Quem é Mauro Cid, braço direito de Bolsonaro, preso pela PF em ação contra dados falsos de vacina
Pai de Cid foi colega do ex-presidente no curso de oficiais dos Agulhas Negras; militar foi pivô da demissão do comandante do Exército
Apontado como o pivô da demissão do general Júlio Cesar de Arruda do comando do Exército, feita neste sábado (29) pelo presidente Lula, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, o Mauro Cid ou "coronel Cid", tem um histórico de relacionamento com o ex-presidente Jair Bolsonaro que vem de família. Ajudante de ordens de Bolsonaro durante o último governo, Mauro Cid é filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, que foi colega do ex-chefe do Executivo no curso de formação de oficiais do Exército. Desde esse período, Bolsonaro mantém uma amizade com Lourena Cid. Ele foi foi preso, na manhã desta quarta-feira (3), durante uma operação da Polícia Federal. A corporação investiga um grupo suspeito de inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde.
Mauro Cid ascendeu na carreira no governo passado. Ele era major e foi promovido a tenente-coronel. Seu nome ganhou notoriedade nesta sexta-feira, após reportagem de Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles, apontar que investigações da PF, sob o comando do Supremo Tribunal Federal (STF), apuram se o ajudante de ordens do ex-presidente operava uma espécie de “caixa paralelo”. O ex-presidente Bolsonaro nega as informações.
Cid é formado na turma de 2000 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Apesar da proximidade do pai com Bolsonaro, colegas de turma afirmam que Lourena Cid não influenciou na escolha para ser um braço direito de Bolsonaro. Primeiro colocado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Cid era instrutor da Aman e se preparava para assumir um posto nos Estados Unidos quando foi designado para servir à Presidência. A amigos, Cid descartou ingressar na política e afirmava que mirava os passos do pai rumo ao generalato. Tudo mudou com a eleição de Bolsonaro, em 2018.
Ciumeira e alta interferência
Os AJOs — como os ajudantes de ordens são conhecidos nos círculos de poder — atuam como secretários particulares do presidente em tempo integral. Discretos, eles são o último anteparo do comandante do Executivo. Por vezes, carregam seus celulares, recepcionam as visitas, anotam demandas e, mais importante, veem e ouvem quase tudo o que se passa com o titular da cadeira mais poderosa do país.
Durante a gestão bolsonarista, Mauro Cid assumiu o papel de conselheiro-geral do chefe, e chegou a causar ciumeira no Palácio do Planalto. Suas interferências alcançavam temas relacionados a saúde, economia, meio ambiente, questões jurídicas e sobre o que mais Bolsonaro tivesse dúvidas.
O militar era criticado por integrantes do governo por supostamente se intrometer em assuntos que não lhe cabiam. Alguns o classificavam como excessivamente proativo e, por isso, capaz de criar embaraços desnecessários a Bolsonaro. Uma das reclamações passa pela forma como Cid atendia a demandas presidenciais, buscando respostas por meios próprios, em vez de recorrer às áreas técnicas do governo.
Fluente em inglês e espanhol, além de compreender bem francês e alemão, Cid também fazia traduções de artigos. Logo pela manhã, era função dele selecionar reportagens e textos da imprensa que considerava importantes para Bolsonaro. Além disso, recebia centenas de mensagens diariamente no WhatsApp com pedidos de audiência, recados e até denúncias para serem selecionadas e repassadas ao presidente.
Cid ainda ajuda o chefe do Executivo a preparar discursos e roteiros das transmissões ao vivo que ele faz pela internet, tarefas que não costumam ser levadas a ajudantes de ordens. No governo Bolsonaro, o militar também era apontado como homem de confiança do general Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Sua proximidade com Bolsonaro fez com lidasse com questões desagradáveis desde o início do governo. Em 2020, ele teve que prestar depoimento no inquérito dos atos antidemocráticos, aberto pelo STF, após a Polícia Federal encontrar mensagens trocadas entre o ajudante de ordens e o blogueiro Allan dos Santos. Santos escreveu que era a favor de intervenção por parte das Forças Armadas, ao que Cid respondeu: “Opa”. À PF, ele disse que se tratou apenas de uma saudação. Na época, o contratempo não abalou a confiança do presidente em seu auxiliar. Após o episódio, Bolsonaro o chamou para dizer que nada mudaria na relação entre eles.
Em dezembro do ano passado, a Polícia Federal (PF) concluiu que Mauro Cid, junto a Bolsonaro, cometeu crime por divulgar informações falsas sobre Covid-19. A acusação é de que Bolsonaro cometeu o delito de incitação a crime sanitário por estimular as pessoas a não usarem máscaras. O inquérito foi aberto a pedido da CPI da Covid por causa de uma "live" na qual o então presidente fez uma associação falaciosa entre o uso da vacina contra o coronavírus ao vírus da Aids. O relatório final foi encaminhado ao STF, mas deve ser enviado para análise da primeira instância da Justiça, já que Bolsonaro perdeu o foro privilegiado.
Pelo Código Penal, a incitação ao crime é conduta ilegal, com pena prevista de detenção de três a seis meses, ou multa.
Com a derrota de Bolsonaro nas urnas, Cid seguiu com o presidente para os Estados Unidos a dois dias da posse de Lula.
Demissão na primeira semana
Comandante do Exército até este sábado, o general Arruda resistia em revogar a designação do ex-ajudante de Bolsonaro do 1º Batalhão de Ações e Comandos, unidade de Operações Especiais. Cid foi escolhido para o posto em maio de 2022, durante a gestão anterior, mas só o assumiria em fevereiro. O Planalto já havia indicado que esperava que Arruda anulasse a nomeação.
Logo na primeira semana de governo, Lula iniciou um pente-fino para desmilitarizar sua estrutura. Entre as primeiras dispensas estava a do coronel Cid, publicada no último dia 5 no Diário Oficial. Ele foi exonerado junto com Jonathas Coelho, assessor militar da ajudância de ordens.
Segundo a reportagem do Metrópoles, as investigações sob o comando do ministro Alexandre de Moraes descobriram que o “coronel Cid” pagava contas do clã presidencial em dinheiro vivo. Os investigadores apuram agora se Cid operava uma espécie de “caixa paralelo” por meio de saques de recursos dos cartões corporativos, o que é negado por Bolsonaro.
Entre as contas pagas por Cid, estão faturas de um cartão de crédito adicional emitido no nome de Rosimary Cardoso Cordeiro, funcionária do Senado Federal lotada no gabinete do senador Roberto Rocha (PTB-MA). Ela é amiga próxima de Michelle — ambas trabalhavam como assessoras de deputados na Câmara — e aparece em fotos ao lado de Bolsonaro e da ex-primeira dama.
Ainda segundo a reportagem, a investigação aponta que o Mauro Cid atuava como elo entre Bolsonaro e apoiadores radicais, que organizavam a militância bolsonarista nas redes. Entre os contatos frequentes de Cid estava o blogueiro Allan dos Santos, que teve prisão decretada por Moraes e vive nos Estados Unidos. Bolsonaro aparece como interlocutor em mensagens e teria gravado áudios que indicam que ele tinha conhecimento do que seu ajudante de ordens fazia.