UE move ação contra Polônia por lei contra influência russa que ameaça opositor do governo
Ex-premier Donald Tusk, principal crítico do governo e líder nas pesquisas para as eleições parlamentares de outubro, é visto como alvo principal da medida
A Comissão Europeia — que é o braço executivo da União Europeia — anunciou, nesta quarta-feira, a abertura de um procedimento de infração contra a Polônia pela aprovação de uma lei que cria uma comissão para investigar o que governo polonês classificou como “influência russa” no país.
Críticos dentro e fora da Polônia apontam a medida como uma manobra para tentar afastar da vida pública o líder de oposição Donald Tusk, no momento em que o país prepara eleições legislativas para outubro e que o partido de Tusk assumiu a liderança nas pesquisas.
A lei foi aprovada no Parlamento e sancionada pelo presidente ultraconservador Andrzej Duda — do partido Lei e Justiça, o mesmo que controla o governo parlamentarista da Polônia — na semana passada. Ao mesmo tempo em que Varsóvia vem se posicionando fortemente contra a invasão da Ucrânia pela Rússia e oferecendo apoio incondicional a Kiev, o governo polonês é acusado de tentar usar a aversão a Moscou para justificar medidas anti-democráticas dentro do país.
A nova lei autoriza a criação de um comitê especial para investigar a “influência russa” sobre políticos, jornalistas e outros cidadãos poloneses que possam ter favorecido interesses de Moscou, no período entre 2007 e 2022. A iniciativa foi apelidada de Lei Tusk pela imprensa independente e por críticos do presidente, em referência ao líder de oposição ser amplamente visto como o alvo da medida. Tusk foi primeiro-ministro da Polônia entre 2007-2014 e o partido dele, o Plataforma Cívica, assumiu a liderança nas pesquisas para a disputa legislativa de outubro.
Além de criar o comitê de investigação, a lei determina que quem for considerado culpado pela comissão (sem participação do judiciário) poderá perder o direito a ocupar cargos públicos com prerrogativa de decisão sobre recursos públicos por até 10 anos.
Estados Unidos e União Europeia criticaram duramente a medida. Na sexta-feira, Duda tentou amenizar as reações e anunciou o envio de uma emenda para retirar as sanções previstas na lei. Mesmo assim, o gabinete do presidente declarou que a investigação é "assunto de política doméstica da Polônia".
Meio milhão nas ruas
A controvérsia em torno da lei pode ajudar a impulsionar a campanha dos opositores. A oposição liderada por Tusk organizou um protesto em Varsóvia, no domingo, contra o governo e a erosão dos valores democráticos que reuniu meio milhão de pessoas — a maior manifestação popular desse tipo desde 1989, quando caiu a ordem comunista então vigente no país, em meio ao fim da Guerra Fria e à derrocada da União Soviética.
A coalizão opositora de Tusk cresceu seis pontos percentuais nas pesquisas, desde março, atingindo 32% das intenções de voto, de acordo com uma pesquisa da Kantar, feita entre os dias 5 e 6 de junho — logo depois do protesto. O apoio ao partido do governo (Lei e Justiça) e seus aliados permaneceu com os mesmos 31%. Foi a primeira vez que Tusk — que foi presidente do Conselho da Europa — assumiu a liderança desde fevereiro. No entando, com esse resultado, se as eleições fosse hoje, o líder opositor ainda precisaria forjar uma frente mais ampla de partidos para formar um governo.
Bruxelas X Varsóvia
Não é a primeira vez que os retrocessos na democracia polonesa provocam disputas legais no âmbito da União Europeia. Na segunda-feira, o Tribunal de Justiça do bloco determinou que a controvertida reforma do sistema judicial polonês viola a legislação comunitária. Foi a derrota final em um processo que já acumula para Varsóvia um total de 556 milhões de euros (R$ 2,9 bilhões) em multas.
Na decisão, o tribunal sediado em Luxemburgo afirmou que as tentativas do governo polonês de limitar o trabalho de juízes "infringem a lei da UE" tanto em sua versão original quanto nas alterações feitas a posteriori para tentar agradar Bruxelas. Segundo o veredicto, as medidas para controlar o trabalho dos juízes "não satisfazem os critérios de independência e imparcialidade" da lei europeia.
O processo refere-se à reforma judicial feita em 2019, já no governo do partido ultraconservador Lei e Justiça , no poder desde 2015. A reforma limitava ainda mais os poderes dos juízes após a criação, dois anos antes, da Câmara Disciplinar na Suprema Corte, para supervisionar os juízes poloneses.
Ele tinha capacidade de suspender sua imunidade para expô-los a processos criminais ou cortar seus salários, o que críticos e opositores dizem ter como objetivo punir magistrados que criticarem o partido. Ela foi abolida em julho do ano passado, após intensas críticas.
A reforma também vetava os juízes de questionarem a legalidade na nomeação de outros magistrados e os obrigava a divulgar informações sobre os clubes, organizações não governamentais ou partidos políticos a que pertencem.
Antes, o Tribunal de Justiça da União Europeia havia determinado que uma medida de 2017 para reduzir a idade da aposentadoria obrigatória era ilegal e, em 2021, rechaçou a Câmara Disciplinar, demandando que fosse revista. (Com AFP e Bloomberg)