MUNDO

"Poderia ser a cidade de vocês", alerta sobrevivente de Hiroshima

Masao Ito sobreviveu à primeira bomba atômica lançada pelos Estados Unidos

Autoridades japonesas em memorial construído na cidade de Hiroshima - Philip FONG / AFP

Em 6 de agosto de 1945, Masao Ito, então com quatro anos de idade, passeava em um triciclo perto de sua casa em Hiroshima (oeste do Japão), quando uma bomba caiu dos céus, mudando sua vida para sempre.

Ele sobreviveu à primeira bomba atômica lançada pelos Estados Unidos e conseguiu voltar para casa, mas o horror estava apenas começando.

Seu pai, que trabalhava perto do centro da cidade, procurou o irmão mais velho de Ito, de 12 anos, em um cenário apocalíptico. Quando encontrou-o, o garoto estava tão gravemente queimado que seus pais se recusaram a permitir que Masao o observasse. Ele morreu alguns dias depois em casa.

A irmã de Masao, de 10 anos, estava na casa de um parente próximo, que ficou totalmente destruída pela bomba.

"As pessoas que fugiram do hipocentro foram para a periferia, onde ficava nossa casa. Tiveram queimaduras terríveis e mal conseguiam andar", descreve Masao, hoje com 82 anos, em entrevista à AFP.

Seus pais convidaram os sobreviventes para descansarem em sua casa.

"Mas morreram, um atrás do outro", relembra.

Em meio ao calor de agosto, os corpos tinham de ser removidos, mas não havia cemitério para onde levá-los.

"Foram transportados para um espaço aberto, não em caixões, mas um em cima do outro. Aí derramaram gasolina para queimá-los", relata Ito.

"Foi simplesmente horrível, um cheiro horrível. Uma cena que eu gostaria de poder esquecer", desabafa.

Ex-funcionário de um banco e agora aposentado, Masao Ito trabalha há quase 20 anos como guia voluntário para o Museu do Memorial da Paz em Hiroshima e milita contra as armas nucleares.

Ele faz parte do número cada vez menor de "Hibakushas" da primeira geração, ou seja, os sobreviventes dos bombardeios atômicos que mataram 140.000 pessoas em Hiroshima, e 74.000, em Nagasaki. Esta semana, os líderes das democracias industrializadas do G7 se reunirão em Hiroshima.

"É melhor não ter armas nucleares"
Ito espera poder dizer a eles que, "se tiverem armas nucleares, podem se sentir tentados a usá-las, e acidentes podem acontecer". Por isso, "é melhor não tê-las".

Usando um broche que representa um míssil retorcido coroado por um símbolo antinuclear, ele reconhece que um mundo sem armas atômicas parece utópico, enquanto Rússia e Coreia do Norte "fazem ameaças regularmente".

 

Ainda assim, Ito acredita que, de Hiroshima, o G7 pode enviar uma mensagem clara aos líderes mundiais: "Enquanto houver armas nucleares, a sua cidade pode virar Hiroshima. Você está disposto a aceitar isso?".

A infância de Masao Ito foi destruída pela bomba. Seu pai morreu pelos efeitos da radiação e a empresa da família quebrou. Ele e sua mãe fugiram de Hiroshima para escapar de seus credores. Contraiu tuberculose e passou mais de um ano internado em um sanatório, onde recebeu um pacote americano com remédios e uma Bíblia.

Leu o livro, mas, ao se deparar com uma passagem exortando os cristãos a "amarem seus inimigos", sentiu raiva e jogou a Bíblia contra a parede.

"Por que eu deveria amar a América?", recorda-se de ter pensado na época.

Mais tarde, Ito se converteu ao cristianismo, mas sua raiva não diminuiu.

Com o tempo, e especialmente depois de conhecer americanos chocados com o que aconteceu em Hiroshima, seus sentimentos mudaram. Segundo ele, os jovens estudantes que integram os grupos turísticos que ele guia têm um papel importante a desempenhar.

"Não posso continuar para sempre. Eu digo a eles: 'Agora cabe a vocês conseguir um mundo sem armas nucleares'", ressalta.