Com crise na articulação política do governo, Congresso deixa MPs de Lula perderem a validade
Outras medidas do governo podem ficar com a tramitação travada enquanto articulação não avança
Com a crise na articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso, duas medidas provisórias enviadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vão perder a validade nesta sexta-feira sem terem sido apreciadas. Após um impasse no início do ano sobre o rito das MPs, o governo chegou a dizer que tentaria incorporá-las a outra medidas, o que acabou sendo rejeitado pelos parlamentares.
Outras cinco MPs foram votadas nas suas últimas horas de vigência ou não perderam a eficácia porque foram incorporadas a outros instrumentos legislativos. Algumas, por exemplo, viraram emendas em outros textos. Para todos eles, o governo precisou fazer uma manobra para garantir a validade do conteúdo.
Todos os textos foram enviados pelo presidente Lula nos primeiros dias de seu mandato. As MPs têm efeito imediato, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120 para serem transformadas em lei sob o risco de perderem a eficácia. O governo não pode enviar duas MPs sobre o mesmo assunto em um mesmo ano.
Entre as medidas que foram aprovadas às vésperas da sua validade está a que montou a estrutura da esplanada de Lula. A MP finalizou sua tramitação no Congresso nesta quinta-feira, último dia de vigência. Se a medida não fosse aprovada, Lula teria que governar até o próximo ano com a estrutura de governo montada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Apesar de ter tratado a votação às pressas com certa tranquilidade nesta quinta-feira, Lula precisou entrar em campo pela primeira vez para garantir a votação da medida na Câmara dos Deputados, na quarta-feira. Além de um telefonema para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) horas antes da votação, o presidente também se reuniu com o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), um dos principais insatisfeitos com a articulação política do governo.
Veja como estão outras medidas do governo:
Medidas que perderam a validade:
MP do Coaf: A medida enviada pelo presidente Lula transferia o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para o Ministério da Fazenda. Com o encerramento do prazo, o órgão segue no BC.
No início do governo Bolsonaro, o Coaf foi transferido para o Ministério da Justiça, passou pelo ministério da Economia e chegou, finalmente, no Banco Central.
MP da extinção da Funasa: A Extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foi uma batalha dupla perdida pelo Palácio do Planalto.
O presidente Lula enviou uma MP para tratar exclusivamente da exclusão do órgão, mas o texto não tinha sinal de que seria votado.
O dispositivo acabou sendo incorporado na MP da estrutura dos ministérios pelo relator, mas os deputados rejeitaram a extinção e aprovaram uma sugestão do PL para manter a fundação.
MP que virou projeto de lei:
MP do Carf: A MP estabelecia o "voto de qualidade" a favor do Fisco, favorecendo o governo em caso de empates em julgamentos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
O governo, no entanto, enviou para o Congresso um projeto de lei para regulamentar mudanças no Carf, incluindo o voto de qualidade. O texto também traz alguns parâmetros para que os contribuintes mantenham "conformidade tributária".
O voto de qualidade, na prática, garante a vitória da Receita Federal em caso de empates nos julgamentos do Carf. Ele foi extinto em 2020 e voltou a vigorar em janeiro, após uma medida provisória do governo federal. O Executivo busca, com o PL, a aprovação definitiva da medida no Congresso.
O Palácio do Planalto chegou a afirmar que havia um acordo para a instalação de uma comissão para a apreciação do conteúdo da MP, mas acabou ficando acordado com o presidente da Câmara, Arthur Lira, que o texto tramitaria como um projeto de lei. Com isso, Lula ainda tem chance de emplacar as mudanças.
MP do Auxílio Gás: O texto que garantia o pagamento complementar do Auxílio Gás perderia a validade nesta sexta-feira, mas acabou sendo incorporado ao texto que recriou o Bolsa Família, que já foi aprovado pelo Congresso Nacional. A manobra tentou garantir a continuidade do auxílio extra sem riscos.
Nesta quinta-feira, Lula editou um decreto garantindo o pagamento de um valor extra no auxílio até dezembro para manter a continuidade enquanto a matéria espera a sanção presidencial.
MP da Desoneração dos Combustíveis: O texto enviado por Lula zerava o PIS/Pasep e Cofins no diesel, biodiesel, gás liquefeito de petróleo, derivado de petróleo e de gás natural até o fim de 2023.
Trechos da MP foram incorporados em um outro instrumento enviado pelo ex-presidente Bolsonaro, aprovado pela Câmara em abril.
O relator da medida era o líder do governo do presidente Lula na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE), que aproveitou a oportunidade para contornar a queda de braço entre Câmara e Senado sobre o rito de tramitação das MPs, que travou o avanço das matérias no Congresso.
MP com a exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins: O texto que excluía da base de cálculo o PIS/Pasep e Confins do ICMS também foi incluído no texto enviado por Bolsonaro.
Congresso insatisfeito
Insatisfeito com a articulação política do Planalto, Lira afirmou a interlocutores que não pautará mais nenhum projeto de interesse do governo na Casa enquanto não houver mudanças na articulação com parlamentares.
A mudança na postura de Lira leva aliados do Palácio do Planalto a verem risco de não conseguir aprovar a tempo outras duas medidas provisórias (MPs) que estão perto de caducar e envolvem temas tidos como prioritários para o governo.
Entre elas, estão a que retomou o programa Mais Médicos e que instituiu o novo Minha Casa Minha Vida, que expira no próximo dia 15 e é motivo de apreensão, já que não há base constituída para a aprovação. Quanto ao Mais Médicos, ainda há prazo para manobra.