Crimes

Violência de gangues se espalha no Haiti em ritmo 'alarmante', diz ONU

Cerca de metade da população haitiana depende de ajuda humanitária

Violência se espalha pelo Haiti - Richard Pierrin/AFP

Violência coletiva, menores afetados, atiradores nos telhados: o retrato de "terror" infligido pelas gangues à população haitiana "está se espalhando em um ritmo alarmante", alertou a ONU nesta quarta-feira (26), pedindo o envio de uma "força internacional" ao país caribenho.

"A violência alarmante nas áreas onde as gangues atacam, como a violência sexual particularmente contra mulheres e meninas, é emblemática do terror que afeta grande parte da população haitiana", onde metade, 5,2 milhões de pessoas, depende de ajuda humanitária, disse a enviada especial da ONU para o país, María Isabel Salvador, em uma reunião do Conselho de Segurança da entidade.

Os menores são vítimas dos "crimes mais atrozes", como homicídios, sequestros e estupros. Nos últimos três meses, muitas escolas foram alvo de tiroteios e sequestros de alunos, por isso muitos estudantes não voltaram a frequentar os colégios desde o início das aulas em janeiro.

Em sua primeira semana no Haiti, Salvador - recém-nomeada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, como enviada especial para aquele país - "conseguiu" circular por algumas ruas da capital Porto Príncipe.

"Senti a tensão e reconheci o medo que os haitianos vivem todos os dias", disse, depois de recordar a "necessidade urgente de apoio internacional à polícia local" – com apenas 3.500 efetivos para garantir a segurança de todo o país – para enfrentar "a rápida deterioração da situação de segurança".

O sentimento geral é de que "será difícil avançar sem abordar a insegurança desenfreada de forma eficaz", lembrou.

Segundo dados da Polícia Nacional do Haiti e do Escritório Integrado da ONU no país, no primeiro trimestre de 2023 houve 1.647 ocorrências criminais - homicídios, estupros, sequestros e linchamentos -, mais que o dobro do registrado no mesmo período do ano passado.

Essa violência se explica em grande parte pela disputa pelo controle dos bairros, onde quase não há ou simplesmente não há presença policial, o que em muitos casos leva os moradores a fazerem justiça com as próprias mãos.

Há dois dias, um grupo de civis tirou 13 supostos membros de gangues da custódia da polícia e os linchou até a morte, depois queimou seus corpos, lembrou a enviada da ONU, que disse estar "profundamente impactada" pela presença de atiradores que "atacam civis indiscriminadamente".

Em um relatório publicado na segunda-feira, Guterres estimou que a insegurança na capital haitiana alcançou níveis "comparáveis aos dos países em guerra".

Atuar antes que seja tarde
"Mais preocupante ainda é que estamos vendo uma nova dinâmica dos grupos que atuam em Porto Príncipe, diretamente envolvidos no tráfico de armas cada vez mais sofisticadas que buscam recrutar novos membros nos campos de deslocados", disse Ghada Waly, diretora do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC).

Em 2023, o número de deslocados internos aumentou 50% na capital haitiana, em relação ao ano passado, e, desde o surgimento da epidemia de cólera em outubro passado, cerca de 39.000 casos suspeitos foram registrados, lembrou.

"Essa dinâmica conduz inevitavelmente à ruptura do tecido social, com consequências imprevisíveis para toda a região", alertou Salvador.

Neste contexto, a ONU reitera aos 15 membros do Conselho de Segurança o pedido de envio de forças internacionais.

"Os haitianos não podem esperar. Devemos agir agora", sinalizou Salvador, dizendo que, do contrário, "o círculo vicioso da violência e da crise política, social e econômica, em que a população luta todos os dias, continuará seu curso".

A posição foi reiterada pelo ministro das Relações Exteriores do Haiti, Jean Victor Généus, que alertou que nas últimas 48 horas, a segurança no país "se deteriorou consideravelmente". "É preciso agir rapidamente antes que seja tarde demais", enfatizou.

O chanceler ainda adicionou que "as cenas horríveis de violência na capital traduzem a indignação extrema de um povo farto que não quer continuar aceitando passivamente a violência das gangues", exclamou.

Em outubro, Guterres já havia transmitido um pedido de ajuda ao primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, que solicitou ao Conselho de Segurança o envio dessa força.

A instância, no entanto, não foi concretizada, apesar de alguns países terem dito que estariam dispostos a participar, embora nenhum pareça querer assumir a responsabilidade.