MANIPULAÇÃO DE RESULTADOS

Manipulação de resultados: relembre outros escândalos esportivos no Brasil e no mundo

Atual investigação do Ministério Público de Goiás começou no ano passado, com jogos da Série B, e já se estende até campeonatos nos Estados Unidos

Paolo Rossi - FIFA

A Operação Penalidade Máxima, atualmente na segunda fase, já conta com 35 nomes entre investigados e citados, em um esquema de manipulação de jogos de futebol através de apostas esportivas. O caso, porém, não é o primeiro envolvendo grandes clubes no mundo ou até mesmo outras modalidades esportivas.

Um dos casos mais recentes e emblemáticos ocorreu no futebol brasileiro há quase 20 anos. Conhecida como Máfia do apito, o esquema consistia no pagamento de valores ao árbitro Edílson Pereira de Carvalho para que ele interferisse no resultado do jogo. Após a descoberta do caso, 11 jogos que teriam sofrido essa interferência tiveram de ser realizados novamente.

Outro caso que teve grande repercussão ocorreu na Itália, em 2006. Na ocasião, diversos times do país foram sancionados por "comprarem" árbitros para determinadas partidas de Milan, Fiorentina, Lazio, Reggina, Siena e Juventus, campeã nacional daquele ano, mas que acabou perdendo o título e sendo rebaixada para a segunda divisão como punição.

Outro sancionado, o Milan começou a edição seguinte do Campeonato Italiano com oito pontos, enquanto que Reggina e Siena perderam 11 e 1 ponto, respectivamente.

A Itália já tinha sido palco de outro escândalo, no início da década de 1980. Campeão da Copa do Mundo com a seleção em 1982, Paolo Rossi — um dos principais nomes da conquista e carrasco do Brasil naquele mundial — havia sido suspenso por dois anos após se envolver no esquema que ficou conhecido como Totonero, uma loteria esportiva "informal", na qual dezenas de atletas estavam envolvidos.
 

Um caso curioso aconteceu com o lateral inglês Kieran Trippier, que fez uma aposta em sua própria transferência — do Tottenham para o Atlético de Madrid. Descoberta a fraude, ele foi suspenso por dez semanas pela federação de futebol da Inglaterra e recebeu uma multa no valor de 70 mil libras (cerca de R$ 432 mil na cotação atual).

Além do futebol, a NBA também foi palco de um escândalo envolvendo apostas esportivas. Em 2007, um relatório do FBI, a polícia federal americana, apontou que o árbitro Tim Donaghy havia apostado em jogos em que ele mesmo apitava. Ele acabou se declarando culpado, sendo condenado a um ano e três meses de prisão e mais três anos de liberdade supervisionada.

Entenda abaixo ponto a ponto o que se sabe sobre o caso descoberto no Brasil:

Como funcionam as apostas esportivas?
As apostas esportivas funcionam com uma cota fixa, com o valor do lucro em potencial já previsto no momento da escolha, e não podem sofrer alterações. O total é calculado com base na cotação da aposta (as chamadas "odds"), que é multiplicada pelo montante investido. É possível apostar em diferentes eventos que acontecem durante a partida, como placar final, time vencedor, quantidade de gols marcados, e também os chamados mercados secundários, que englobam número de escanteios, cartões, finalizações e outras estatísticas. Dentro dessas opções, também há outras divisões: as escolhas podem ser feitas direcionadas por jogador, por time, ou até por tempo de jogo em que o evento ocorre.

Como é possível manipular apostas?
A partir dos mercados disponíveis em cada partida, é possível escolher um evento e combinar antecipadamente com um jogador para fazer o resultado da aposta e já determinar o valor a ser pago para o atleta de antemão, levando em conta o lucro a ser recebido com a aposta. Por exemplo: o apostador acerta com determinado jogador que ele irá receber cartão vermelho num jogo específico. Naquela partida, a odd desse evento específico (jogador X vai receber cartão vermelho na partida Y) paga 10 vezes a cada real apostado. Ou seja, se o apostador investir R$ 1 mil nessa aposta terá um lucro de R$ 10 mil e repassará parte do valor ao jogador.

