"Perversa violência psicológica": 5 pontos da denúncia do MP contra Nikolas Ferreira
Órgão afirma que deputado cometeu crime contra raça e pede a perda do seu mandato e suspensão dos direitos políticos; em julho passado, o então vereador compartilhou imagens de uma aluna trans em banheiro escolar
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) foi denunciado, nesta terça-feira, pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pelo crime de LGBTfobia, equiparado, por lei, ao racismo. Na peça apresentada pelo MPMG, o órgão argumenta que o então vereador de Belo Horizonte foi preconceituoso, desrespeitou o princípio da dignidade previsto pela Constituição Federal e proferiu um discurso de ódio quando expôs uma adolescente transexual. Em junho passado, Ferreira compartilhou imagens de uma aluna, de 14 anos, em um banheiro feminino de uma escola privada da capital mineira.
Na ocasião, Ferreira divulgou um vídeo criticando a presença de uma aluna transexual, de 14 anos, em um banheiro feminino de uma escola na capital mineira. Por este motivo, as vereadoras do PSOL Iza Lourença e Bella Gonçalves entraram com uma denúncia por LGBTFobia e violação do artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral do menor de idade, abrangendo a preservação da imagem e da identidade.
No documento ao qual o GLOBO teve acesso, os promotores Mário Konichi Júnior, Josely Ramos Pontes e Mônica Sofia da Silva pedem, para além da condenação, a suspensão dos direitos políticos, a perda do mandato federal e indenização por danos morais. Veja abaixo cinco pontos da denuncia:
Aluna ameaçada
Os promotores iniciam o documento com o relato de que a adolescente, de apenas 14 anos, relatou ter sido ameaçada de agressão por outros alunos do colégio, caso voltasse a usar o banheiro feminino da instituição, assim como nas redes sociais do parlamentar.
"Não menos grave foi a repercussão gerada nas redes sociais, onde seguidores do acusado destilaram todo seu ódio, motivados pela ideia amplamente divulgada pelo acusado de manutenção do controle ideológico, da dominação política, da subjugação social e da negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTQIA+) são considerados estranhos e diferentes", argumentam em trecho.
O preconceito de Ferreira
Logo nos primeiros parágrafos da acusação, os promotores afirmam que a atitude do então vereador de apenas se referir a menina transexual no pronome masculino revela o preconceito do apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Na gravação, Ferreira chega a chamar a aluna de "estuprador em potencial".
Na opinião dos promotores, isto demonstra o preconceito do deputado federal "contra todas as pessoas transexuais, evidenciando, portanto, flagrante discriminação atentatória de direitos e liberdades fundamentais de grupo de vulneráveis, praticado em razão, única e exclusivamente, da identidade de gênero da vítima".
Exposição da adolescente
Outro ponto ressaltado pelo órgão foi a exposição da adolescente em suas redes sociais. No documento, os integrantes do Ministério Público caracterizam a atitude de Ferreira como uma "perversa violência psicológica", devido aos comentários com insultos, humilhações e ridicularizações gerados a partir da ação do parlamentar.
"Ao expor a pessoa através de um canal do YouTube, com mais de 230.000 visualizações, deslegitimando sua identidade, negando-se a tratá-la de acordo com o gênero e nome correspondente e pretendendo coibir a utilização do banheiro de acordo com o gênero que melhor lhe representa, o acusado causou irreparável dano à sua autoestima e identidade, querendo fazê-la crer que a sociedade não a reconhece em seu gênero autodeclarado, que ignora sua narrativa de gênero e que a denomina de forma que não condiz com suas vivência", diz trecho.
Incitação ao ódio nas redes
A peça do MPMG alega ainda que, Ferreira despertou reações de agressividade, o que comprovaria o discurso de ódio que proferiu no vídeo em questão.
"Percebe-se, assim, que o nível de intolerância e agressividade das reações ao vídeo postado pelo acusado revelam-no como verdadeiro discurso que incita ao ódio às pessoas transexuais, na medida em que se caracteriza como verdadeiro ataque à dignidade dessas pessoas".
Princípio da Dignidade
Como respaldo legal para a denúncia, o MPMG convoca a Constituição Federal. O primeiro artigo a ser citado é o quinto, que estabelece os valores pessoais, validando, assim, o autorreconhecimento das pessoas transexuais. Em seguida, o órgão remete ao princípio da dignidade humana: "a necessidade do Estado reconhecer e assegurar o respeito aos direitos fundamentais de tais pessoas".
Ao GLOBO, o deputado federal Nikolas Ferreira criticou a acusação:
— Basicamente estou sendo denunciado por ter protestado contra um homem que entrou em um banheiro feminino onde minha irmã de 15 anos estava. Nada mais. A experiência mundial tem mostrado qual tem sido a consequência disso. Estou aguardando minha citação pessoal para me defender e provar que as vítimas nesse caso, são outras — afirmou.
Discurso transfóbico na tribuna
O Ministério Público apresentou a denúncia quase um mês após o discurso transfóbico do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) no Congresso Nacional. O ex-vereador de BH usou a tribuna no dia 8 de março para, em tom de deboche, afirmar que se "sentia mulher" tendo "lugar de fala" para discursar sobre a efeméride — Dia Internacional da Mulher.
— Hoje, me sinto mulher. Deputada, Nicole. As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres. Para vocês terem ideia do perigo que é isso, eles estão querendo colocar a imposição de uma realidade que não é a realidade — disse o parlamentar.
O caso ganhou projeção nacional e deputados da oposição pediram a cassação de Ferreira na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. Como antecipado pelo colunista Ancelmo Gois, o ato também é tema de cinco ações que correm no Supremo Tribunal Federal (STF).