Oito perguntas não respondidas sobre a fraude do cartão vacinal do ex-presidente Jair Bolsonaro
Deflagrada nesta quarta-feira, Operação Venire, da Polícia Federal, revelou esquema de fraude em cartão de vacina do ex-presidente, sua família e pessoas de confiança
A Polícia Federal realizou nesta quarta-feira (3) a Operação Venire, que contou com uma ação de busca e apreensão na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro, em Brasília. O ex-presidente estava na residência no momento das buscas.
O tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi preso na mesma ação que apura a atuação de um grupo que teria inserido dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde.
A operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro foi intimado para prestar depoimento, mas segundo a assessoria da PF ainda não há data para ouvir o ex-presidente.
De acordo com os indícios coletados pela PF, a suposta falsificação do certificado de vacinação tinha como objetivo viabilizar a entrada nos Estados Unidos de Bolsonaro, de seus familiares, de assessores, além de parentes desses auxiliares, driblando as exigências da imunização obrigatória.
Além de Cid, a operação prendeu mais cinco outras pessoas: o secretário municipal do Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha, o policial militar que atuou na segurança presidencial, Max Guilherme, o militar do Exército e também segurança pessoal de Bolsonaro, Sérgio Cordeiro, o sargento do Exército Luis Marcos dos Reis e o candidato a deputado estadual Ailton Barros (PL).
O operação deflagrada pela PF repercutiu nas redes sociais e na imprensa de todo mundo, e também levantou algumas questões que ainda precisam ser respondidas. Confira algumas delas:
Por que fraudar o comprovante do Bolsonaro mesmo tendo passaporte diplomático?
Fontes diplomáticas confirmaram que Bolsonaro não precisava apresentar documento porque teria visto diplomático, mesma alegação do ex-presidente.
Em entrevista à Jovem Pan após a operação de busca e apreensão da PF em sua casa, em Brasília, o ex-presidente disse que nunca teve seu comprovante vacinal exigido em suas viagens aos Estados Unidos pelo “tratamento dispensado a um chefe de Estado”, no qual “tudo é acertado antecipadamente”.
Em entrevista no dia de ontem, o vice-porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Vedant Pat, afirmou que não iria comentar as suspeitas de que o ex-presidente Jair Bolsonaro tenha falsificado sua carteira de vacinação, mas reiterou que, na época em que Bolsonaro viajou aos Estados Unidos, a vacinação no país era obrigatória.
Um ofício enviado na quarta-feira à embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, pede que a diplomacia americana abra uma investigação contra Jair e Michelle Bolsonaro, bem como Mauro Cid Barbosa, preso na operação de quarta-feira, e avalie suspender vistos que permitam a entrada do trio no país.
A solicitação foi enviada por meio da Câmara pela deputada Erika Hilton, do PSOL em São Paulo, com base nas suspeitas de adulteração de certificados de vacinação para entrada nos EUA.
Por que o registro de Bolsonaro foi incluído e, depois, excluído?
A investigação da PF apontou que registros de vacinação do ex-presidente e de sua filha caçula, Laura, foram inseridos no sistema do Ministério da Saúde em 21 de dezembro de 2022 e apagados seis dias depois sob a justificativa de “erro”.
A suspeita é que, entre a inclusão e a exclusão dos dados, Bolsonaro tenha feito cópia de sua carteira de vacinação, a fim de que pudesse comprovar que estava imunizado. A exclusão dos dados teria ocorrido para que ele mantivesse o discurso antivacina, que foi uma marca de seu mandato.
Por que incluir a Laura no esquema, se ela, segundo alega Bolsonaro, tem um atestado que a isenta da vacinação?
Jair e Michelle Bolsonaro negam que a filha Laura teria sido vacinada. Segundo o ex-presidente, Laura teria um atestado que a isenta de vacinação por problemas cardíacos. A PF afirmou que o certificado de vacinação contra a Covid-19 de Laura foi emitido na língua inglesa, através do aplicativo ConecteSUS em 27 de dezembro, às 14h09.
No dia seguinte, o jovem viajou aos EUA com os pais. No certificado fraudado, Laura teria tomado três doses da vacina. Os dados foram inseridos pelo secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha, um dos detidos na operação.
O caso tem alguma relação com outras tramas envolvendo Mauro Cid e Bolsonaro?
Mauro Cid tem um histórico de relacionamento com o ex-presidente que vem de família. Ele é filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, que foi colega do ex-chefe do Executivo no curso de formação de oficiais do Exército. Desde esse período, Bolsonaro mantém uma amizade com o pai de Mauro Cid.
Mauro Cid ascendeu na carreira no governo passado. Ele era major e foi promovido a tenente-coronel. Seu nome ganhou notoriedade nesta quarta-feira, após reportagem de Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles, apontar que investigações da PF, sob o comando do Supremo Tribunal Federal (STF), apuram se o ajudante de ordens do ex-presidente operava uma espécie de “caixa paralelo”. O ex-presidente Bolsonaro nega as informações.
Bolsonaro sabia do esquema montado pelo subordinado direto?
Ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, Mauro Cid, fez duas tentativas de liberar as joias de R$16,5 milhões recebidas pelo ex-presidente do governo da Arábia Saudita e que foram confiscadas pela Receita Federal. Ele era homem de confiança de Jair Bolsonaro, sendo pouco provável que atuasse de forma independente. Ainda assim, o ex-presidente nega qualquer participação na fraude.
Por que Cid era o responsável pelo cartão de vacinação de Bolsonaro?
Mauro Cid foi aconselhado por sua defesa a ficar em silêncio durante depoimento à PF, enquanto seus advogados não tomassem ciência das acusações. O vínculo dele com a família Bolsonaro na fraude dos cartões vacinais ainda necessitam de maiores informações.
Afinal, o suposto comprovante foi ou não apresentado na chegada aos EUA?
A Embaixada americana não informou oficialmente se os comprovantes de vacinação fraudados foram apresentados na entrada do país, o que configuraria crime segundo a legislação dos EUA. O deputado federal André Janones (Avante-MG) informou em suas redes sociais que oficiou a Embaixada para saber se os comprovantes foram utilizados.
Qual foi a participação da Prefeitura de Duque de Caxias no caso?
O secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha foi uma das pessoas detidas na operação da PF. Ele foi identificado como o responsável por inserir dados falsos referentes à vacinação contra a Covid-19 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de sua filha Laura, de seu então ajudante de ordens Mauro Cid e de familiares de Cid. Gutemberg Reis, irmão do ex-prefeito do município da Baixada Fluminense, Washington Reis, também foi apontado pelos investigadores como um dos beneficiados pelo esquema.
Até o momento, a participação da Prefeitura da cidade ainda não está clara. Desde o início da pandemia, sob a gestão de Washington Reis, o município lidou de forma negacionista com o combate à Covid-19, quase precisando de uma intervenção estadual na Saúde e acumulando polêmicas durante o período.
Atual secretário estadual de Transportes do Rio e ex-prefeito do município de Duque de Caxias, Washington Reis defendeu os envolvidos na operação:
— Não conheço os autos. O que tenho a dizer é que o João é um cara muito correto. Alguma confusão houve. Mas, não por parte dele. Tem que ver isso, se foi um funcionário. Ele não foi ouvido ainda. Estou sabendo pela mídia. Guti (o deputado Gutemberg Reis) foi intimado pela PF. Disseram até que a carteira de vacinação dele não é verdadeira. Mas tudo bem, quem não deve não teme. É só se defender e prestar contas — disse ao Extra.