Para obter mais lucro, os apostadores fazem apostas casadas previamente combinadas com diversos jogadores. Dessa forma, o valor apostado será multiplicado pela soma das odds equivalentes à cada aposta. Por exemplo: o apostador faz acordo com jogadores de cinco clubes diferentes para que eles recebam cartão amarelo em suas respectivas partidas daquela semana. Se ele apostar R$ 1 mil e a soma das odds for 15, ele terá um lucro de R$ 15 mil.

Como funcionava o esquema denunciado pelo MP-GO?
Bruno Lopez, apontado como o chefe do esquema de manipulação de jogos, entrava em contato com jogadores, oferecendo uma quantia em dinheiro para cometer infrações. As denúncias mostram combinações para os atletas cometerem pênaltis e receberem cartões amarelos ou vermelhos. A esposa de Bruno, Camila Silva da Motta, era a responsável por fazer a transferência dos valores para os jogadores, em duas parcelas. Primeiro, um adiantamento era depositado na conta dos atletas, e o restante do valor era transferido caso o resultado se confirmasse. Alguns atletas, como Gabriel Tota, que era do Juventude e atualmente está no Ypiranga-RS, também estão sob investigação por aliciarem outros jogadores para participar do esquema criminoso.

Como o esquema foi descoberto?
Em novembro de 2022, o presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, recebeu informações de que Romário, volante do clube, havia sido cooptado por um grupo de apostadores para cometer um pênalti no duelo contra o Sport, na última rodada da Série B. A partir daí, ele iniciou uma investigação preliminar e chegou até Bruno Lopez, líder do grupo e responsável por entrar em contato com os atletas. Em fevereiro deste ano, o Ministério Público de Goiás deflagrou a primeira fase da operação Penalidade Máxima, apontando manipulação em quatro jogos da Série B e denunciando oito jogadores e mais seis integrantes da quadrilha.

As investigações continuaram e a segunda fase, deflagrada na última segunda-feira, revela que o esquema se estendeu até a jogos da MLS, liga de futebol dos Estados Unidos, além de manipular resultados de Estaduais e das Séries A e B do Brasileirão. Sete jogadores foram denunciados, quatro fizeram acordo com o MP para colaborar com a investigação e há ainda mais dezenas de atletas que são citados nas mensagens dos grupo, embora não tenham sido indiciados pelo MP.

O que acontece agora?
Oito jogadores, entre denunciados e citados na investigação, já foram afastados pelos clubes e não disputaram a quinta rodada da Série A, que começou nesta quarta-feira. O ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a Polícia Federal instaure um inquérito para realizar “as investigações legalmente cabíveis”. Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, corrobora com a ação da PF para “centralizar as ações” e informa que está “trabalhando em conjunto com a Fifa e outras esferas internacionais para um modelo padrão de investigação”. Ele afirmou ainda que “não há qualquer possibilidade de a competição atual ser suspensa”.

Os clubes podem ser punidos?
Não. Assim como as casas de apostas utilizadas para o esquema, os times que tiveram os jogadores envolvidos na denúncia são tratados como vítimas do grupo de apostadores, lesados pela organização criminosa. Os times também se colocaram à disposição do MP para colaborar com as investigações, além de repudiar os atos criminosos.

O Campeonato Brasileiro pode parar?
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) descarta paralisar o Campeonato Brasileiro. Também não há movimento nesse sentido por parte do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). A CBF deseja se reunir com os clubes para falar sobre o que já está sendo feito e quais medidas ainda pretende tomar para coibir a manipulação de jogos no país.

As apostas esportivas são legais no Brasil?
Em dezembro de 2018, um decreto assinado pelo então presidente Michel Temer (MDB) autorizou a operação das casas de apostas no Brasil. A Medida Provisória 13.756 estabeleceu algumas regras para o funcionamento das apostas de cota-fixa baseada em resultados de temáticas esportivas. A lei determina que as empresas que operam no Brasil sejam sediadas em outros países e não tenham pontos de venda físicos. Ou seja, funcionam apenas através de sites, hospedados em domínios de redes internacionais, e seguem a legislação do país de origem.

Em abril, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com representantes de casas de apostas para definir as regras da regulamentação, mas a nova Medida Provisória, que deverá ser assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda não está em vigor.