BRASIL

Câmara dos Deputados aprova texto-base do projeto do arcabouço fiscal; entenda o projeto

Proposta foi aprovada por 372 votos a 108, na forma do parecer do relator, deputado Claudio Cajado

Votação do arcabouço fiscal na Câmara Federal - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados aprovou, no fim da noite desta terça-feira (23), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/23, do Poder Executivo, que fixa novo regime fiscal para as contas da União a fim de substituir o atual teto de gastos. A proposta foi aprovada por 372 votos a 108, na forma do parecer do relator, deputado Claudio Cajado (PP-BA).

Apenas a federação PSOL-Rede e a oposição orientou voto contra. O PL liberou a bancada.

Para concluir a votação, o Plenário precisa analisar os destaques que podem alterar pontos do texto. Na noite desta terça-feira (23), os deputados votaram um dos destaques, da Federação Psol-Rede, que pretendia retirar do texto o capítulo que trata das vedações de gastos impostas ao governo se a meta de resultado primário não for cumprida. Foram 429 votos a favor e 20 contra, mantendo-se o trecho.

A análise dos demais destaques foi transferida para esta quarta-feira (24), às 13h55. Em seguida, a sessão do Plenário foi encerrada. Após a votação na Câmara, o projeto irá para o Senado.

Prioridade do governo neste ano, o projeto foi enviado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad em abril. Desde então, foram semanas de reuniões para acertar o texto final. Novas mudanças foram feitas nesta terça para garantir a votação.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), encabeçou as negociações que acabaram endurecendo o texto sob protestos até mesmo de integrantes do PT.

Haddad atuou então para evitar que emendas do próprio partido ao relatório do deputado Cláudio Cajado (PP-AL). O temor do ministro era da pressão interna do partido fazer o texto não ser votado ou ser ainda mais apertado, em possível retaliação.

Cláudio Cajado - Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O texto foi levado a plenário ontem depois de o relator do projeto alterar três pontos sensíveis que vinham gerando críticas, especialmente de parlamentares do chamado Centrão: aumento de despesas em 2024, Fundeb (fundo de educação básica) dentro da regra e formas de contingenciamento em caso de descumprimento das metas.

— Agradeço, presidente Arthur Lira. Vossa excelência pode ter certeza de que escreveu esse relatório ao meu lado, ao lado dos líderes e ao lado de todos estes parlamentares. Podem ter certeza de que essa lei é melhor do que o teto de gastos, que se tornou anacrônico. Ele foi importante no passado, mas esse momento contemporâneo exige de nós uma lei moderna, contemporânea, que é o que nós estamos apresentando e iremos votar — disse Cajado, aliado fiel de Lira.

Além de partidos da oposição como o PL e o Novo, deputados do PSOL e da Rede votaram contra a proposta.

— Queremos mais investimentos públicos e não a destinação de recursos para os poderosos — disse Tarcísio Mota (PSOL-RJ).

O líder do PT, Zeca Dirceu (PR), disse que o texto não é perfeito, mas defendeu o projeto:

— O país vai perceber a redução do custo de vida, da taxa de juros. É um bom modelo, não é perfeito, mas permite avançar — afirmou.

Despesas em 2024 muda
Um dispositivo inserido no primeiro relatório de Cajado, e agora alterado, fixava uma alta real de 2,5% nas despesas em 2024. Esse é o limite máximo para o aumento de despesas acima da inflação previsto na regra fiscal.

Junto com uma mudança no cálculo da inflação, essa medida poderia ampliar os gastos no próximo ano. Agentes do mercado financeiro calculam que o extra chegaria a R$ 80 bilhões, o que é contestado pelo relator e pelo governo. Ambos estimam que as despesas aumentariam de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões em relação ao projeto do governo.

Pela regra original do arcabouço fiscal, as despesas podem subir o equivalente a 70% da alta real das receitas, respeitando o intervalo de 0,6% a 2,5% (acima da inflação). A primeira versão do relatório estabelecia porém que, em 2024, essa alta será de 2,5%, independentemente da arrecadação. Como a previsão de diversos especialistas é que as despesas subiriam abaixo desse teto, a diferença configura um gasto extra para o governo.

