Pedestres relatam episódios de violência e sentimento de insegurança na região central do Recife
Assaltos na região central da capital pernambucana têm acontecido com frequência
A Ponte Maurício de Nassau, um dos principais acessos ao Bairro do Recife para quem anda a pé, e os arredores da Praça da Independência – conhecida popularmente como Praça do Diário –, no bairro de Santo Antônio, tornaram-se pontos críticos da capital pernambucana quando o assunto é violência.
A insegurança de quem caminha pelas ruas da região central, inclusive no Recife Antigo, está relacionada a roubos de celulares, bolsas, relógios e outros diversos itens. Relatos de assaltos com armas brancas, praticados nos mais diversos horários, têm se tornado constantes.
Uma das vítimas, a estudante Maria Clara Jordão, de 21 anos, contou que estava a caminho do trabalho por volta das 7h em uma terça-feira de maio, quando foi abordada por dois homens no cruzamento entre a Avenida Martins de Barros e a Rua 1º de Março, antes da Ponte Maurício de Nassau. “Eu tinha acabado de descer do ônibus, era pouco antes das 7h, na Praça do Diário, e estava passando no cruzamento onde fica a Casa do Pão quando dois rapazes com uma faca vieram no sentido contrário e me colocaram na parede”, disse de início.
“Achei que eles iam levar a bolsa, mas disseram que só queriam o celular. Até ofereci dinheiro, mas eles estavam bem nervosos e agitados e disseram que só queriam meu celular, então entreguei”, contou a vítima.
Segundo ela, não havia muito movimento de pessoas nas ruas naquele horário, assim como policiamento. A primeira ajuda veio de um anônimo, instantes após o assalto. “Na hora não estava passando ninguém na rua. Quando virei na esquina, um vigia me viu nervosa e perguntou o que tinha acontecido, aí contei. Eu atravessei a rua e fiquei nervosa, porque achei que eles estavam me seguindo”, completou Maria.
Relatos como o de Maria Clara são frequentemente compartilhados com a comerciante Teresa Júlia, de 63 anos, que tem um fiteiro na Marquês de Olinda, uma das vias mais movimentadas do Bairro do Recife. “Sempre chega gente aqui dizendo que acabou de ser assaltada ou na ponte [Maurício de Nassau], ou antes dela”, disse Teresa.
“Eu tenho até medo de atravessar essa ponte. Cada ponte dessa deveria ter policiamento, porque evitaria os ataques com armas brancas que têm acontecido ultimamente. Aqui é uma ilha, se tivesse uma guarita em cada acesso ao Antigo, poderia evitar que esses casos acontecessem”, finalizou a comerciante.
A poucos metros da Maurício de Nassau, a Praça da Independência (também chamada de Praça do Diário) costuma ser um dos lugares evitados pelos transeuntes mais “ligados”. Mesmo em horários de maior movimento, há relatos de assaltos nas imediações do local.
A assistente social Kátia Dantas, de 52 anos, que trabalha no Recife Antigo e precisa ir à Avenida Dantas Barreto para pegar ônibus, diz que nunca foi vítima, mas já presenciou ações criminosas na praça.
Em uma delas, segundo Kátia, houve reação dos pedestres, que teriam identificado o suposto assaltante. “Foi um tumulto. Um monte de gente foi para cima do homem que tinha pegado um celular. Passou um carro da polícia e o pessoal tentou parar, mas eles seguiram direto”, relata a assistente social.
“Eu não me sinto segura andando por aqui, de jeito nenhum. Só ando porque preciso andar. Não gosto de me expor, não ando com nada à mostra, e o celular está sempre no silencioso e guardado”, complementou a mulher.
No Bairro do Recife, inclusive, há horários considerados mais “perigosos” pelos que frequentam o local diariamente. “O pessoal que trabalha por aqui, principalmente as mulheres, têm medo de pegar ônibus, de ficar esperando nas paradas. A gente até vê policiamento, mais no final de semana, mas ainda tem perigo”, diz a comerciante Claudete Ribeiro, de 58 anos, que trabalha em um dos fiteiros localizados na Avenida Rio Branco.
