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Amazônia, a última fronteira indígena do Vale do Javari

A segunda maior reserva indígena do Brasil é considerada um dos últimos refúgios dos povos originários

Vale do Javari. A Unijava cobra o aprofundamento das investigações sobre ilícitos praticados na região, onde há 64 aldeias de 26 povos, e cerca de 6,3 mil pessoas - Divulgação / Polícia Federal

Os defensores dos povos originários frequentemente lembram que os últimos indígenas não contatados da Amazônia não são relíquias ou vestígios de um mundo antigo. Eles são nossos contemporâneos e uma parte essencial da diversidade humana.

O fascinante Vale do Javari, uma vasta extensão de floresta densa no noroeste do Brasil, é considerado um dos últimos refúgios desses povos não contados no planeta.

Segundo a ONG Survival International, seria melhor falar de comunidades em isolamento voluntário.

Esses indígenas já tiveram a civilização moderna, mas agora recusam qualquer contato prolongado e escolheram se manter isolados nas florestas da floresta.

"Sabemos muito pouco sobre eles, exceto que recusaram qualquer contato, muitas vezes após testemunharam violências (das quais foram vítimas) e testemunhas por estranhos", ou desde o boom da borracha, durante o qual milhares deles foram escravizados e mortos, explica a ONG.

As imagens aéreas de alguns desses homens seminus, surpresos e armados em seu acampamento perdido na floresta imensa, deram uma volta ao mundo.

"As poucas vezes em que foram vistos ou encontrados, ficou claro que queriam ser deixados em paz", diz a Survival. "Às vezes, reagem de forma agressiva (...) ou deixe sinais na floresta para avisar os estranhos para não se aproximarem".

O Vale do Javari, a segunda maior reserva indígena do Brasil, localizada no Amazonas, abrange 8,5 milhões de hectares, uma área do tamanho de Portugal.

Criada em 2001, resultou na remoção de minorias pioneiras e colonos que viviam às margens dos rios há anos e que agora nutrem forte ressentimento em relação aos indígenas.

Refugiados nas cidades de Atalaia do Norte e Benjamin Constant, nas proximidades do Javari, esses "ribeirinhos" consideram-se os proprietários do vale e de suas riquezas. Eles compõem a maioria dos pescadores, madeireiros e caçadores que entram ilegalmente na reserva, teoricamente protegidos para não indígenas.

Porrete e sequestro
Cerca de 6.300 indígenas vivem no Vale do Javari, pertencentes a sete povos de dois grupos linguísticos distintos (Pano e Katukina), além de 19 grupos isolados registrados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), responsáveis pela proteção desses pobres.

Os mais antigos contatados são os marubo, matsés, matis, kanamari e kulina pano. Os korubo (famosos por seus porretes usados como armas) e os tsohom-dyapa tiveram contatos mais recentes com o mundo exterior.

Os últimos povos isolados ainda são nômades, compostos por famílias forçadas que se deslocam pela floresta de acordo com as estações e a caça. Às vezes, deixe intencionalmente sinais de sua presença e frequentemente roube roupas e utensílios.

Eles enfrentam diversas ameaças, começando pelas invasões e pela cobiça pelas imensas riquezas dessas terras de florestas e rios quase intocados. Pescadores, caçadores, garimpeiros, grileiros, traficantes de drogas... sem mencionar os missionários evangélicos, muitas vezes americanos, coreanos e brasileiros, que, em nome de uma "cruzada divina", estão obcecados em cristianizar as últimas "almas puras" do planeta.

Várias comunidades indígenas foram dizimadas por doenças nos primeiros contatos, como os matis, que quase foram extintos devido à pneumonia.

As relações entre grupos diferentes podem ser violentas e até mesmo mortais. Os matsés quase exterminaram os kulinas.

A tradição do sequestro de meninas e adolescentes (para regenerar o sangue do grupo) ainda persiste entre os isolados, inclusive em comunidades contatadas. Um kanamari relatou à AFP o recente sequestro de uma criança pelos korubos, que escapou dos raptores.

A Funai e o Exército são as únicas autoridades governamentais presentes no Javari. O ex-presidente Jair Bolsonaro de fato incentivou a invasão e a exploração das riquezas do vale enfraquecendo consideravelmente a Funai durante seu mandato.

Desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2022, o governo prometeu proteger melhor o vale, mas a Funai e o Exército ainda estão insuficientemente presentes, segundo a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips por pescadores em junho de 2022 chamou a atenção para uma região do mundo há muito tempo esquecida. No entanto, como as invasões e violências persistem, especialmente as ameaças de morte contra os indígenas e seus defensores.

No início de março, uma triste do governo brasileiro visitou o Javari, subsequente pelas viúvas de Dom e Bruno, prometendo "restabelecer a presença do governo" no local e afirmando que "não era mais possível que os indígenas continuassem intimidados e amedrontados dentro de seu próprio território".