Entrevista: "Procurei Lira, mas ele fechou as portas" diz Deltan sobre cassação
Deputado afirma que presidente da Câmara ignorou pedido de reunião e mensagens sobre decisão do TSE
Com o mandato de deputado cassado por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos-PR) se queixou de que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem recusado seus contatos para falar sobre o processo, que ainda precisa passar por um trâmite da Mesa da Casa. Deltan afirmou que sente uma "falta de acolhimento" por parte de Lira.
O deputado, no entanto, disse que ainda conversa com outros parlamentares, incluindo integrantes da Mesa Diretora da Câmara para reverter a cassação, que também foi tema de uma conversa dele com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber.
O senhor tem esperança de recuperar o mandato? Qual a estratégia, além de recorrer ao STF?
A manutenção do mandato é difícil, mas é possível. Existem dois caminhos: um é por meio da decisão da Câmara, que em atenção à ampla defesa que prevê a Constituição, examine a existência de uma quebra de imparcialidade, inconstitucionalidade e perseguição política executada em um julgamento.
Existe também a possibilidade de uma medida no Supremo Tribunal Federal que reverta a decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, não demonstrou muita disposição de reverter o resultado ao responder uma questão de ordem da presidente do Podemos, Renata Abreu.
Eu fiquei até surpreso, porque ele interrompeu a fala dela, e ela não pôde apresentar por completo o fundamento técnico e jurídico do pedido. De todo modo, essa questão vai ser apreciada, a partir da entrega da minha defesa, pela Mesa da Câmara, que é composta por sete deputados e que vão ponderar se vão dar ou não uma ampla defesa nos termos que a Constituição prevê.
A Constituição não prevê uma simples execução da decisão judicial (do TSE). Há possibilidade de reapreciar o contexto daquela decisão.
Já procurou Lira?
Eu procurei o presidente da Câmara. Mandei mensagem para ele, minha assessoria tentou agendar uma reunião, mas ele fechou as portas, não respondendo às mensagens e aos nossos pedidos. Tentei inclusive falar com a chefe de gabinete dele algumas vezes. Ao mesmo tempo que vejo uma falta de acolhimento do presidente da Câmara, eu vejo um amplo acolhimento dos deputados da Casa.
Na primeira coletiva que fizemos após a cassação havia ali mais de 50 deputados de 11 diferentes partidos que representam mais de 10 milhões de votos. Todos expressando sua solidariedade e a sua indignação com o cerceamento da soberania popular expressada pelo voto.
Buscou outros membros da Mesa Diretora da Câmara para falar sobre a cassação?
Temos mantido uma interlocução com diferentes membros da Mesa Diretora para apresentar nosso caso. Afinal de contas, eles que vão decidir. Tem sido uma interlocução respeitosa de apresentação de caso e institucional.
O partido de Lira e ele próprio já foram alvos da Lava-Jato, assim como diversos outros deputados. Depender deles não dificulta a tentativa de reverter a cassação?
Arthur Lira e o pai dele (o ex-senador Benedito de Lira) chegaram a ser investigados e acusados na Lava-Jato, inclusive por nós, em Curitiba, na área de improbidade administrativa, em ações que foram depois suspensas pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em uma ação sigilosa.
A nossa atuação foi profissional, dentro da lei, jamais tratou de algo pessoal. Agora, compreendo que pessoas que são investigadas, tornadas rés em processos, possam se sentir pessoalmente atingidas, ainda que não seja para nós, de forma alguma, uma questão pessoal. Independentemente da figura do presidente da Casa, o fato é que o nosso trabalho acabou atingindo o interesse de muitas pessoas poderosas em Brasília: presidentes de partidos, líderes de partidos, que influenciam os rumos da política do país, a escolha de integrantes do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público, que influenciam a escolha de membros de tribunais.
Quando existe esse ambiente de animosidade, em que, para ilustrar na figura do presidente da República, Lula falou que buscava uma vingança, é claro que se cria um ambiente inóspito para quem atuou no combate à corrupção no passado.
Conversou sobre a cassação com a presidente do STF, Rosa Weber?
Foi uma reunião que havia sido planejada há várias semanas, antes de sequer ser pautado o meu recurso no TSE, e que tinha por objeto uma apresentação e defesa das pautas anticorrupção, de cuidado com as pessoas.
Diante da decisão do TSE, de passagem, eu mencionei e expliquei o que tinha acontecido nesse caso (da cassação). Agora, o objeto da reunião não era esse. Ela só ouviu. Só apresentei perspectivas sobre o objeto original da reunião e rapidamente apresentei perspectivas sobre essa decisão do TSE.
Procurou outros ministros do STF e do TSE?
Tenho relação de respeito e admiração com os ministros, mas não tenho relação de amizade pessoal com nenhum deles.
O Podemos tem um diálogo aberto com o governo Lula, já indicou cargos e tem o vice-líder do governo na Câmara. Não é contraditório estar no partido, já que o senhor é de oposição?
O Podemos é um partido independente e que me assegurou ampla independência na tomada das minhas posições em relação às pautas que eu acredito. É um partido que tem, dentro do estado do Paraná, o senador Oriovisto, tinha o senador Alvaro Dias (não foi reeleito) e tinha o senador Flávio Arns (mudou para o PSB), que são muito respeitados no sistema político.
Vê risco de o senador Sergio Moro, que também responde a ação na Justiça Eleitoral, sofrer um revés?
Vejo. Nós vimos a cassação de um mandato fora das hipóteses legais de alguém que combateu a corrupção. O Brasil está caminhando cada vez mais para o exercício do direito da força em vez da força do direito. Precisamos restaurar a institucionalidade, o império da lei e a democracia. Isso depende da tomada de posição e da ação das pessoas, sempre pelos canais democráticos
A Lava-Jato perdeu muita força. Acha que Moro ter deixado de ser juiz para virar ministro de Bolsonaro contribuiu para isso?
A reação do sistema corrupto contra a Lava-Jato era evitável? Se era evitável, onde os agentes que atuaram na Lava-Jato podem servir melhor à resistência do desmonte da operação?
A nossa referência é o passado, especialmente a Operação Mãos Limpas, em que os agentes da lei combateram aqueles que estavam acima da lei e os donos do poder reagiram enterrando investigações e se vingando dos agentes.
A decisão do ex-juiz Sergio Moro de sair da magistratura para ir ao Ministério da Justiça pode estar sujeita a críticas, sim. Contudo, eu não duvido da intenção dele de buscar contribuir para que a mesma reação que aconteceu na Operação Mãos Limpas na Itália não acontecesse no Brasil, ou se acontecesse, fosse com uma força menor.
Teve algo que fez na Lava-Jato que teria feito diferente? As mensagens vazadas que mostram o senhor e Moro dialogando sobre os casos não dão munição para aqueles que dizem que as sentenças foram injustas?
Qualquer coisa que a gente fizesse seria usado para questionamentos. Não se trata do que aconteceu, se trata de quem tem poder. Certamente, a Lava-Jato errou em algum momento, porque foram dezenas de milhares de atos praticados por centenas de agentes públicos.
Seres humanos estão sujeitos a erros. Agora, até onde é do meu conhecimento jamais houve um erro intencional, jamais alguém viu uma linha da lei e disse: "Vou ultrapassá-la". A Lava-Jato não paga por eventuais erros, ela certamente paga e caro por seus acertos, por ter responsabilizado quem ela responsabilizou.