Indefinição sobre parâmetros como PIB e dívida levou a adiamento de regra fiscal
Critérios indicarão espaço para gastos. Haddad tentava apresentar arcabouço antes do Copom, nesta semana
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu adiar o anúncio oficial do novo arcabouço fiscal (a regra para controle dos gastos públicos) por conta da indefinição sobre os parâmetros econômicos que serão usados na proposta. Lula disse nesta terça-feira (21) que a nova regra fiscal será divulgada após viagem à China, marcada para o fim deste mês. A proposta foi entregue pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada.
Integrantes da Fazenda dizem que não foram pegos de surpresa com a fala de Lula e que já estava encaminhado com Haddad o adiamento do anúncio, que agora só ocorrerá em abril.
Haddad queria que a regra viesse a público nesta semana, antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, que vai decidir sobre juros. Seria uma forma de sinalizar ao BC o compromisso fiscal e colocar pressão para a redução da Selic, hoje em 13,75% ao ano.
Membros da equipe econômica afirmam que há uma série de parâmetros e decisões que precisam ser tomadas para o anúncio do arcabouço, mesmo que o desenho “conceitual” da proposta esteja pronto.
Esse desenho, ou seja, o funcionamento do mecanismo, será colocado sobre uma série de dados macroeconômicos. São esses dados que irão definir o comportamento das despesas e, portanto, o espaço para gastos. A Fazenda vem sinalizando uma regra de gasto, ou seja, limites para despesas, mas permitindo que esse gasto cresça acima da inflação.
Em evento nesta segunda-feira no BNDES, o vice-presidente Geraldo Alckmin afirmou que a nova regra vai combinar a curva da dívida pública, superávit primário e controle de gastos.
O governo ainda não definiu, por exemplo, quais projeções para indicadores como PIB, PIB per capita e IPCA que serão usados. A depender da escolha, o governo terá mais ou menos espaço para gastos a partir do próximo ano.
Atualmente em vigor, o teto de gastos tem um funcionamento mais simples. Por ele, as despesas crescem sempre seguindo a inflação do ano anterior.
A nova regra fiscal, porém, será mais complexa e usará outros indicadores para definir o crescimento do gasto. Além disso, vai olhar o médio e longo prazos. São esses indicadores que serão considerados para definir o espaço para gastos e também a trajetória da dívida pública.
Os técnicos trabalham para encontrar uma fórmula que permita conciliar o controle da dívida com espaço para investimentos públicos e gastos sociais, demanda do presidente Lula. Integrantes do PT pressionam para que o ritmo de ajuste seja mais gradual ou que haja exceção para a regra, de maneira a ter mais espaço especialmente para investimento.
O desenho da regra fiscal prevê, também, gatilhos para congelar determinadas despesas, como salários e subsídios, caso a dívida pública atinja determinado patamar. Não está decidido, porém, qual seria esse patamar.
Além disso, técnicos que trabalham no Palácio do Planalto questionam o uso da dívida bruta como referência, como quer a Fazenda. Esses técnicos defendem, por exemplo, que seja usada a dívida líquida do governo. Esse indicador é mais sensível às variáveis fiscais, enquanto a dívida bruta é mais ampla.
Sem mencionar o adiamento da divulgação da regra fiscal, Haddad disse nesta terça-feira que a norma junto com reforma tributária vai dar um horizonte de sustentabilidade fiscal e social.
— O que nós queremos achar, e não é uma tarefa simples, é uma linha fina que permita ao governo honrar seus compromissos de campanha e oferecer ao Estado brasileiro, não ao governo, uma base fiscal sustentável para responder aos direitos sociais que estão previstos na Constituição. Eu sou otimista em encontrar essa linha fina — disse o ministro.
Vinculações constitucionais
O governo também precisa resolver tecnicamente as chamadas vinculações constituições. A Constituição obriga o governo a fazer uma série de vinculações de receitas e também de crescimento das despesas. Há, por exemplo, gastos mínimos para para saúde e educação.
A regra do teto de gastos estabelece que os mínimos de saúde e educação são corrigidos anualmente pela inflação a partir do que foi gasto em 2016. Antes do teto, os valores eram vinculados à receita corrente líquida, independentemente do patamar do ano anterior. O entendimento do governo é que a nova regra fiscal irá revogar o teto e, portanto, voltará a funcionar a regra do gasto vinculado à receita.
Isso causa, porém, um risco, na visão do governo. Caso haja um crescimento muito forte da receita, o espaço destinado para outros gastos fora de saúde e educação ficaria comprimido. Por isso, os técnicos estão ajustando a regra para atender a essa necessidade.
Sem atrasos
A Fazenda não vê a falta de apresentação da regra fiscal como um atraso. Auxiliares de Haddad argumentam que a obrigação legal do governo é enviar a regra substituta do teto de gastos até agosto. Veio de Haddad a intenção de antecipar o envio para abril e, depois, para março.
O dia 15 de abril é considerado o limite para o envio do texto ao Congresso porque é nessa data que o Executivo também precisa apresentar o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024. Haddad quer que as bases do Orçamento do próximo ano já sejam construídas sobre a nova regra fiscal.
Ontem, o ministro mencionou as vinculações constitucionais como um dos detalhes que precisam ser acertados. A Constituição obriga o governo a fazer uma séria de vinculações de receitas e também de crescimento das despesas. Há, por exemplo, mínimos para saúde e educação. A regra do teto de gastos estabelece que os mínimos de saúde e educação são corrigidos anualmente pela inflação. Antes do teto, os valores eram vinculados à receita corrente líquida.
Agora, há uma dúvida sobre como isso será feito, com o novo arcabouço fiscal. Esse é um dos detalhes que precisam ser considerados na nova regra fiscal. O arcabouço será proposto por projeto de lei, ou seja, fora da Constituição — assim, não será possível alterar na lei percentuais e valores de vinculações constitucionais.
Crítica ao teto
No evento do BNDES nesta terça, Haddad disse que desde o ano passado apresenta um conjunto de medidas para tirar o país do curto prazo. Para ele, esse esforço culminará com a aprovação do arcabouço fiscal. O ministro aproveitou para criticar o teto de gastos.
— Nós podemos substituir por uma regra mais inteligente, mais flexível, que conduza o país para o desenvolvimento sem nenhum risco de descontrole inflacionário, de dívida, mas que nos permita tratar com mais dignidade o cidadão brasileiro, ao mesmo tempo em que estabelece parâmetros para a transição ecológica.