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Leve vantagem de Erdogan e nacionalismo em alta: entenda o inédito segundo turno na Turquia

Eleitores escolherão entre o presidente e seu principal rival, Kilicdaroglu, na rodada final marcada para 28 de maio após nenhum candidato conseguir 50% dos votos

Turquia: apoiador de Erdogan - Ozan Kose / AFP

A apertada eleição turca de domingo deixou claro que a fé popular no sistema eleitoral da nação continua firme apesar da guinada autocrática encabeçada pelo presidente Recep Tayyip Erdogan.

O mandatário, há 20 anos no poder, ainda é uma força política de peso no país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), peça-chave da geopolítica internacional, apesar de aparentemente não ter conseguido uma vitória no primeiro turno.

Com mais de 99% das urnas apuradas, nem Erdogan nem seu maior rival, Kemal Kilicdaroglu, político de centro-esquerda que encabeça uma aliança de seis partidos, conseguiram os 50% mais um voto necessários para liquidar a fatura sem um segundo turno. A rodada derradeira será dia 28 de maio, após uma quinzena que deve ser marcada por uma acirrada campanha.

Segundo a agência estatal Anadolu, com 99,87% das urnas apuradas, Erdogan tem 49,5% dos votos, contra 44,89% de Kilicdaroglu. O terceiro lugar é ocupado pelo ultraconservador Sinan Ogan, cujos 5,17% dos votos podem ser fundamentais se o país terá ou não um novo presidente. O quarto concorrente, Muharrem Ince, desistiu da candidatura na quinta, mas ainda assim recebeu cerca de 0,43% dos votos.

Erdogan, portanto, parece estar em uma boa posição para conquistar mais um mandato de cinco anos em uma eleição observada de perto pelo planeta. Além de integrar a Otan, a Turquia tem uma vastidão de laços diplomáticos e econômicos por vários continentes — a começar pela sua posição privilegiada entre a Europa e a Ásia — e sua aproximação crescente da Rússia vem causando desconfortos em aliados ocidentais.

 

Internamente, contudo, um fator fundamental é a economia, com o aumento da inflação e a destruição maciça causada pelos terremotos que mataram 50 mil pessoas no sul do país em fevereiro. A imprensa cada vez menos livre, o grande número de presos políticos e a erosão democrática também acendem alertas.  

Antes da eleição, a maioria das pesquisas mostrava uma leve vantagem para Kilicdaroglu. Os resultados preliminares, contudo, mostram que o apelo e a influência do atual presidente não podem ser descartados.

Veja abaixo quatro pontos-chave do pleito:

Segundo turno inédito
Esta é a primeira eleição na História turca em que nenhum candidato presidencial conseguiu uma maioria no primeiro turno. A indefinição dá início a uma complicada janela de duas semanas em que os candidatos farão de tudo para atrair mais eleitores.

O pleito de domingo foi o segundo desde um referendo apoiado por Erdogan em 2017 que transformou a Turquia em um sistema presidencialista — antes, vigorava no país o parlamentarismo. Erdogan venceu as duas últimas disputas presidenciais, em 2014 e 2018, de primeira e com vantagens significativas.

Ainda assim, sua incapacidade de repetir o desempenho no domingo deixa evidente que perdeu parte de seu apoio.

Erdogan tem vantagem
Erdogan parece ter a vantagem sobre Kilicdaroglu, a menos de um ponto percentual da maioria dos votos. Sem Ogan em cena, os 5,17% de eleitores que o apoiaram — muitos deles de direita — serão cortejados. A tendência natural é que a migração seja principalmente para Erdogan.

Na reta final para o pleito de domingo, Erdogan lançou mão descaradamente de recursos estatais para melhorar suas chances, como aumentar o salário de servidores públicos, o salário mínimo e outros gastos públicos para tentar mitigar os impactos mais imediatos da inflação alta — só no ano passado, a taxa anual excedeu 80%. Ele pode recorrer a ferramentas similares até o fim do mês.

Também ajuda Erdogan o bom desempenho de seus aliados nas eleições parlamentares, que ocorreram simultaneamente ao pleito presidencial de domingo. Resultados preliminares indicam que o governista Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, na sigla em turco) e seus parceiros devem manter o controle do Parlamento de 600 assentos, fortalecendo o argumento do presidente de que deve vencer para evitar um governo rachado que prejudique a eficiência do Estado.

Kilicdaroglu, por sua vez, acredita em sua vitória:

— Nós definitivamente vamos vencer e trazer a democracia para este país — disse ele.

Confiança nas eleições permanece alta
Pelo país e entre o eleitorado turco no exterior, a grande maioria dos 64 milhões de cidadãos aptos a votarem fizeram suas opiniões serem ouvidas. Alguns enfrentaram longas filas e voltaram para regiões destruídas pelo terremoto para o que muitos veem como um dever cívico.

Segundo o Conselho Supremo Eleitoral, o comparecimento ultrapassou 88%, taxa alta que não é rara na Turquia. Nas últimas eleições presidenciais e parlamentares, em 2018, por exemplo, cerca de 85% dos eleitores aptos foram às urnas. Desde 1983, a participação em qualquer pleito — incluindo para prefeitos e câmaras municipais — nunca ficou abaixo de 74%.

Para muitos cientistas políticos, a Turquia não é uma democracia livre, principalmente devido ao imenso poder exercido pelo presidente e sua capacidade de manipular o tabuleiro político a seu favor antes da eleição. A disputa, ainda assim, é levada a sério, e o próprio Erdogan durante a madrugada afirmou que estaria pronto a enfrentar o segundo turno se fosse necessário:

— Na minha vida política, sempre respeitei sua decisão — disse ele aos eleitores. — Espero a mesma maturidade democrática de todos.

Nacionalismo parece prevalecer
Tal qual em grande parte do mundo, os eleitores turcos parecem não ter priorizado a política externa, mas a decisão do presidente de apostar em uma retórica nacionalista durante a campanha aparentemente foi acertada tanto para ele quanto para seus aliados.

Durante a disputa eleitoral, Erdogan fez com que um navio de guerra atracasse no centro de Istambul para os eleitores visitarem. Reforçou suas críticas a Washington, e na véspera do pleito chegou a dizer sem mostrar provas que o presidente americano, Joe Biden, conspirava com a oposição para tirá-lo do poder.

O presidente e integrantes de sua coalizão também acusaram abertamente os opositores de cooperarem com terroristas porque receberam o apoio do principal partido pró-curdos do país. Os nacionalistas turcos com frequência acusam políticos curdos de apoiarem ou cooperarem com militantes curdos que travam um embate com o Estado há décadas.

Ogan, o terceiro colocado, concorreu defendendo a expulsão dos milhões de refugiados — principalmente sírios e iraquianos — que fugiram para a Turquia devido aos conflitos em seus países e criticou os opositores por receberem apoio dos curdos. No segundo turno, contudo, o candidato que conseguir de forma mais eficaz defender posições nacionalistas tende a se sair melhor.