A mudança que foi feita agora é para atrelar esse gasto a uma eventual alta de arrecadação. Para 2024, o crescimento das despesas será apurado em dois momentos.

Primeiro, considerando a arrecadação acumulada entre julho de 2022 e junho de 2023.

Depois, considerando o ano de 2023 cheio (janeiro a dezembro) comparado ao projetado em 2024.

A diferença entre esses dois momentos, se for positiva, vira um aumento de despesas real limitada a 2,5%.

A justificativa é que o governo Lula não poderia ser penalizado por uma queda de receita do governo Bolsonaro. E que precisava capturar um aumento de arrecadação no segundo semestre deste ano.

Depois de 2024, o cálculo da despesa permanece sendo feito apenas em um momento, considerando a alta de arrecadação nos 12 meses encerrados em junho do ano anterior.

Cálculo da inflação
Outra mudança que leva ao aumento de gastos é com relação ao cálculo da inflação. O relatório de Cajado determina que a inflação usada para corrigir os gastos seja a calculada num período de 12 meses até junho do ano anterior.

Caso o IPCA do ano fechado seja maior, o relator permitiu que a diferença pode se tornar expansão de despesas. Os cálculos dos economistas para 2024 se baseiam no fato de que já se sabe que a inflação de 2023 (de janeiro a dezembro) será maior do que o índice registrado em 12 meses até junho de 2023. Isso está mantido no relatório.

Contingenciamento linear
Por pressão dos deputados, o relator também estabeleceu que um eventual contingenciamento (bloqueio) de despesas ao longo do ano para cumprir as metas fiscais será linear. Ou seja, precisará bloquear na mesma proporção os investimentos, o custeio da máquina pública e emendas parlamentares.

Os deputados pressionaram por essa mudança para garantir que não houvesse um tratamento diferenciado e apenas as emendas fossem bloqueadas.

Fundeb e DF
Havia pressão de parlamentares para excluir o Fundeb (fundo de financiamento da educação básica) do limite de gastos do arcabouço. O Fundeb, porém, continuará no limite de gastos.

— Vai ter um artigo que deixa claro que o crescimento (do Fundeb) de 2% a cada ano vai ser acrescentado na base, vai ser cumulativo. Isso garante que o Fundeb não terá competição com a base.

Na prática, é o crescimento real da despesa do Fundeb vai ser incorporada na base de cálculo, de maneira que não vai concorrer com outras despesas.

Também será mantido dentro do limite o Fundo para financiar os gastos do governo do Distrito Federal, o que vinha sendo criticado por parlamentares da região. Metade do orçamento do DF depende de recursos federais.

— Vou ter uma reunião com a bancada do GDF (governo do Distrito Federal) para mostrar que não vai haver prejuízo. O GDF vai ter sempre crescimento acima da inflação, com ganho real — disse Cajado.

Destaques
Foram apresentados cinco destaques de bancadas ao texto, que serão analisadas separamente. São alterações sugeridas pelos partidos, que precisam, necessariamente, serem votadas. O PSOL, partido da base do governo, apresentou um destaque para retirar do texto os gatilhos para sanções em caso de descumprimento da meta.

O União Brasil, também da base, não apresentou destaques, mas apoiou uma das emendas protocoladas pelo PL.

O partido de Jair Bolsonaro apresentou quatro destaques: voltar a ser crime de responsabilidade o descumprir da meta fiscal; retirada do fundo constitucional de banca gastos do Governo do Distrito Federal dos limites do arcabouço; retirar o piso de 0,6% para aumento de gastos, dessa forma os gastos poderiam crescer abaixo desse percentual; e eliminar a possibilidade de crescimento maior das despesas em 2024.

O deputado Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil, afirmou que eles não concordaram com a licença para um crescimento maior de gastos em 2024 e, por isso, apoiaram a apresentação de destaque do PL.

— (O ideal seria) suprimir. Fomos surpreendidos com esse artigo", disse — disse Elmar.

Como funciona a nova regra?
As despesas crescerão acima da inflação.

Pelo novo arcabouço fiscal, a alta será equivalente a 70% do incremento real da receita no ano anterior.

As despesas sempre crescerão entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação. O objetivo é criar um mecanismo anticíclico. Ou seja, em momentos de economia mais fraca, o gasto seria maior. E em momentos de alta, isso não vira gasto.

