Campanha eleitoral incomum marca eleições legislativas em Cuba
Os 470 candidatos serão votados para igual número de assentos na Assembleia Nacional do Poder Popular
Os candidatos ao Parlamento cubano iniciaram uma campanha pouco comum para a votação do próximo domingo (26), em um país pouco acostumado ao proselitismo eleitoral e onde a abstenção cresceu nos últimos anos.
Os 470 candidatos, a maioria do Partido Comunista de Cuba (PCC), o único do país, serão votados pelos eleitores para igual número de assentos na Assembleia Nacional do Poder Popular.
"A campanha se intensificou porque o governo tem menos motivos para confiar em si mesmo", diante dos mais de 300.000 cubanos que deixaram a ilha em 2022 e o abstencionismo nas últimas eleições, disse à AFP o analista político Arturo López-Levy.
No país de 11,1 milhões de habitantes, onde o voto não é obrigatório, a participação nas eleições caiu para os níveis mais baixos desde que o sistema eleitoral entrou em vigor, em 1976.
Nas eleições municipais de novembro de 2022, a abstenção chegou a 68,5%, inferior à dos referendos sobre o Código da Família (74,12%), em setembro, e pela Constituição (90,15%), em 2019.
Há semanas, os candidatos fazem campanhas em seus distritos para ouvir as reivindicações dos eleitores, em assembleias amplamente transmitidas pela televisão estatal, que utiliza o slogan "Melhor é Possível". A 'hashtag' '#EuVotoXTodos' também aparece na tela durante os noticiários.
O presidente Miguel Díaz-Canel, que também é deputado e candidato à reeleição, viajou diversas vezes nas últimas semanas para sua cidade natal, Santa Clara — a 280 quilômetros de Havana —, para mobilizar os eleitores.
"Divórcio"
A votação de domingo é um ensaio para a eleição presidencial, cujo candidato sairá da nova assembleia e será escolhido em votação entre os mesmos deputados.
Díaz-Canel, o primeiro a assumir o poder após os mandatos de Fidel Castro e seu irmão, Raúl, pode ser reeleito para governar por mais cinco anos.
A lei cubana indica que "todos os tipos de propaganda eleitoral individual estão excluídos".
Mas para Manuel Cuesta Morúa, integrante do grupo opositor Conselho para a Transição Democrática em Cuba, o governo foi forçado a fazer campanha "como se faz em qualquer lugar do mundo".
"A realidade política vai além da realidade institucional e da realidade jurídica, e obriga o governo a fazer campanha porque percebe o crescente divórcio que existe entre seu discurso, sua gestão do país (...) e para onde a sociedade cubana quer ir", analisa o cientista político que incentiva a abstenção.
"Maior autonomia"
Dos 470 candidatos à Assembleia Nacional do Poder Popular, 50% foram indicados pelos atuais deputados e a outra metade, por comissões municipais.
Neste sistema, os eleitores encontrarão duas possibilidades: o nome de cada candidato de seu distrito ou a opção de votar "em todos", o que implica em apoiar todos os 470 candidatos.
O "voto por todos" é um sufrágio unificado para reafirmar o "socialismo" e a "revolução", garantem as autoridades. Mas também ajudaria os candidatos a alcançarem mais de 50% dos votos válidos no dia, requisito para serem eleitos.
Se algum deles não obtiver os votos, o cargo permanece vago. Nesse caso, o Conselho de Estado, instância máxima da Assembleia, pode nomear alguém ou permitir que as comissões municipais o façam.
As eleições legislativas ocorrem no momento da pior crise econômica do país em três décadas, mas também em um período em que a população está cada vez mais conectada à Internet e de um tímido ensaio de crescimento do setor privado, com trabalhadores independentes e pequenas e médias empresas.
"A maior autonomia econômica que se traduz em maior autonomia política do povo" reduziu "os níveis de controle político que o partido exerce sobre a população", avalia López-Levy.
O analista acredita que, apesar disso, a eleição continua sendo um exercício relevante para o país, que "oferece a oportunidade de o sistema se retroalimentar de forma dramática, medir pontos fortes e promover progressos" de líderes políticos que respondem às exigências da população.
Em um país onde os partidos de oposição são ilegais, a abstenção se concentra nas redes sociais como uma forma de expressar o descontentamento com o governo atual ou com o sistema político da ilha caribenha.
"Que o seu protesto seja a sua ausência nas urnas. Que sua voz seja a abstenção", diz a conta no Twitter "Cuba diz Não à ditadura", que considera o processo eleitoral uma "farsa".
Para os que se abstêm, "o sistema eleitoral (...) não responde à realidade da sociedade cubana mais atual, ao pluralismo, à diversidade" da ilha, afirma Cuesta Morúa.