Protagonista de embates, Marina Silva sofre derrotas em série com o aval do Planalto
No mais simbólico dos reveses, comissão aprovou relatório que esvazia a pasta da ambientalista
Escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sinalizar à comunidade internacional o compromisso com uma gestão sustentável e a defesa do clima, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) enfrenta uma série de embates com colegas de governo, personagens do Congresso e aliados de seu próprio partido, a Rede.
Nesta quarta-feira (24), ela sofreu três derrotas no Congresso, todas avalizadas pelo próprio Palácio do Planalto. Na mais simbólica delas, uma comissão aprovou relatório que esvazia a pasta da ambientalista.
A ministra reagiu afirmando que a medida vai “fechar portas” para a gestão Lula. Além disso, ela entrou em rota de colisão com Alexandre Silveira (titular de Minas e Energia), a Petrobras e parlamentares da Região Norte ao travar a exploração de petróleo na região da foz do Rio Amazonas.
Com a anuência do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, comissão de deputados e senadores aprovou relatório da medida provisória da reestruturação dos ministérios no qual algumas pastas foram enfraquecidas.
A do Meio Ambiente, chefiada por Marina, perdeu a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Gestão, assim como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para o do Desenvolvimento Regional.
A dos Povos Indígenas, comandado por Sonia Guajajara, deixa de gerir a demarcação das terras indígenas, a cargo da Justiça. O relatório ainda precisa ser votado pelos plenários da Câmara e do Senado.
"Frustração" com Lula
Em outra frente, a Câmara rejeitou emendas propostas pelo Senado na MP que altera a Lei da Mata Atlântica. Com isso, volta a valer o texto que afrouxa as regras para desmatamento de áreas protegidas. O governo orientou a base a votar pela flexibilização. A matéria vai para a sanção do presidente da República. Além disso, o Planalto liberou os deputados na votação da urgência do projeto que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A urgência da proposta, que contraria Marina e a esquerda, foi aprovada.
Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, deixou claro nível de insatisfação ao falar em “certa frustração” com Lula.
— Não posso negar que há, sim, uma certa frustração. (...) Acho que o presidente Lula poderia ter entrado um pouquinho mais para impedir essa retirada do Ministério dos Povos Indígenas — disse Guajajara à GloboNews.
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, também lamentou os movimentos que atingiram Marina e Guajajara: “Muito ruim que a comissão mista que analisa a MP da reestruturação do governo tenha aprovado relatório que esvazia Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas”, escreveu nas redes sociais.
O parecer do relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, teve o endosso do governo. Como essa MP é válida só até 1º de junho, havia risco de que mais atrasos fizessem a norma perder o efeito, obrigando a retomada da estrutura deixada por Jair Bolsonaro.
Alexandre Padilha e o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) se reuniram em momentos diferentes com Bulhões , antes da votação do relatório, e entraram em acordo sobre o texto. Na prática, cederam nos tópicos que atingiram Marina.
Para integrantes da base, o Planalto demorou para se organizar e pressionou pouco o relator para que o texto fosse conhecido com mais antecedência. O “abandono” de Marina acontece em meio a conflitos entre ela, Randolfe e lideranças do Congresso.
Em declaração que acirra ainda mais o clima com a bancada ruralista, Marina criticou, em audiência na Câmara, as práticas de desmatamento do que ela classificou de “ogronegócio”, num trocadilho com “agronegócio”:
— O governo vai apostar nessa transição (para agricultura de baixo carbono). Para que a gente tire o agronegócio brasileiro da condição de “ogronegócio”. Porque uma boa parte já está fazendo o dever de casa, e a parte que não faz, contamina todo resto.
O perfil no Twitter do PT no Senado comemorou a aprovação do parecer de Bulhões. Após críticas, fez novas postagens afirmando que “a maioria do Congresso impediu que a extrema-direita derrubasse a MP” e que o desejo é que “toda a estrutura do governo Lula seja mantida tal qual foi planejada pelo presidente”.
A titular do Meio Ambiente criticou o iminente esvaziamento de sua pasta e disse que a credibilidade de Lula não será o suficiente para garantir a boa imagem ambiental do país no exterior:
— Isso vai fechar todas as nossas portas — disse Marina à Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Ela estava acompanhada do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. O órgão foi o responsável pelo veto à licença para a Petrobras perfurar um poço para estudar a viabilidade da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.
Em uma indireta a Marina, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) subiu o tom ao afirmar que o país não precisa de outra marca na área ambiental, além de Lula:
— O embaixador do meio ambiente do Brasil, reconhecido mundialmente, é o presidente Lula. E a gente não precisa de outro.
Outros tropeços
A ministra do Meio Ambiente também enfrenta crises em seu próprio partido. Na semana passada, Randolfe Rodrigues, único representante da Rede no Senado, anunciou sua saída da sigla em meio a desentendimentos com Marina. Fundadora da sigla, ela perdeu disputa em abril com a ex-senadora Heloísa Helena pelo comando da Rede.
Marina operou uma volta por cima na política no último ano, quando se reaproximou de Lula, após uma década e meia de cisão, para derrotar Jair Bolsonaro nas eleições. Mas agora reedita cabos de guerra que remetem aos episódios que a levaram a deixar a segunda gestão de Lula, em maio de 2008, deixar o PT posteriormente.
Naquele ano, a interferência do ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, na área de meio ambiente, com o aval de Lula, foi o estopim para a saída de Marina. Marina já havia sofrido desgaste ao negar licença para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte , em razão do risco para uma espécie de bagre.
Quinze anos depois, porém, houve mudanças significativas no cenário político. Com o intuito de se contrapor a Bolsonaro, a agenda ambiental teve um peso maior na campanha de Lula em 2022.