Entenda como crise em bancos regionais podem levar EUA à recessão
Instituições financeiras com até US$ 250 bilhões em ativos respondem por 50% dos créditos comerciais e industriais do país
As crises recentes envolvendo bancos regionais dos Estados Unidos, como o Silicon Valley Bank e o Signature Bank, reacenderam os temores de uma recessão este ano e chamam a atenção para a importância dessas instituições menores no funcionamento do sistema bancário dos EUA.
Ao contrário do Brasil, onde o setor é conhecido pela concentração em cinco grandes instituições, nos Estados Unidos existem centenas de bancos com atuação regional, e muitos deles com perfil mais concentrado em atender determinados setores da economia.
Essas instituições desempenham papel importante para a atividade. Na semana passada, o Goldman Sachs cortou sua previsão de crescimento econômico para 2023, citando uma retração nos empréstimos de bancos pequenos e médios em meio à turbulência no sistema financeiro mais amplo.
De acordo com o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC, agência garantidora de depósitos bancários nos EUA), o número de bancos comunitários era de 4.258 no quarto trimestre de 2022.
Impacto no crescimento
O Goldman reduziu sua estimativa para o crescimento da economia americana de 1,5% para 1,2%, com a expectativa de que os bancos menores tentarão preservar a liquidez caso precisem atender às retiradas dos depositantes, levando a um aperto substancial nos padrões de empréstimos bancários.
“O impacto macroeconômico de uma retração nos empréstimos permanecerá altamente incerto até que a extensão do estresse no sistema bancário fique clara”, destacaram os economistas do banco, em relatório.
Segundo o Goldman, bancos com menos de US$ 250 bilhões em ativos representam cerca de 50% dos empréstimos comerciais e industriais dos EUA, 60% dos empréstimos imobiliários residenciais, 80% dos empréstimos imobiliários comerciais e 45% dos empréstimos ao consumidor.
O economista da FGV EAESP, Rafael Schiozer, destaca que os bancos menores têm importância relevante no financiamento de pequenos e médios negócios em regiões fora dos grandes centros. Mas ele ressalta que, desde a crise de 2008, está em curso um movimento de concentração bancária:
—Há setores e regiões que dependem mais desses bancos regionais. Antes da crise de 2008, o sistema era bem desconcentrado. Hoje você tem os quatro maiores bancos tendo metade dos ativos e dos depósitos e, há 20 anos, eles não tinham nem 30%.
O estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves, afirma que os bancos regionais têm presença significativa na concessão de crédito imobiliário. Alves ressalta que a maior fragmentação do sistema americano traz vantagens como a mais competitividade e melhor concessão de crédito.
— Um banco do Arizona conhece melhor o estado, os clientes e os ativos que ele financia e tem melhores condições de oferecer esses serviços a preços mais atrativos para seus clientes. Isso gera uma confiança que esse crédito tem sido mais bem distribuído do que se fosse somente por grandes bancos.
Após os primeiros casos envolvendo o Silicon Valley Bank (SVB) e o Signature Bank, ocorreu uma tentativa por parte de clientes de transferir seus recursos maiores, como disseram fontes ao jornal Financial Times.
Schiozer avalia que a crise atual pode intensificar o processo de concentração bancária no país, porém esse não seria o cenário mais provável.
—Se entendermos que depositantes enxergam nos grandes bancos uma qualidade melhor de gestão de risco pode ocorrer uma concentração maior sim. Teve um pouco de pânico nessas corridas que observamos nos últimos dias. Quando o depositante não sabe avaliar qual é a saúde do banco onde ele tem o dinheiro, ele vai tirar o dinheiro de lá.
Regulação
Schiozer explica que existem distinções nas regulações e supervisões entre as instituições de variados portes. Para o economista, a supervisão pode ter falhado no caso do SVB, já que o banco cometeu diversos erros na gestão de seus ativos. Ainda assim, ele observa avanços após a crise de 2008.
— Os bancos hoje são muito mais capitalizados do que eram na crise de 2008. Existe um entendimento dos reguladores sobre qual é o limite da intervenção estatal, como não salvar acionistas, o que foi feito em 2008. Mas regulação pós-2008 buscava evitar que os governos tivessem que salvar bancos em caso de necessidade. E no primeiro teste, não foi o que aconteceu. Ainda temos que caminhar muito para conseguir chegar lá e evitar que os pagadores de impostos tenham que garantir depósitos não segurados de bancos.
Menos empréstimos
Segundo os analistas, a expectativa é de uma restrição na concessão de crédito, que pode contribuir para um movimento recessivo na economia americana.
Os analistas do Goldman Sachs avaliam que os pequenos bancos com uma baixa parcela de depósitos cobertos pelo FDIC reduzirão os novos empréstimos em 40%.
— Tem um desaquecimento de alguns setores que dependem desses bancos regionais. O quanto esses bancos terão de cortar de crédito é um ponto de interrogação. Se esse corte for substancial, é possível que a gente tenha um contexto recessivo —disse Schiozer.
Para Alves, da Avenue, além de estimularem a contração da concessão de crédito, os episódios recentes prejudicam a economia com a confiança do investidor em queda:
— Afeta a confiança do investidor em usar mais crédito e fazer investimentos maiores. Já tínhamos como cenário base que 2023 poderia ser um ano de recessão. Só reforça esse cenário, muito por conta de como esses eventos abalam a confiança do consumidor, tanto as pessoas físicas quanto as empresas.