'Be water', a tática imprevisível dos manifestantes em Paris
Grupos de jovens correm por Paris incendiando contêineres de lixo
As moções de censura acabam de fracassar, dando lugar à adoção definitiva da impopular reforma da Previdência, quando grupos de jovens correm por Paris incendiando contêineres de lixo com uma tática clara: serem rápidos e imprevisíveis.
Na segunda-feira (20) à noite, os manifestantes, em sua maioria, não buscaram confrontos com a polícia, mas encheram as ruas de obstáculos, sejam bicicletas, lixo ou paletes de lixo incendiados, para dificultar o avanço motorizado das forças de segurança.
"Somos 'be water' como em Hong Kong... Bom, ou ao menos tentamos", explica Romain (pseudônimo) em um calçadão do bairro central de Les Halles, com a polícia atrás. "Devemos renovar nossas ações para manter a pressão", diz o estudante.
A fórmula "be water" (seja como água, em inglês) é uma referência ao herói do cinema de Hong Kong, Bruce Lee, que os manifestantes adotaram em 2019 durante a onda de protestos na ex-colônia britânica contra um projeto de lei de extradição para a China, que foi suspenso.
Os manifestantes asseguram se inspirar nesse movimento para realizar suas ações, depois que semanas de massivos e pacíficos protestos convocados pelos sindicatos não fizeram com que o presidente liberal Emmanuel Macron retirasse sua polêmica reforma.
Os participantes na manifestação progridem rapidamente, às vezes em pequenos grupos de dezenas ou em bloco, em uma nova ação não declarada às autoridades. O ministério do Interior contabilizou 1.200 desde quinta-feira (16).
Porém, a multidão avança "como a água": quando as forças de segurança se aproximam, ela se decompõe em vários grupos menores que baixam o ritmo uma vez fora do alcance dos cassetetes, antes de se recompor em bloco alguns quarteirões depois.
O chefe da polícia de Paris, Laurent Nuñez, estimou, nesta terça (21), que eram "uns 2.000" distribuídos em "grupos pequenos e dispersos" que nunca superaram a marca de "200 ou 300 pessoas".
"Aonde vamos agora?"
"Aonde vamos agora?", se escuta em várias ocasiões entre dois agentes da polícia, acompanhados de gás lacrimogêneo, confirmando a ausência de um objetivo concreto. "Apenas queremos mostrar que estamos aqui", disse Romain.
Porém, para além das forças de segurança, enfrentam outro obstáculo: "A arquitetura de Paris não favorece a insurreição, está desenhada para isso", aponta Flora (pseudônimo), em referência às amplas avenidas idealizadas pelo barão Haussmann em meados do século XIX.
Os manifestantes buscam alternativas à ampla praça da Concórdia de Paris, onde na quinta à noite 292 pessoas foram detidas no primeiro dia de protestos espontâneos, para continuar sua luta.
Outras ideias circulam nas redes para tentar importar a esta democracia liberal as táticas da ex-colônia britânica que passou para as mãos do regime comunista chinês. Hong Kong "é quase guerrilha urbana. Se as táticas chegam aqui, será uma loucura", escreve um usuário no Twitter.
Os protestos em Hong Kong tentaram paralisar o bairro de negócios, crucial para Pequim. A ideia de "atacar o bolso" do governo também se instala nas manifestações na França, com o bloqueio de fábricas, transportes e rodovias.
"Em Hong Kong estavam super bem organizados (...) Havia manifestantes que escondiam roupa nas ruas para quem estava na linha de frente. Ainda não chegamos a esse ponto, mas tentamos nos diversificar, com a esperança de que isso se espalhe", resume Romain.