atividade de cinema na Fundação, ela está dentro de uma visão programática, foi construída pela equipe que lá está - Kleber, por Luiz Joaquim, as pessoas que trabalham na área. Essa linha vai continuar. O programa continua. A coisa mais importante numa organização é que a versão programática ela seja observada, porque só assim ela terá perpetuidade no tempo. Isso é muito importante: que as coisas não tenham soluços, as coisas não sejam interrompidas simplesmente porque mudou o gestor. Não. Os programas estão acima das pessoas. A linha do Cinema da Fundação vai prosseguir, vai continuar, porque está dentro de um projeto de cinema.

Qual seu grande sonho para a Fundação Joaquim Nabuco?
(Risos) O meu grande sonho para a Fundação é que ela assuma cada vez mais o protagonismo cultural que ela merece.