Em artigo um mês antes da morte de David Miranda, Glenn desabafou: "Desespero e medo"
Jornalista e ex-deputado eram casados há 17 anos e tinham três filhos
Em artigo pessoal, publicado há pouco menos de um mês, o jornalista Glenn Greenwald narrou os sentimentos que o assolavam durante a internação do seu marido, o ex-deputado David Miranda (PDT-RJ), que morreu na manhã desta terça-feira, aos 37 anos. "O desespero, medo e a tristeza estão em um patamar diferente de qualquer coisa", desabafou o jornalista.
Ao longo do texto, Greenwald expôs como o quadro de saúde de Miranda, seus "inesperados e repetidos flertes com a morte", o afetava e o tornava menos produtivo. Segundo ele, o sentimento de dor era intensificado frente à constatação de que os três filhos adolescentes, João, Jonathas e Marcelo, precisavam de apoio e ajuda, mas que nada poderia ser feito para aliviá-los de seus próprios temores.
"Nunca me deparei com dor maior do que a impotência de ver meus filhos sofrendo sem poder fazer o sofrimento parar", confessou, reconhecendo no cuidado diário e nas tarefas básicas rotineiras sua "fonte mais potente de motivação e energia."
À época da publicação da carta, Miranda estava internado há quase oito meses na Clínica São Vicente, na Zona Sul do Rio. Ele deu entrada no hospital para tratar uma infecção gastrointestinal, mas foi alvo de infecções sucessivas, em um quadro de septicemia.
Greenwald discorre sobre suas inseguranças frente ao quadro do marido, já que, embora seu prognóstico melhorasse a cada mês, era de modo "invariavelmente lento, incremental, árduo". Por três vezes, o jornalista foi alertado pelo médico de que Miranda teria baixas chances de sobrevivência nas próximas horas. Ainda assim, agarrava-se aos pequenos avanços, uma vez que "de forma que os médicos até hoje têm dificuldades em explicar totalmente, David atravessou todas essas crises e continua melhorando".
O jornalista descreveu que a experiência ensinava-o que "nada na vida é garantido". Como, em quase duas décadas de união, não havia se dado conta de que, devido à juventude, vivia agarrado e acomodado à ideia de que tudo daria certo e que ele e Miranda teriam, juntos, décadas de saúde. "A gente achava que era uma certeza. E por isso, não demos o devido valor", escreveu.
Por isso, os filmes e séries assistidos com Miranda no quarto da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), aos fins de semana, tornaram-se momentos especiais, pelo qual o jornalista acordava "animado e ansioso", porque podia realizar algo que, até antes da internação, "consideravam banal, trivial e sem razão para celebrações".
"É extraordinário quanto tempo passamos nossas vidas correndo atrás das coisas que nos ensinaram a almejar e ambicionar quando aquilo que nos deixa mais felizes e realizados estão bem debaixo dos nossos narizes --- frequentemente desvalorizadas porque parecem simples ou familiares", desabafa Greenwald, que finalizou:
"A falta de permanência das coisas que nos proporcionam a maior felicidade não as torna menos valiosas. Pelo contrário. Sua impermanência é a razão para agarrá-las, mantê-las, apreciá-las e honrá-las todos os dias que as temos e podemos fazer isso."