Estatísticas de roubos e furtos na Região Central do Recife
Nos cinco primeiros meses deste ano, segundo a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE), 8.863 crimes violentos contra o patrimônio (CVP) foram registrados no Recife. Esse número engloba "crimes classificados como roubo, extorsão mediante sequestro e roubo com restrição da liberdade da vítima", além de “dados de roubo a ônibus, veículo, carga, agência bancária, caixa-eletrônico e carro forte”, segundo a Secretaria.
Somente a quantidade de ocorrências registradas entre os meses de janeiro e maio, é superior às estatísticas de CVPs em 2022, 2021 e 2020 na capital pernambucana. Caso essa média se mantenha, até o final do ano o número de CVPs deve superar 21 mil - o que não acontece desde 2019.
A Folha de Pernambuco solicitou à SDS-PE o detalhamento dos crimes, a fim de saber quantas ocorrências foram registradas nos bairros do Recife, de Santo Antônio e São José, todos localizados na região central da capital. No entanto, a SDS afirmou que " não divulga estatísticas por bairro, uma vez que se trata de informações estratégicas para a segurança e não interessa alimentar a especulação imobiliária e estigmatizar localidades".
No entanto, a SDS-PE revelou os dados da Área Integrada de Segurança 1 (AIS-1), que engloba os Boa Vista, Cabanga, Coelhos, Ilha do Leite, Ilha Joana Bezerra, Paissandu, Bairro do Recife, Santo Antônio, Santo Amaro, São José e Soledade. Nessas localidades, foram registradas 2.487 ocorrências de roubo e 3.704 casos de furto do início do ano ao fim de maio.
Já a Prefeitura do Recife, por meio de nota, disse que a responsabilidade pela segurança pública nas ruas é do estado. Usando como referência a Constituição Estadual, a gestão municipal citou o art. 101 da carta, que diz que "a Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio e asseguramento da liberdade e das garantias individuais através da Polícia Civil e da Polícia Militar”.
Sem registros online, vítimas têm que ir às delegacias
Após o assalto à mão armada, a estudante Maria Clara Jordão tentou usar um recurso do seu celular para localizar o aparelho, na expectativa de recuperá-lo. Ela também teve que ir até uma delegacia para registrar o caso, já que o registro de boletins de ocorrência para roubo deixou de existir de forma online desde a terceira semana de maio, por decisão da Polícia Civil de Pernambuco.
A medida foi questionada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que, através do Centros de Apoio Operacional (CAO) Defesa Social e Controle Externo da Atividade Policial, cobrou explicações à SDS-PE sobre a medida. Por meio de uma nota, o MPPE disse que está “solicitando esclarecimentos sobre a retirada da funcionalidade de registro de boletim de ocorrência de roubos através da internet” e que “aguarda a resposta da SDS detalhando as justificativas para a adoção dessa medida”.
“Assim que entrei na opção [do rastreio do celular], a localização estava desativada e eu não consegui ver. Como agora não se faz mais boletim na internet, tive que ir na delegacia. Fiz o boletim e por volta das 10h40, recebi uma mensagem da localização, dizendo que meu aparelho já estava no Cabo de Santo Agostinho, mas logo depois desativaram”, pontuou Maria sobre as providências tomadas após o assalto.
Com esse sinal, ainda que instantâneo, a estudante achou que ficaria mais fácil receber ajuda da polícia para recuperar seu bem. Mas isso não aconteceu.
“Falaram para eu ligar para o 190 e mostrar a localização, aí liguei e a moça foi bem impaciente, dizendo que não poderia resolver a minha situação e que eu tinha que ir para uma delegacia”, disse.
Em uma segunda delegacia, Maria foi informada de que teria que ir em outra unidade, próxima de onde o celular supostamente estava. “Fui em uma delegacia em Piedade e lá disseram que eu teria que ir ao Cabo, porque a localização estava para lá”, afirmou.
Mas esse ainda não era o desfecho da história que vivenciou semana passada. “Depois, me orientaram a ir até a delegacia onde o boletim foi registrado, garantindo que eles é que ficavam encarregados disso. Voltei lá no outro dia, mas ouvi que não podiam fazer nada, porque não era uma localização precisa e sugeriram que eu fosse até lá e ligasse para o 190. Disseram ainda que não poderiam sair de lá, porque nem gente suficiente tinha”, disse a estudante, que optou em não ir até o local onde supostamente estava seu celular.