Metas com intervalo
As contas públicas perseguirão uma meta de resultado. O objetivo é zerar o déficit fiscal do governo em 2024.

Essa meta tem um intervalo de cumprimento em percentual do PIB. A meta estará cumprida se oscilar 0,25 ponto do PIB para cima ou para baixo.

Caso o resultado fique abaixo do piso da meta, os gastos no ano seguinte só poderão crescer o equivalente a 50% da alta real da receita.

Se o resultado ficar acima do limite da meta, o excedente será usado para investimentos.

Investimentos
Haverá um piso para os aportes em investimentos. Esse piso será de cerca de R$ 75 bilhões, que é o investimento deste ano, mais a inflação do ano. O governo pode gastar mais que isso, se desejar e encontrar espaço no Orçamento.

Caso o novo arcabouço seja aprovado e implementado, o governo prevê:
Zerar o déficit público da União no próximo ano;

Superávit de 0,5% do PIB em 2025;

Superávit de 1% do PIB em 2026.

Medidas de ajuste

O relator adotou medidas de ajuste fiscal caso a meta fiscal não seja cumprida. Essa meta será anual e fixada no início de cada governo. O resultado é a diferença entre as despesas e as receitas do governo.

O presidente Lula conseguiu garantir que o reajuste do salário mínimo fique fora das sanções previstas em caso de descumprimento da meta.

Caso a meta fiscal seja descumprida por um ano, o governo fica proibido de:

Criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

Alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

Criar ou majorar auxílios;

Criar ou reajustar despesas obrigatórias;

Conceder ou ampliar incentivos fiscais.

Se as metas foram descumpridas por dois anos, ficam proibidos, além de todas as medidas anteriores:

Aumento e reajuste de pessoal

Admissão de pessoal

Realização de concurso público

Presidente poderá fazer ajuste

Em caso de descumprimento da meta e acionamento dos gatilhos, o presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de projeto de lei com medidas de aumento de receita ou de corte de gastos. Caso essas medidas sejam sejam suficientes para ajustar as contas, os gatilhos serão reduzidos.

Despesas obrigatórias
O relator também incluiu outro gatilho para acionar medidas de ajuste fiscal. Esse gatilho será acionado caso as despesas obrigatórias do governo atinjam 95% dos gastos totais. Nesse caso, são acionados todas as medidas de ajuste fiscal previstas para o caso de descumprimento da meta, como reajuste para servidores. Hoje, a proporção de despesas obrigatórias é de 90%.

Contingenciamento
O relator também mudou a dinâmica de contingenciamento (bloqueio de despesas), caso se observe que a meta não será cumprida ao longo do ano.

Como é hoje: é feito um relatório a cada dois meses para verificar se a meta fiscal está sendo cumprida. Se não estiver, o governo precisa bloquear gastos para garantir o cumprimento da meta.

O que o governo propôs: seriam feitos relatórios em março, junho e setembro. Se esses relatórios identificarem que as metas não serão cumpridas, o governo não é obrigado a bloquear despesas.

O que o relator estabeleceu: voltam os relatórios bimestrais e o contingenciamento obrigatório, mas com limites. Será preciso preservar um nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública. Essas despesas são investimentos e manutenção da máquina pública. A cada ano, será definido esse nível mínimo, que não poderá ser menor a 75% das despesas totais.

Punição
O relator também fez alterações sobre a forma como o presidente da República será punido em caso de descumprir as metas fiscais.

Como é hoje: é crime de responsabilidade descumprir a meta fiscal.

O que o governo propôs: deixa de ser crime descumprir a meta.

O que o relator estabeleceu: só é crime se o governo não fizer contingenciamento, respeitados os limites estabelecidos na lei; e autorizar gastos como criação de cargos e auxílios mesmo se a meta for descumprida.

Debate em Plenário
Na fase de discussão em Plenário, a maioria dos deputados demonstrou preocupação com a manutenção de políticas públicas após a aprovação do arcabouço fiscal.

O texto do relator, deputado Claudio Cajado, estabelece um novo regime fiscal baseado na busca de equilíbrio entre arrecadação e despesas. Os gastos serão condicionados ao cumprimento de metas de resultado.