ANIVERSÁRIO

Olinda e Recife: uma história de resistências, encontros e desencontros

Olinda e Recife, ao fundo - Foto: Arthr de Souza/Folha de Pernambuco

As histórias de Recife e Olinda possuem uma série de intersecções. Um dos maiores símbolos desses encontros é a data de aniversário compartilhada. Neste domingo (12), a capital pernambucana e a Marim dos Caetés celebram 486 e 488 anos, respectivamente. 

Por quase cinco séculos, as duas percorreram uma trajetória de insurreições, presenciaram o desenvolvimento de um vasto arcabouço cultural e, sobretudo, assistiram à formação de um povo forte, que resiste como pode aos contratempos intrínsecos à vida metropolitana.
 
À medida que as duas cidades cresceram, as dimensões da relevância de Recife e Olinda na formação do Brasil passaram a ser notadas. As irmãs – que possuíram, em diferentes momentos históricos, o título de capital do estado de Pernambuco – estão entre as seis cidades mais antigas do país, sendo Recife a mais velha entre as capitais estaduais.

Mas de onde vem essa inclinação ao ato de resistir? Um dos caminhos para compreender o que justifica esse traço presente na essência dos moradores das cidades-irmãs implica uma volta no tempo. A longevidade, de acordo com o historiador George Félix Cabral de Souza, é uma característica que abriu espaço para um sentimento de identificação e potencializou movimentos de contestação aos poderes centrais.
 

 “Os movimentos de resistência aos poderes centrais são reflexos de uma população que tem raízes muito antigas. Em 1817, ano da Revolução Pernambucana, por exemplo, o estado já era ocupado há quase 300 anos, o que resultou numa população muito arraigada à sua terra. Essa vivência histórica outros locais do Brasil não tiveram. Quando isso se mistura ao pensamento iluminista, característico do século XIX, você tem uma grande explosão de contestação. Tudo isso gerou um sentimento forte de identificação, afirmação identitária, um bairrismo que virou característica”, explica Cabral de Souza, que é professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP).

Em relação ao contexto nacional, pode-se dizer que do coração de Pernambuco veio a expansão em direção ao Norte. “Olinda é o ponto de partida para toda a ocupação do litoral norte do Brasil. Da Paraíba até o Pará, os processos de colonização foram iniciados a partir de expedições que partiram daqui; esse movimento aconteceu na virada do século XVI para o século XVII”, comenta o historiador. 

“Outro ponto importante são os conflitos com os holandeses que aconteceram nas duas cidades no século XVII. Alguns historiadores acreditam que se não fosse a vitória dos pernambucanos no conflito a formação de um país de dimensões continentais, como é o Brasil, não seria viável por causa dessa ruptura”, completa. 

O que explica a data de aniversário compartilhada?
Apesar de dividirem a mesma data de aniversário, o dia 12 de março, Recife e Olinda não nasceram no mesmo dia. Segundo o pesquisador George Félix Cabral de Souza, trata-se de uma convenção que, no fim das contas, aproximou ainda mais as duas cidades.

“A data de fundação que nós comemoramos hoje foi convencionada por um grupo de historiadores em 1960. Isso foi definido a partir de um documento, o Foral de Olinda*, que é um documento datado de 12 de março de 1537 que possui uma menção ao ‘recife dos navios’; essa data ficou definida como a fundação do Recife. Dois anos antes, em 12 de março de 1535, definiu-se como a data de fundação de Olinda”, conta o pesquisador, ressaltando que a definição não foi consenso entre os historiadores da época. 

A conexão entre as cidades-irmãs vai além da celebração compartilhada, um fenômeno recente. “O Recife era o porto de Olinda. Era muito característico do urbanismo português do século XVI usar localidades altas para construir as cidades, concentrando as habitações, e uma área baixa ligada ao porto; em Salvador é assim, no Rio de Janeiro era assim até que foram feitas intervenções, em Luanda (Angola) e outras localidades também seguem esse padrão. Essa conexão acabou se quebrando durante o período holandês, quando o Recife se tornou um núcleo urbano mais forte, concentrando as atividades comerciais e administrativas. A partir de então você começa a ter divergências que até geraram conflitos políticos”. 

As “intrigas” no meio do caminho
A relação entre recifenses e olindenses nem sempre foi amigável como é atualmente; afinal, a fraternidade também costuma ser marcada por momentos de turbulência. Em vários períodos históricos, houve divergências notáveis; algumas delas, inclusive, resultaram em conflitos armados. 

“A partir do final do século XVII, o Recife começou a crescer muito e os senhores de engenho olindenses passaram a tentar recuperar a antiga vila de Olinda, que foi destruída na época dos holandeses. Essa tensão, aumentada por divergências econômicas, explode com a Guerra dos Mascates (1710-1711), um conflito armado entre os comerciantes do Recife e os senhores olindenses. A guerra resultou na criação de uma nova Câmara no Recife, um espaço de decisão que aos poucos sobrepôs o poder da Câmara de Olinda”, explica Cabral de Souza.

O historiador explica, ainda, que há registros de vereadores de Olinda que, já no século XVIII, escreviam para a Coroa Portuguesa solicitando a pedindo que a Câmara do Recife fosse dissolvida e o território recifense fosse reanexado à mais velha das irmãs. “Outro episódio que gerou discordância foi a mudança da capital de Pernambuco para Recife, em 1827; mais uma vez, Olinda, que já tinha perdido terras, perdeu também a posição de capital”, conta o pesquisador.