LAJEDO

Mudança de cultura e tradições religiosas melhoram safra do milho em Pernambuco

Agricultores estão aprendendo que, nem sempre o mês de março, quando se realizam as festividades de São José, é o melhor período para o plantio

Plantação de Renato, que colheu 190 sacos, no município de Lajedo, criou um novo teto para a região - Foto: Programa Prospera/Divulgação

As chuvas do mês de março são consideradas por muitos agricultores do Nordeste, especialmente os devotos de São José, como um sinal dos céus. Se chover, a garantia de fartura na colheita é considerada certa pela maioria dos nordestinos. Contudo, a ciência e a tecnologia mostram que nem sempre a tradição garante uma boa safra, especialmente entre os plantadores de milho da região. Um programa iniciado em Pernambuco, chamado de Prospera, aponta que o bom plantio varia por município e região. Às vezes, para o Agreste, é melhor plantar no mês de maio. Já no Sertão, é mais propício entre dezembro e janeiro. Para o milho, o início da semeadura precisa casar com o melhor clima. As águas de março nem sempre fecham o verão.


A mudança na tradição religiosa de plantar em São José e colher no São João é a maior oportunidade de mudar os resultados desfavoráveis no Nordeste, mesmo que as comemorações culturais e religiosas precisem continuar em março e em junho. Pernambuco é o sétimo lugar no ranking nordestino a produzir milho e está fora do mapa da exportação nacional, que atingiu R$ 252,5 milhões no acumulado dos últimos 12 meses (de março de 2022 a fevereiro de 2023), um crescimento de 131,5%, o melhor resultado entre os produtos exportados. 

Além de ser protagonista nas tradições do São João, o milho tem mais potencial do que parece. Foi o produto que mais cresceu nas exportações brasileiras no ano passado e os agricultores e pecuaristas pernambucanos começaram a ter mais interesse na expansão deste mercado. O resultado da plantação serve na alimentação animal, especialmente na pecuária, como para refeições humanas e nas indústrias.

Renato mudou a forma de plantar e teve duas safras que mudaram sua vida: Foto/Divulgação

Em Pernambuco, segundo dados do programa Prospera, são produzidos, em média, entre 15 e 20 sacos de milho por cada hectare, um terreno quase equivalente a um campo de futebol nos padrões Fifa. Parece muito, neste caso, mas não é. Quando a tecnologia certa é aplicada, comunidades rurais e pequenos agricultores conseguem entregar 125 sacos neste mesmo pedaço de terra. Renato Francisco de Melo, 29 anos, bateu o recorde de 190 sacas em um hectare, no município de Lajedo, localizado no Agreste. 

Renato mudou a forma de plantar e já teve duas safras que mudaram sua vida financeira. Hoje, ele vende a produção para pecuaristas, que fazem a alimentação de frango no Estado. “Aprendi que, se não trabalhar na tecnologia, perco tempo, porque o clima aqui é desfavorável. O milho cresce em 5 meses e já estou na segunda safra. Já deu para comprar um terreno e trocar o carro. Deu para ganhar uns trocados”, brincou o agricultor, um dos participantes do Prospera.

"Isso é importante para nós, porque mostra qual o teto produtivo da região”, disse o Gerente de Desenvolvimento da Agricultura da Corteva Agriscience, Alexsandro Mastropaulo. “A iniciativa leva treinamento, acesso a insumos, a financiamento e à conexão com a sociedade rural”, acrescentou. 

Alexsandro esteve presente na abertura da safra de milho de Pernambuco, realizada em Garanhuns, na quinta-feira passada (23), um município onde pecuaristas estão plantando para alimentar seus animais. 

Renato de Melo estabeleceu, em Lajedo, novo teto na produção de milho em Pernambuco. Foto| Prospera

“Não é necessário plantar em São José para colher no São João. A gente está trabalhando no Estado todo para quebrar preconceitos e mudar a tradição. Temos lavouras em municípios como Vitória de Santo Antão, Feira Nova, Serra Talhada, Água Preta, Bom Conselho, Saloá, enfim, em vários lugares. O Estado todo tem um grande potencial, independentemente das regiões secas. O que muda, dependendo da região, são as condições e a forma como as tecnologias são combinadas”, acrescentou Alexsandro.


O Portal da Embrapa diz que, para se produzir milho de alta qualidade, é necessária uma chuva de 600 mililitros durante a lavoura. “Porém, há cidades de Pernambuco onde a gente produz mais de 100 sacos com 350 milímetros de chuva. Mesmo com a região seca, com o manejo correto é possível produzir. Para você ter uma ideia, Lajedo está no Agreste de Pernambuco trazendo produtividades altíssimas”. 


LAVOURAS TEMPORÁRIAS

Clima é determinante na plantação, diz Alexsandro

Pelos dados do IBGE, o maior produtor de milho em grãos no Estado é o município de São João, uma coincidência. Passira, por sua vez, é a campeã na entrega de milho em espiga. Mas os dados com recortes locais são antigos e ainda não refletem os resultados do ano de 2022. No acumulado do PIB do ano passado, em Pernambuco, de janeiro a dezembro, as lavouras temporárias, como milho, mandioca, feijão, milho, melancia, melão e batata-doce tiveram alta de 18,5% em relação ao ano de 2021. 

“O mais importante é o agricultor consultar o zoneamento de risco climático (por região) porque, lá, vai estar definido o melhor período de plantio, as condições climáticas que estarão a seu favor. O zoneamento é desenvolvido e monitorado pelo Embrapa, está na internet, por meio do aplicativo Zarc - plantio certo. São informações públicas”, pontuou o gerente de Desenvolvimento.

BARREIRA CULTURAL

Segundo Alexsandro, entre as maiores dificuldades do programa, destaca-se a barreira cultural. “Muita gente acha que, no Nordeste, não dá para plantar porque não tem chuva e, se o produtor fizer uma lavoura de milho, não vai conseguir colher.  Em alguns lugares, não dá para plantar em março porque, em abril, há um veranico (um período que não chove), e o agricultor perde a lavoura. O que a gente está fazendo para quebrar este tabu? Plantamos, lado a lado, uma lavoura em março e outra em maio, por exemplo. “A lavoura do produtor será a testemunha”, afirmou. Ele fez a ressalva, novamente, que a semeadura pode variar conforme a mudança climática.

“Não aparecemos no mapa de exportação porque, em Pernambuco, o consumo de grãos e silagem é maior do que a oferta. Então, toda essa ação vai abastecer as cadeias produtivas do Estado, que precisa de milho grão e silagem como insumo. Mas há muito potencial. No  Brasil, o produto é versátil. O País exportou 10 milhões de toneladas para a China no ano passado”.

O PROGRAMA
O Prospera foi criado em 2017, oferecendo aos produtores com pequenas propriedades do Nordeste acesso às melhores tecnologias e práticas para a produção de milho com alta produtividade. O piloto foi em Pernambuco. O programa tem como mantenedoras empresas tradicionais do agronegócio - Corteva Agriscience e Yara Brasil - e conta também com o apoio da Massey Ferguson, e da Abramilho- Associação Brasileira dos Produtores de Milho. Desde 2022, a ONG Global Communities é responsável pela  execução do programa. A iniciativa já alcançou 258 municípios nos estados do Pernambuco e Ceará, impactando mais de 15 mil pessoas