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Estudo mostra que Google falhou em remover anúncios de vídeos com conteúdo negacionista do clima

Plataforma prometera parar de veicular publicidade em conteúdos que neguem as mudanças climáticas.

No gelo do Ártico, uma corrida contra o tempo para salvar a memória do clima - Jonathan Nackstrand / AFP

Em outubro de 2021, o Google prometeu parar publicar anúncios - ou seja, a ganhar dinheiro com publicidade - ao lado de conteúdos que negassem a existência e as causas da mudança climática. O objetivo era impedir que os autores de falsas alegações ganhassem dinheiro nas plataformas do Google, incluindo o YouTube.

No entanto, se alguém clicou recentemente em um vídeo do YouTube intitulado “Quem é Leonardo DiCaprio”, pode ter encontrado uma série de alegações de que a mudança climática é uma farsa e que a temperatura global está esfriando, entremeados com um anúncio para um filme da Paramount+.

E, antes de um anúncio da Alaska Airlines, aparece a sugestão de outro vídeo, que pretende detalhar “como os ativistas climáticos distorcem as evidências”.

Não se tratam de aberrações, aponta pesquisa do Center for Countering Digital Hate (Centro de Combate ao Ódio Digital, numa tradução livre) e da Climate Action Against Disinformation (Ação Climática Contra a Desinformação), uma coalizão internacional de mais de 50 grupos de defesa ambiental.

Em estudo divulgado na última terça-feira, pesquisadores dessas organizações acusaram o YouTube de continuar lucrando com vídeos que retratavam a mudança climática como uma farsa ou exagero.

Eles encontraram 100 vídeos, vistos pelo menos 18 milhões de vezes no total, que violavam a própria política do Google. Além disso, encontraram vídeos acompanhados de anúncios de outras grandes marcas como Adobe, Costco, Calvin Klein e Politico. Até mesmo um anúncio do mecanismo de busca do Google apareceu antes de um vídeo que afirmava não haver consenso científico sobre a mudança climática.

- Isso realmente levanta a questão sobre qual é o atual nível de fiscalização do Google - afirmou Callum Hood, chefe de pesquisa do Center for Countering Digital Hate.

É difícil avaliar toda a extensão da desinformação no YouTube, acrescentaram os pesquisadores, porque assistir a vídeos é um trabalho demorado e eles têm acesso limitado aos dados, deixando-os dependentes de pesquisas trabalhosas com palavras-chave na plataforma.

- Acho que é justo dizer que provavelmente é a ponta do iceberg - ressaltou Hood, referindo-se ao que encontraram.

Jane Fonda, que dirige um comitê de ação política dedicado ao combate às mudanças climáticas, disse em um comunicado que era “repugnante que o YouTube violasse sua própria política” ao exibir vídeos falsos sobre o clima com anúncios, dando ao conteúdo mais validade enquanto “a terra está queimando”.

- Estou chocada que um anúncio de um dos meus filmes apareça em um desses vídeos e espero que o YouTube pare com essa prática imediatamente - afirmou a atriz.

Os anúncios do Grubhub, o serviço de entrega de comida, apareceram várias vezes antes dos vídeos de negação do clima, descobriu o The New York Times. Um porta-voz disse que a empresa estava trabalhando com o YouTube e outros parceiros para “impedir que anúncios do Grubhub aparecessem ao lado de conteúdo que promova desinformação”.

Michael Aciman, porta-voz do YouTube, disse em comunicado que a empresa permitia “debates sobre políticas ou discussões de iniciativas relacionadas ao clima, mas quando o conteúdo cruza a linha da negação da mudança climática, removemos os anúncios da veiculação desses vídeos”.

“Aplicamos esta política rigorosamente, nossa aplicação nem sempre é perfeita e estamos trabalhando constantemente para melhorar nossos sistemas para detectar e remover melhor o conteúdo que viola a política. É por isso que recebemos feedback de terceiros quando eles acham que perdemos alguma coisa” - acrescentou Aciman.

O porta-voz informou ainda que o YouTube removeu anúncios de vários vídeos sinalizados pelos pesquisadores, incluindo o que promovia o filme da Paramount+.

Lucro com desinformação
Como a desinformação se tornou um flagelo on-line cada vez maior, o YouTube tentou equilibrar seu desejo de ser uma plataforma aberta para diversas visualizações com o interesse em fornecer aos usuários fatos comprovados sobre tópicos importantes. Nos últimos anos, a plataforma reprimiu as fake news de que a eleição presidencial de 2020 foi fraudada e as falsas alegações sobre vacinas.

Em 2021, quando a empresa mudou suas regras sobre mudanças climáticas, disse que anunciantes e parceiros de publicação ficaram cada vez mais desconfortáveis aparecendo ao lado de conteúdo climático impreciso.

A política do Google se aplica a conteúdo que se refere à mudança climática como uma farsa ou fraude, nega a tendência de longo prazo de que o clima está esquentando ou que as emissões de gases do efeito estufa ou a atividade humana estejam contribuindo para a mudança climática.

Em alguns dos vídeos que os pesquisadores encontraram – uns com anúncios e outros sem – o YouTube tinha uma caixa de “contexto” com informações confiáveis, sinalizando que sabia que os vídeos apresentavam afirmações falsas ou pelo menos contestadas.

“A mudança climática refere-se a mudanças de longo prazo nas temperaturas e nos padrões climáticos, causadas principalmente por atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis”, escreveu o YouTube, ao fazer referência a um site das Nações Unidas sobre o assunto.

O estudo do Centro de Combate ao Ódio Digital e Ação Climática Contra a Desinformação sugeriu que o YouTube negligenciou ou ignorou conteúdo violador. Eles identificaram outros 100 vídeos que não violavam explicitamente as políticas do Google, mas atendiam a uma definição mais ampla de desinformação climática que também deveria ser abordada.

“Isso demonstra que o YouTube está atualmente lucrando com uma gama muito mais ampla de desinformação sobre o clima do que é coberto por suas políticas restritas”, acrescenta o relatório.

De onde vêm os vídeos
Os vídeos citados pelo grupo vêm de várias fontes, incluindo especialistas, podcasters e grupos de defesa de interesses. Também incluíram gigantes da indústria como a Exxon Mobil, que foi acusada de “greenwashing” - prática de manipular as informações sobre sua contribuição para reduzir as emissões de carbono -, embora seus vídeos não violassem explicitamente as políticas do YouTube.

E ainda a representantes da grande mídia conservadora como a Fox News. Em um de seus vídeos, o âncora recentemente demitido da Fox, Tucker Carlson, descartou a luta contra a mudança climática como “um esforço coordenado do governo da China para atrapalhar os EUA e o Ocidente e assumir seu lugar como líder do mundo”.

Quase todos os vídeos apresentavam anúncios, descobriram os pesquisadores, o que significava que o YouTube estava gerando receita com o conteúdo e, em alguns casos, pode ter remunerado os criadores pelos vídeos. A colocação de anúncios é um processo automatizado. Os vídeos da plataforma costumam ser direcionados a um público específico, o que significa que diferentes usuários verão diferentes comerciais antes da reprodução do mesmo vídeo.