Novo processo

Apatia, sombra do 'não' e outras particularidades da eleição constituinte no Chile

Após uma primeira proposta ter sido rejeitada com 62% dos votos em setembro, as forças políticas concordaram com um novo processo

Capital do Chile, Santiago - Reprodução / Pixabay

O Chile elegerá, no próximo domingo (7), 50 membros para um conselho que finalizará um projeto de Constituição que substituirá a de Augusto Pinochet, sob o peso de dois “nãos” que marcaram sua história e o desinteresse diante de uma nova tentativa de se livrar da herança da ditadura.

Após uma primeira proposta ter sido rejeitada com 62% dos votos em setembro, as forças políticas concordaram com um novo processo constituinte com pouco espaço para reformas substanciais.

O conselho eleito no domingo receberá, para revisão e ajustes, um texto elaborado por especialistas com 12 princípios essenciais que não poderão ser modificados. Por exemplo, o que consagra o Chile como uma economia de mercado com participação estatal e privada.

De um desejo obstinado de mudar sua Carta Política, que em 2019 desencadeou a maior mobilização social de sua história, os chilenos passaram para uma apatia nos últimos meses.

De “a alegria já vem” à desolação
A ditadura de Pinochet (1973-1990) convocou um plebiscito em 5 de outubro de 1988 para prolongar o regime militar, convencido de que o "sim" triunfaria e lhe garantiria mais oito anos no poder.

No entanto, uma coalizão de partidos de esquerda conseguiu enterrar a ditadura. Sob o lema "Chile, a alegria já vem", a opção "não" venceu com 56% dos votos. Começou então um inédito processo pacífico de transição para a democracia.

Mais de três décadas depois, outro "não" marcou a política chilena. Após os protestos iniciados em 2019, foi traçado um caminho para uma mudança constitucional a fim de acalmar as manifestações em massa.

Uma Assembleia Constituinte redigiu ao longo de um ano uma nova proposta de Constituição, considerada de vanguarda e que garantia muitos direitos em uma sociedade profundamente desigual. No entanto, 62% do eleitorado rejeitou a proposta.

O "não" foi contundente e praticamente deixou sem sua principal bandeira o governo do esquerdista Gabriel Boric.

Insistência
Apesar do resultado, houve um acordo político para iniciar um novo processo constitucional. Um muito mais normatizado, controlado e limitado do que o anterior. Três órgãos estão envolvidos, dois deles designados pelo Congresso, onde o governo não tem maioria, e um terceiro que será eleito pelos cidadãos neste domingo.

"Sempre acreditamos que são as leis que acalmam nossas paixões. E isso tem sido reforçado ao longo de toda a história", afirma o sociólogo e analista político Eugenio Tironi.

Em 190 anos, o Chile teve três constituições. A ditadura de Pinochet foi o único regime militar que escreveu sua própria Carta Magna na América do Sul.

Embora uma maioria tenha rejeitado o texto proposto anteriormente, as forças políticas relançaram o processo em resposta aos 78% dos chilenos que se expressaram a favor de uma mudança constitucional, no plebiscito de 2020, e ao compromisso da oposição de direita de modificar a Constituição de Pinochet.

"A direita se viu presa a um compromisso que tinha que honrar e isso nos levou a este novo processo", diz o cientista político Rodrigo Espinoza, da Universidade Diego Portales.

Pouco interesse e exaustão eleitoral
Segundo a pesquisa Criteria, apenas 31% dos chilenos declararam estar interessados no processo, em comparação com 60% no ano passado.

"Além da desconfiança em relação ao novo processo, o baixo interesse pode ser explicado pelo esgotamento eleitoral", acrescenta Espinoza, referindo-se às múltiplas eleições às quais os chilenos compareceram desde 2020.

Os partidos tradicionais guardaram suas melhores cartas para as próximas eleições e propuseram como candidatos em sua maioria políticos já aposentados, o que contrasta com a imagem fresca representada pela vitória dos independentes no processo anterior.

Cinco listas - duas da esquerda governista e três da direita opositora - competem neste domingo pelos 50 assentos de um órgão que voltará a ter caráter paritário, mas no qual não há cadeiras indígenas reservadas (foram 17 entre 155 no trâmite anterior).

Dois candidatos da etnia mapuche - a mais preponderante no país - competem, mas com poucas chances de serem eleitos, de acordo com as pesquisas. Em 17 de dezembro, os chilenos voltarão às urnas para ratificar ou rejeitar novamente a nova proposta constitucional.

"Se este processo falhar, para a direita não é o fim do mundo. Eles se sentem representados pela Constituição de 1980. É o mundo da centro-esquerda que perde", acrescenta Espinoza.