Alzheimer: primeiros sinais da doença podem surgir nos olhos, dizem cientistas
Estudo envolveu a maior análise já feita de retinas e cérebros doados de pacientes com a doença
Cientistas do Centro Médico Cedars-Sinai, nos Estados Unidos, lideraram a maior análise já feita sobre as mudanças que ocorrem na retina dos olhos devido ao diagnóstico de Alzheimer, e como elas se relacionam com as alterações cerebrais e cognitivas da doença. Os pesquisadores encontraram uma série de marcadores que podem ser associados à patologia, e acreditam que os sinais podem ser um dos primeiros capazes de indicar o Alzheimer.
“Nosso estudo é o primeiro a fornecer análises aprofundadas dos perfis de proteínas e dos efeitos moleculares, celulares e estruturais da doença de Alzheimer na retina humana e como eles correspondem a mudanças no cérebro e na função cognitiva”, diz a professora de Neurocirurgia, Neurologia e Ciências Biomédicas no Cedars-Sinai, e principal autora do estudo, Maya Koronyo- Hamaoui, em comunicado.
“Essas descobertas podem eventualmente levar ao desenvolvimento de técnicas de imagem que nos permitam diagnosticar a doença de Alzheimer mais cedo e com mais precisão e monitorar sua progressão de forma não invasiva, olhando através do olho”, complementa a especialista.
A análise foi publicada na revista científica Acta Neuropathologica. Além de auxiliar no manejo da doença, o entendimento sobre os impactos na retina, e o consequente diagnóstico precoce, pode auxiliar no desenvolvimento de tratamentos que buscam evitar o declínio cognitivo característico do quadro, afirmam os pesquisadores.
Isso porque, embora afete mais de 30 milhões de pessoas em todo mundo, num ritmo que deve triplicar nas próximas décadas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda não há um único teste capaz de definir se o paciente tem a doença ou não.
O que existem hoje são biomarcadores que, juntos à análise clínica, levam o profissional especializado a identificar o quadro, geralmente quando o estágio já está mais avançado. Com isso, embora sejam poucos os medicamentos capazes de retardar o declínio cognitivo, são raros os casos que de fato podem recebê-los, já que eles são orientados para o início da doença.
Análise de 86 doadores humanos
No novo trabalho, os cientistas conseguiram coletar a retina e o tecido cerebral de 86 doadores humanos para analisá-los. É o maior número de amostras do tipo proveniente de pacientes estudado até então. O feito não é simples, levou um total de 14 anos para que os pesquisadores conseguissem todas as doações.
Parte dos indivíduos tinham Alzheimer quando vivos, em diferentes estágios, enquanto outros tinham comprometimento cognitivo moderado ou eram saudáveis. No estudo, os responsáveis compararam as amostras de cada grupo para identificar as diferenças na retina entre eles.
“A retina, uma extensão de desenvolvimento do cérebro, oferece uma oportunidade inigualável para monitoramento não invasivo e acessível do sistema nervoso central. E descobrimos um acúmulo de proteínas altamente tóxicas nas retinas de pacientes com a doença de Alzheimer e comprometimento cognitivo leve, causando degeneração severa das células”, diz Yosef Koronyo, pesquisador do Departamento de Neurocirurgia Cedars-Sinai e um dos autores do estudo.
No geral, os cientistas identificaram nas retinas uma abundância da proteína beta amiloide, uma das substâncias cujo acúmulo no cérebro é associado ao Alzheimer. Nas retinas, esse agrupamento foi observado nas células ganglionares, que ligam a entrada visual da retina ao nervo óptico.
Além disso, identificaram números mais altos de astrócitos e células imunes, chamadas microglia, envolvendo essas placas de beta amiloide. Os pesquisadores também observaram moléculas específicas e vias biológicas responsáveis pela inflamação e morte celular e tecidual nas retinas.
“Essas mudanças na retina se correlacionam com mudanças em partes do cérebro chamadas córtices entorrinal e temporal, um centro de memória, navegação e percepção do tempo”, diz Koronyo.
Os diferentes graus de alterações nos olhos foram relacionados aos estágios da doença de cada paciente e seu comprometimento cognitivo. Porém, foram observados também em casos de pessoas que não tinham um diagnóstico e pareciam não ter declínio na cognição, ou ter pouco, o que indica o potencial de os marcadores serem um “preditor precoce” do quadro.
“Essas descobertas nos dão uma compreensão mais profunda dos efeitos da doença de Alzheimer na retina. Essas alterações correspondem a alterações no cérebro e podem ser detectadas nos estágios iniciais do comprometimento”, afirma Keith Black, presidente do Departamento de Neurocirurgia e Neurociência no Cedars-Sinai, que também participou do estudo.