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Arcabouço fiscal terá "amarras" para evitar mudança de metas para contas públicas, afirma secretário

Texto prevê que governos apontem horizonte de quatro anos para dinâmica de gastos e receitas

O secretário do Tesouro, Rogério Ceron - Washington Costa/MF

O novo arcabouço fiscal do país terá mecanismos para evitar mudanças nas metas para o desempenho das contas públicas estabelecidas pelo governo ao longo dos anos, disse ao Globo o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. O texto da regra fiscal será apresentado formalmente ao Congresso Nacional nesta semana.

A regra estabelece que, no início de um governo, cada presidente deve indicar quais metas pretende perseguir para as contas públicas num horizonte de quatro anos (um mandato). Especialistas vinham questionando a possibilidade de mudanças repentinas nas metas prejudicarem a qualidade da regra. Isso geraria um descrédito com a regra fiscal, o que já ocorreu em outros momentos do país.

"Tem amarras (para evitar mudança na meta). Tem a possibilidade de atualizar por mudanças de contexto econômico, porque é um marco para ser sustentável no tempo. Mas com condicionantes" afirmou Ceron, evitando entrar em detalhes antes da apresentação formal do texto.

O novo arcabouço fiscal prevê que o crescimento real das despesas federais seja limitado a 70% do avanço da receita primária líquida observado nos 12 meses até junho do ano anterior. As despesas, porém, sempre crescerão entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação, mesmo se a arrecadação levar a percentuais maiores ou menores que isso.

Aliado a essa regra, ficará mantida uma meta de resultado para as contas públicas, mas com um intervalo de tolerância para cima e para baixo — a exemplo do sistema de metas para inflação. O resultado é obtido a partir das receitas menos as despesas. Hoje, a meta de resultado é fixa, sem variação.

Para atingir a meta, o governo frequentemente precisa bloquear (contingenciar) recursos ao longo do ano. Com o arcabouço, essa regra será flexibilizada.

— Vai ter uma flexibilidade maior para lidar com esse processo, diferente do que acontece hoje. Terão agora dois instrumentos. Pode continuar fazendo o processo de contingenciamento, mas também pode ir dentro de um determinado limite ir calibrando.

A “punição” pelo descumprimento da meta será um crescimento menor das despesas no ano seguinte.

O governo vai enviar a regra fiscal ao Congresso junto com o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que dá as bases do orçamento do próximo ano. A LDO, porém, vai ser feita com a regra vigente, ou seja, o teto de gastos. Além disso, a LDO vai ter uma meta formal, fixa, pois o arcabouço ainda não foi aprovado.

"Vai ter um conjunto de despesas que só vão ser validadas se for aprovado o no marco fiscal. Tem esse desafio formal."

O governo colocou como meta zerar o déficit em 2024, fazer um superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1% do PIB em 2026. Para isso, Ceron calcula que o governo terá que aumentar as receitas líquidas (descontando transferências para estados e municípios) em R$ 100 bilhões por ano. O Executivo vai buscar essa arrecadação corrigindo distorções, afirma o secretário. O governo já está mirando 2024.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já antecipou três medidas para aumentar as receitas, que ainda não foram formalizadas.

A mais significativa, na casa de R$ 90 bilhões, envolve mudança na forma como são registrados os benefícios fiscais concedidos pelos estados, via ICMS, para as empresas. A discussão é sobre como eles devem ser computados no cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

O governo quer deixar claro que esses incentivos serão considerados como uma reserva de lucro e, consequentemente, seriam tributados pelo governo federal. O crédito só poderá ser abatido se for destinado a investimentos, e não a custeio.

"A escolha é: vamos beneficiar alguns grupos econômicos que estão fazendo uso indevido da legislação ou vamos fazer a nossa reparação social? Quem vai escolher é a sociedade. Nós estamos convictos de que temos que acabar com isso para poder manter o eixo de reparação social com responsabilidade fiscal. Se não tiver isso, a despesa vai crescer menos" afirma o secretário.

Segundo ele, o governo ainda avalia se vai propor a mudança por medida provisória ou projeto de lei. Ele ressalta, porém, que os técnicos estão seguros da proposta.

"Claro que depois tem a validação política da sociedade, e o Congresso representa a sociedade. Mas do ponto de vista técnico, estamos seguros. É uma distorção clara. Tecnicamente a gente está seguro."

Ceron negou aumento de carga tributária, e ressaltou que se trata de um ajuste da base fiscal.

"Quem não paga, precisa pagar. Isso é uma questão de isonomia tributária. Quem não está pagando de forma ilegítima ou com distorções absurdas, a gente recupera a base fiscal. Esse é o plano de voo. A gente está enxergando quem não está pagando."