SAÚDE PÚBLICA

Sete em cada dez moradores de favelas não têm acesso adequado à saúde, aponta pesquisa

Pesquisa "Percepções e prioridades do câncer nas favelas brasileiras" foi realizada pelo DataFavela

Sistema Único de Saúde (SUS) - Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Um levantamento realizado pelo DataFavela, vinculado ao Instituto Locomotiva, aponta que 68% dos moradores de favelas brasileiras não possuem acesso adequado a equipamentos e instituições de saúde. Os dados da pesquisa “Percepções e prioridades do câncer nas favelas brasileiras” foram apresentados nesta terça-feira (9), na abertura do 13º Fórum Nacional Oncoguia, em Brasília (DF). 

O DataFavela ouviu 2963 moradores de comunidades de todas as regiões do Brasil sobre questões relacionadas à oncologia. O levantamento aponta, entre outros problemas, a ausência do estado nas favelas, a dificuldade de acesso à saúde e a escassez de informações sobre câncer. Segundo o estudo, 41% dos entrevistados não costumam realizar qualquer tipo de exame ou só realizam em casos de doenças. Ainda, 45% diz que é "difícil" chegar às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e às Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs).

A dificuldade no acesso ao cuidado é apontada como o principal empecilho no diagnóstico precoce e prevenção ao câncer pela maioria dos entrevistados (69%). Sete em cada dez moradores de favelas afirmam que tentam cuidar da saúde, mas esbarram nas limitações da rede de saúde pública, como falta de médicos e a demora nos processos de realização de exames. A pesquisa revela, também, que 85% dos entrevistados relataram que cuidariam mais da saúde se tivessem melhores condições financeiras.

Há, ainda, um recorte de gênero que dificulta o acesso à saúde nas periferias brasileiras. 44% das mulheres com filhos dizem que tivessem com quem deixar as crianças, se preocupariam mais com a própria saúde, buscando realizar, inclusive, exames de rotina.
 

Outro problema apontado pelos moradores de favelas é a falta de informações sobre os diferentes tipos de câncer, seus diagnósticos e métodos de prevenção; essa questão, segundo o levantamento do DataFavela, foi citada por 62% dos entrevistados. O instituto diz, ainda, que 84% conhecem casos de câncer em seus círculos sociais.

O público escutado pela pesquisa (realizada entre 18 de janeiro de 2023 e 1º de fevereiro) depende exclusivamente do SUS (82%).

O fundador do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, destaca que o Sistema Único de Saúde, o SUS, faz com que os problemas apresentados na pesquisa sejam atenuados. “Se não fosse o Sistema Único de Saúde, a realidade dos dados seria muito pior”, afirma. 

“Esses dados trazem a importância de se colocar a saúde pública nos locais que mais precisam dela. Esses locais são geograficamente muito claros, são as 13.500 favelas brasileiras, 89% localizadas nas regiões metropolitanas, mas também locais situados nos rincões do país, onde a desigualdade está presente. Por mais que o câncer seja transversal entre as classes sociais e não escolha suas vítimas pelo bolso, em um país desigual como o nosso, os ‘anticorpos sociais’ são muito diferentes entre os mais pobres e os mais ricos”, completa Meirelles. 

Para o coordenador e ex-presidente da Central Única das Favelas (Cufa), Preto Zezé, os dados apresentados indicam “uma faceta cruel da desigualdade no acesso à saúde”. “Há um recorte claro racial e de gênero. O racismo perpassa as relações de desigualdade do Brasil. É importante analisar a população que é atendida e como as pessoas são atendidas, além da diversidade no serviço público para atender as populações, porque o fato de um médico negro atender uma pessoa negra, por exemplo, tem um impacto diferente de um profissional branco naquele lugar”.

Fórum Oncoguia
O levantamento “Percepções e prioridades do câncer nas favelas brasileiras”, teve o apoio do Oncoguia, organização não governamental voltada para a promoção de informação e defesa dos direitos do paciente diagnosticado com câncer. “Através de estudos desse tipo, a gente consegue mostrar o quanto precisamos fazer mais para quem tem menos no campo da saúde. Hoje não estamos conseguindo fazer isso”, diz Luciana Holtz, presidente da ONG organizadora do Fórum, realizado em Brasília (DF) entre os dias 9 e 11 de maio e acompanhado pela Folha de Pernambuco a convite da Roche Farma Brasil.

“A  pesquisa evidencia o quanto as pessoas têm dificuldade para passar por um médico, para fazer um exame e até ter acesso à informação. Temos um desafio gigantesco de melhorar a infraestrutura olhando para questões sociais, culturais e econômicas que vão interferir nesses processos”, completa Holtz.