Entidades denunciam desigualdades no acesso a medicamentos para tratamento de câncer pelo SUS
Especialistas apontam iniquidade e atraso no acesso a tratamentos em hospitais que atendem pelo Sistema
O acesso a medicamentos utilizados no tratamento de diversos tipos de câncer foi um dos temas abordados no 13º Fórum Nacional Oncoguia, que aconteceu em Brasília (DF), da terça (9) até esta quinta-feira (11).
No evento, representantes de entidades da sociedade civil apontaram problemas no atual modelo, que, segundo elas, geram desigualdades no acesso a tratamentos sistêmicos para um mesmo tipo de câncer.
De acordo com o Oncoguia (organização não governamental voltada para a promoção de informação e defesa dos direitos do paciente diagnosticado com câncer), o Sistema Único de Saúde (SUS) não dispõe de uma lista de medicamentos que devem ser disponibilizados aos pacientes, de modo que cada hospital define o seu próprio protocolo terapêutico e faz a aquisição direta dos respectivos medicamentos.
Essa autonomia produz, segundo a entidade, disparidades entre unidades que dependem exclusivamente do SUS e outras, como hospitais filantrópicos, que dispõem de recursos adicionais e podem oferecer tratamentos mais modernos.
Tiago Farina Matos, conselheiro estratégico de advocacy do Oncoguia, defende que a dinâmica em questão precisa ser revista para que haja uma equidade nos tratamentos.
“Esse modelo dá uma grande flexibilidade, ele preconiza que cada hospital crie seu próprio protocolo de conduta. Ou seja, cada hospital tem um ‘cardápio’ disponível para prescrição. Só que cada hospital está tendo um ‘cardápio’ diferente, alguns não necessariamente contemplam diretrizes do Ministério da Saúde”, diz Farina.
“Essa liberdade, que não está se traduzindo em um acesso igualitário, está ocorrendo em função do quanto cada hospital dispõe de dinheiro para realizar os tratamentos. Se um hospital recebe um orçamento dez vezes maior que o outro, o ‘cardápio’ dessa unidade vai ser muito mais refinado, com ingredientes muito mais caros, fazendo uma analogia com o mundo da gastronomia”, explica o representante do Oncoguia.
Para Farina, um dos caminhos para a solução do problema é a “unificação do cardápio”: “O que a gente precisa é que os pacientes do SUS, de forma geral, tenham acesso a um ‘cardápio’ que é digno. Isso deveria ser melhor definido por um órgão central, que é o Ministério da Saúde. Unificar é o mínimo. Se o MS diz que determinada droga é importante e muitos hospitais não têm condições de dar, isso não faz muito sentido. Se você vai em uma rede de fast food em diferentes locais do país, você vai achar o mesmo sanduíche em várias lojas, por exemplo”.
A incapacidade de determinadas unidades para custear novos medicamentos está relacionada à insuficiência dos recursos.
De acordo com um relatório da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), alguns medicamentos são incorporados ao SUS, através de aprovação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), sem que haja uma reavaliação dos custos dos procedimentos; os valores dos medicamentos, portanto, podem ficar desatualizados.
Para a diretora executiva da SBOC, Marisa Madi, essa discrepância entre os valores praticados no mercado e as quantias liberadas pela Apac (Autorização de Procedimento Ambulatorial), segundo ela, é o que faz com que muitos hospitais não consigam arcar com as despesas.
“Algumas drogas aprovadas pela Conitec não tiveram, após a aprovação, um arranjo financeiro que viabilizasse a chegada desses medicamentos ao paciente. Existe um tempo de atraso na incorporação dessas tecnologias ao sistema por conta disso. Há situações em que o valor de mercado da droga e o valor previsto na Apac é discrepante, então o hospital, muitas vezes, não tem condições de custear esses medicamentos”, explica Madi.
A diretora da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica explica, ainda, que um dos objetivos da entidade é “achar soluções para que esses medicamentos já aprovados pela Conitec cheguem ao paciente”.
“Temos colocado as ideias na mesa para que o problema seja encarado, essa é a principal questão. O fato de certas drogas estarem aprovadas e não existir um respaldo financeiro pode estar provocando um aumento na judicialização, o que não é bom para ninguém”, completa Marisa Madi.
Judicialização
Em muitos casos, sem acesso à medicação indicada para o tratamento, pacientes precisam recorrer à Justiça para determinar o custeio do medicamento pelo poder público ou por planos de saúde. A judicialização, para Tiago Farina Matos, é um “sintoma” de que o sistema atual possui falhas e deve ser repensado.
“A judicialização em si é o efeito de um problema. Se alguém precisa entrar com uma ação judicial [para conseguir um medicamento], é porque o sistema não está dando a resposta que a pessoa precisa. Temos que tomar cuidado para não ver a judicialização como a vilã da história; para muitos casos, ela é a única alternativa, mas não é a solução ideal, é a última trincheira”, diz Farina.
Diálogo aberto
A problematização sobre as disparidades no acesso a tratamentos oncológicos foi apresentada a representantes do Ministério da Saúde no 13º Fórum Nacional Oncoguia, acompanhado pela Folha de Pernambuco a convite da Roche Farma Brasil.
“Política pública se constrói com o diálogo e com a busca da melhor solução possível até o momento. Essa troca de informações, de experiências, é fundamental para que possamos evoluir. Sabemos que nunca teremos uma política pública perfeita, mas também temos consciência de que podemos evoluir para que ela melhore cada vez mais; hoje ela está muito ruim, não está dando a resposta que o paciente precisa”, comenta Tiago Farina Matos.
Na primeira semana de maio, representantes da SBOC participaram de um encontro com Fernando Maia, coordenador-geral da Política Nacional de Intervenção e Controle do Câncer do Ministério da Saúde. Para Marisa Madi, diretora executiva da sociedade, o diálogo com a nova gestão federal tem sido “aberto”.
“Estamos bastante otimistas. A nova coordenação da Política Nacional de Intervenção e Controle do Câncer nos recebeu e conseguimos perceber que eles estão bem sensíveis a essa questão. Nos colocamos a serviço, como uma sociedade técnica que pode contribuir nas articulações", diz Madi.