Justiça absolve porteiro pernambucano preso há três anos e reconhecido só por foto em 62 processos
STJ determinou a análise dos demais processos baseados, de acordo com ministros, apenas nas fotos disponíveis na delegacia de Belford Roxo
O porteiro Paulo Alberto Silva Costa, de 36 anos, acusado por reconhecimento facial em 62 processos, pode ser solto a qualquer momento do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde está preso há três anos. A soltura é uma determinação da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), definida na quarta-feira (10). Os ministros entenderam que a prisão, baseada primordialmente em fotos, foi falha.
O colegiado da Terceira Seção afirma que há indícios de que a condenação de Paulo e os demais 61 processos tenham se baseado apenas no reconhecimento fotográfico. Com isso, determinou-se que cada um dos juízes responsáveis pelos processos avaliem se há outras provas, como testemunha, confissão, perícia, entre outros. Do contrário, o porteiro deverá ser solto o mais rápido possível.
Prisão de Paulo Alberto
Paulo, um homem negro e de família humilde, é natural de Paudalho, em Pernambuco. Ainda criança, mudou-se com a família para São Paulo e, após o divórcio dos pais, seguiu com a mãe e a irmã, Paula Silva, para a Baixada Fluminense. Ele estudou apenas até a 8ª série, por causa de dificuldades financeiras.
— Foi uma caminhada de 3 anos muito dolorosa e difícil pra todos nós. Mas, no fundo, a gente sabia que a justiça ia ser feita e que alguém ia ver essa quantidade de erros que estavam cometendo com meu irmão — afirma Paula ansiosa pelo reencontro com o irmão.
Pai de dois filhos, um garoto de 9 anos e uma menina de 4, Paulo morava desde 2015 no Condomínio Toscana, em Santa Tereza, Belford Roxo. Em 2018, passou a trabalhar, sem carteira assinada, como porteiro no próprio condomínio e completava a renda com bicos de limpeza de automóveis.
— A filha dele na época tinha um aninho. Então, ela perdeu os primeiros momentos com pai. Já o menino, sempre que dava, a mãe levava para ver o Paulo no presídio. Mas, toda vez, na hora de ir embora, ele ficava muito triste com a separação do pai — diz a irmã.
De acordo com a família, "Paulo era conhecido e querido da vizinhança", até ser preso em 6 de março de 2020, sob a acusação de ter cometido 59 roubos de veículos, cargas, uma receptação, um homicídio e um latrocínio na mesma região.
Documentos apresentados pelo Instituto de Defesa pelo Direito de Defesa (IDDD), responsável pela defesa de Paulo, mostram que todos os processos contra o porteiro, de 2017 a 2020, basearam-se em reconhecimentos fotográficos.
Ainda de acordo com a defesa, "o exame dos autos dessas apurações, objeto deste relatório, revela más práticas de investigação e violações ao direito de defesa que perpassam a polícia civil, o ministério público e a justiça do Rio".
Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) do Rio de Janeiro informou que os processos criminais seguem o trâmite processual previsto em Lei, sendo submetidos aos princípios constitucionais ao contraditório e ampla defesa.
A secretária disse ainda que "desde 2020, a Polícia Civil orienta aos delegados o não uso, de forma exclusiva, do reconhecimento indireto por fotografia como única prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos. A instituição informa que o método, que é aceito por lei, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser corroborado por outras provas técnicas e testemunhais, como a formalização de um reconhecimento presencial do suspeito".
Decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça
Em votação nesta quarta, feita por vídeo, os ministros assumiram que a prisão de Paulo foi falha por ter se baseado, principalmente, no reconhecimento de fotos, retiradas de redes sociais e incluídas no álbum e no mural de suspeitos da Delegacia de Belford Roxo (RJ).
A ministra Laurita Vaz, relatora, afirmou que o reconhecimento por foto não é "prova cabal", pois, assim, a "função dos órgãos de estado seria relegada a segundo plano". Ela também ressaltou na conferência, que os investigadores precisam de outras provas, como confissão, ouvir testemunhas, analisar perícia, entre outros.
O ministro Rogério Schietti, foi além, afirmando que o caso é uma "vergonha" ao sistema de Justiça. Segundo ele, não se pode prender alguém apenas pelo reconhecimento em um álbum fotográfico.