Declaração de Lula sobre ignorar lista tríplice para PGR preocupa procuradores e promotores
ANPR diz ter "plena confiança" de que poderá discutir o tema com o presidente. Para o líder da Conamp, declaração pode impactar escolhas nos estados
Integrantes do Ministério Público Federal e das promotorias estaduais reagiram com preocupação à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que não seguirá a lista tríplice para a escolha do próximo procurador-geral da República.
Em entrevista concedida na quinta-feira (2) à BandNews, Lula disse que o critério para indicar o substituto de Augusto Aras na PGR será “pessoal”. O mandato do atual chefe do Ministério Público Federal, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, termina em setembro.
— O critério será pessoal, de muita meditação. Vou conversar com muita gente (...) Eu não penso mais em lista tríplice. Já está provado que nem tudo, com lista tríplice, resolve o problema. Então, eu vou ser mais criterioso para escolher o procurador-geral da República — disse Lula.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), entidade que representa os membros do MPF e que realiza a eleição que dá origem à lista tríplice, reagiu horas após a declaração do presidente. Em nota publicada na manhã desta sexta-feira, a associação afirmou que o modelo de escolha via lista “permite transparência na definição do procurador-geral” e informou que irá pedir que Lula reconsidere sua posição sobre o tema.
“Acreditamos que o processo público de debates com a carreira e a sociedade, culminando na definição da lista após amplo escrutínio, é o procedimento mais alinhado à Constituição de 1988. Levaremos ao presidente da República essas preocupações e temos plena confiança de que haverá um diálogo produtivo em torno deste tema”, diz o texto.
O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, classificou a declaração de Lula como uma “ducha de água fria”.
— Não é uma boa notícia, mas também não é o fim da jornada. Nós faremos a lista, nós continuaremos em contato com o presidente e todo o seu entorno na defesa desse modelo. Não por ser algo corporativista, e sim porque é um modelo que nos parece muito mais transparente e legitimado do que esse processo de sacar um nome do bolso do paletó e apresentá-lo à sociedade — disse Cazetta em entrevista à GloboNews.
A votação dos procuradores é levada em consideração para escolha do PGR desde 2003, quando o próprio Lula deu início a essa tradição, seguida também depois por Dilma Rousseff e Michel Temer. Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro quebrou essa escrita ao escolher Augusto Aras, que não estava entre os três mais votados pela categoria e veio depois a ser reconduzido ao cargo, em 2021.
Declaração também preocupa promotores
Diferentemente do que ocorre no MPF, a escolha dos procuradores-gerais de Justiça nos Estados precisa ser obrigatoriamente feita a partir da lista tríplice indicada pelos promotores.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) defende que os governadores acolham sempre o primeiro nome da lista. O presidente da entidade, Manoel Murrieta, diz ver com preocupação o possível impacto que a declaração de Lula pode vir a ter nas escolhas dos chefes das promotorias estaduais:
— A gente lamenta que essa tradição da lista tríplice não será respeitada na PGR. Precisamos avançar no processo de construção de mais independência e autonomia no Ministério Público, federal e estadual. E qualquer sinalização como essa do presidente representa um passo atrás.
Apesar de se declarar contrário à pretensão de Lula, Murrieta minimiza a possibilidade de o presidente exercer algum tipo de interferência no trabalho do procurador-geral da República que vier a ser escolhido:
— A pessoa que será escolhida é um integrante do Ministério Público, que prestou concurso, que tem garantias e prerrogativas do serviço público, e que fez carreira na instituição. Ela pode ser escolhida porque o presidente é mais simpático ao perfil dessa pessoa, mas não acreditamos que possa vir a interferir na sua atuação profissional. O Ministério Público é uma instituição sólida e íntegra.
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A elaboração de listas tríplices não é um processo exclusivo do Ministério Público, mas também ocorre para a escolha de integrantes de tribunais de Justiça e de reitores para universidades federais, por exemplo. Em relação ao segundo caso, Lula disse em janeiro que acataria a escolha das instituições.
— Não pensem que o Lula vai escolher o reitor que ele gosta. Quem tem que gostar do reitor são os professores, os funcionários. A comunidade universitária que tem que saber quem é que pode administrar bem — defendeu o presidente na ocasião.