Medicina

Células cerebrais humanas são implantadas em ratos para estudar doenças psiquiátricas

Introdução dos neurônios nos animais, parte de um estudo de Stanford, permite experimentos com métodos antes impossíveis, afirmam os cientistas

Rato de laboratório - Pexels

Uma equipe de cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, conseguiu implantar células cerebrais humanas em ratos jovens para estudar melhor distúrbios psiquiátricos complexos, como a esquizofrenia, com a perspectiva de até mesmo testar tratamentos. A introdução bem sucedida dos neurônios humanos nos animais é parte de um estudo publicado nesta quarta-feira na revista científica Nature e permitirá experimentos com métodos até então impossíveis.

Os pesquisadores afirmam que é muito difícil estudar as doenças psiquiátricas porque os animais não as sofrem da mesma forma que os humanos – e estes não podem, por sua vez, serem submetidos a determinados experimentos.

Os cientistas já praticam algumas análises em laboratório de tecido cerebral humano derivado de células-tronco. Mas, na investigação in vitro, "os neurônios não atingem o tamanho que teriam em um cérebro humano real", explica o professor de psiquiatria e ciências comportamentais de Stanford Sergiu Pasca, principal autor do estudo publicado na revista Nature.

Da mesma forma, esses tecidos cultivados fora do corpo humano não permitem estudar os sintomas causados por um defeito em seu funcionamento. Para contornar essas limitações, os cientistas implantaram esses conjuntos de células cerebrais humanas, chamados organoides, nos cérebros de ratos jovens.

A idade era importante, pois o cérebro de um animal adulto para de se desenvolver, o que afetaria a integração das células humanas. Ao transplantá-los para um animal jovem, "descobrimos que os organoides podem se tornar bastante grandes e vascularizados" e podem, então, ser alimentados pela rede sanguínea do rato, até "ocupar cerca de um terço do hemisfério do cérebro" do animal, detalha Pasca.

Os pesquisadores testaram a boa implantação dos organoides soprando ar nos bigodes do rato, o que se traduziu em atividade elétrica nos neurônios de origem humana. Este é um sinal de que estavam desempenhando corretamente seu papel de receptor em resposta a um estímulo.

Eles então quiseram saber se esses neurônios poderiam não apenas receber, mas transmitir um sinal para o corpo do rato. Para isso, implantaram organoides previamente modificados em laboratório para que reagissem à luz azul.

Depois, treinaram os ratos para beber de um tubo de água quando essa luz azul estimulasse os organoides através de um fio conectado ao cérebro. A manobra se mostrou eficaz após duas semanas.

Dilemas éticos

Após os testes bem sucedidos, a equipe de cientistas finalmente usou a nova técnica com organoides de pacientes com uma doença genética, a síndrome de Timothy. Eles descobriram que, no cérebro dos ratos, esses organoides com o defeito nos genes cresciam menos rapidamente e tinham menor atividade do que os de pessoas saudáveis.

No futuro, essa técnica poderá ser usada para testar novos medicamentos, segundo dois cientistas que não estiveram envolvidos no estudo, mas que comentaram suas descobertas na Nature.

O método "leva nossa capacidade de estudar o desenvolvimento, a evolução e doenças do cérebro humano para um território desconhecido", escreveram Gray Camp, do Instituto suíço Roche, e Barbara Treutlein, da Escola Politécnica de Zurique (ETH).

A técnica revela, porém, alguns dilemas éticos, principalmente o de saber até que ponto a implantação de tecido cerebral humano em um animal pode alterar sua verdadeira natureza. O professor Pasca descartou esse risco para o rato, devido à grande velocidade com que seu cérebro se desenvolve em relação ao de um humano.

Ele chamou de "barreira natural" o funcionamento do córtex de um rato, que não teria tempo para integrar profundamente os neurônios de origem humana. Uma barreira semelhante poderia, contudo, não existir em outras espécies mais próximas ao homem, segundo o professor Pasca, contrariando o uso desse método em primatas.

Nesse sentido, ele destaca o "imperativo moral" de poder estudar melhor e, eventualmente, curar os transtornos psiquiátricos, levando em conta a proximidade do modelo animal utilizado para humanos.

"Os transtornos psiquiátricos humanos são, em grande parte, característicos do ser humano. Por isso, devemos refletir cuidadosamente (...) sobre em que medida queremos trabalhar com alguns desses modelos", disse.