Brasil

Pandemia da Covid-19 deixou mais de 40 mil crianças órfãs de mãe no Brasil

Pesquisadores alertam que isso pode favorecer desfechos adversos ao longo da vida

Pesquisa se baseou nos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - Divulgação

Um estudo inédito de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que a pandemia provocada pela Covid-19 deixou 40.830 crianças e adolescentes órfãos de mãe no Brasil até o final de 2021. A pesquisa se baseou nos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, em 2020 e 2021, e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), entre 2003 e 2020.


Os pesquisadores alertam que a morte de um progenitor, especialmente da mãe, pode favorecer “desfechos adversos ao longo da vida e tem graves consequências para o bem-estar da família”. Para exemplificar, o artigo alerta que “a experiência da epidemia do HIV/SIDA têm demonstrado que as crianças órfãs são particularmente vulneráveis a nível emocional e comportamental, exigindo programas de intervenção para atenuar as consequências psicológicas da perda de um dos progenitores”. 


O coordenador do Observa Infância, da Fiocruz, Cristiano Boccolini, um dos autores da pesquisa, defendeu que o Brasil precisa adotar urgentemente "políticas públicas intersetoriais de proteção à infância". “Considerando a crise sanitária e econômica instalada no Brasil, com a volta da fome, o aumento da insegurança alimentar, o crescimento do desemprego, a intensificação da precarização do trabalho e a crescente fila para o ingresso nos programas sociais, é urgente a mobilização da sociedade para a proteção da infância”, disse.


Falando sobre morte com crianças
É muito comum os familiares evitarem falar com as crianças sobre a perda de um ente querido, principalmente nos primeiros anos de vida. No entanto, mostrar a verdade e responder honestamente aos questionamentos dos pequenos acerca da morte pode ajudá-los a compreender melhor sobre a finitude da vida. Com essa proposta, o Cemitério e Crematório Morada da Paz apresenta o projeto Turma do Vilinha, que fornece informações aos adultos para desmistificar o debate a respeito do luto infantil.


Com uma linguagem acessível para todas as idades, a Turma evidencia um grupo de amigos que tem como missão ajudar crianças a enfrentar o luto. Jogos educativos e cartilhas virtuais do projeto podem ser acessados gratuitamente clicando aqui.


A psicóloga especialista em luto do Morada da Paz, Mariana Simonetti, responsável por desenvolver o projeto Turma do Vilinha, explicou que as crianças, assim como os adultos, também se entristecem e notam ausências e perdas. “Acontece uma quebra de vínculo e é normal sentir saudades. Por isso, para a criança não ficar criando falsas expectativas de uma suposta volta, elas devem receber explicações compatíveis com a idade”, alertou. Além disso, ela destacou que para o luto ser ressignificado e superado da melhor forma, ele precisa ser vivenciado e reconhecido. 


Como seguir em frente
Segundo Beatriz Mendes, que é psicóloga especialista em luto do Cemitério e Crematório Morada da Paz, há maneiras dos filhos prosseguirem sem esse porto seguro, sem esquecer alguém tão especial. “Não esquecemos quem amamos, quem marca a nossa história. Seguir em frente não significa esquecer, mas integrar essa pessoa em nossa vida de um outro modo”, enfatizou a profissional. “Integralizamos a ideia de que quem amamos não existe mais presente fisicamente, mas ela segue em nossa história, nas nossas memórias e em tudo o que somos. Honrar isso é importante e pode nos ajudar a seguir em frente”, complementou Beatriz.


Superar a morte de um pai ou mãe não se revela fácil, pois trata-se de uma figura afetiva essencial para o nosso crescimento e desenvolvimento como adultos sadios e cidadãos. Beatriz Mendes comentou que a ideia de superar é “complicada”, pois o luto não é um obstáculo que, após superado, deixa de existir. “A perda é uma vivência que marca nossa biografia para sempre, e a forma de olhar para essa marca pode se transformar ao longo do tempo. Diante de uma perda, somos convocados a atribuir significados. Somos lançados, também, em um processo de readaptação ao mundo e à nossa própria vida. A forma de lidar com isso será variada, e será fundamental haver apoio e suporte das pessoas que são significativas, além de respeito ao próprio sentir, ao próprio processo”, explicou.


A psicóloga frisou ainda que o luto não tem prazo de validade. Assim, cada um vai vivê-lo de um jeito singular. “Não podemos comparar dores, assim como vínculos. Cada qual sabe da história vivida e tem um modo de se articular com a sua dor, o seu luto. Não somos pessoas ruins por não atendermos a uma demanda social de modos de viver o luto”, ressaltou.