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Em busca da busca: zennials trocam Google por TikTok e mudam futuro da pesquisa online

Para mais jovens, rede social chinesa virou forma rápida e imediata de procurar informações; nova tendência gera risco maior de desinformação, apontam especialistas

Ícones de apps de redes sociais - AFP

A artesã gaúcha Milena Chartiot, de 24 anos, procurava uma receita de gyoza, um prato oriental. Ela não recorreu ao Google, ao Bing, ou a qualquer outro buscador online, mas abriu em seu celular o aplicativo do TikTok, a rede social favorita dos zennials. Ao digitar "como fazer gyoza" na barra de pesquisa, pipocaram alguns vídeos curtos ensinando o passo a passo. Ela conta que bastou ver dois vídeos para conseguir as informações que precisava. E garante: seu gyoza ficou uma delícia.

"Os vídeos do TikTok costumam ter no máximo 1 minuto e vão direto ao ponto, enquanto o Google mostra links para conteúdos estupidamente longos", justifica Chartiot. "Outro dia fui no Google pesquisar chás e coisas para gripe e sites dando várias informações que não precisava. Tipo "o que é gripe", "de onde vem o gengibre"... Eu só quero a receita do chá, sabe"

Pesquisas confirmam que, para os jovens na faixa etária de Chartiot, o TikTok deixou de ser apenas um plataforma para dancinhas e vídeos engraçados. É também uma ferramenta de pesquisa. Em outubro do ano passado, um estudo encomendado pelo próprio Google indicou que 44% dos zennials estão trocando o buscador pela rede social chinesa. Outra conclusão é que essa geração procura descobrir conteúdo de maneiras mais "imersivas".

"Para os mais jovens, não faz mais sentido vasculhar links pela internet", diz João Vitor Rodrigues, professor de marketing digital da ESPM. "A busca está migrando para plataformas que organizam e entregam essa informação pronta para eles. Sites como o YouTube e o TikTok são muito fortes nesse conteúdo "how to", que ensina como fazer coisas ou chegar em lugares. E tem bombado também em avaliações de estabelecimentos comerciais, resenhas, etc."

Morador de São João de Meriti, Paulo Roberto Calixto Silva se diz "cada vez mais dependente" das redes sociais para se informar. O estudante de publicidade de 20 anos baseou seu último roteiro de viagem pela Europa em dicas do TikTok. No dia a dia, também costuma priorizar o Instagram ao Google Maps para buscar a localização de algum restaurante no Rio.

"Sempre prefiro ver um vídeo com alguém explicando do que ler um texto", diz Silva. "E não é uma questão de preguiça, mas de dinâmica. Acaba que a informação parece mais confiável quando está vindo de alguém. Não são apenas palavras espalhadas em uma tela.

Chartiot também vê mais credibilidade no conteúdo que consome no TikTok. Ela não sabe exatamente o por quê ("podem ser apenas vozes da minha cabeça", admite). Sua única certeza é que ver um "rosto" sustentando as informações deixa tudo mais pessoal e autêntico.

"Por exemplo, quando eu quero a receita de algum outro país, dou prioridade a vídeos feitos por pessoas que são desses países, ou ligados a eles de alguma maneira", diz ela.

Professora da FGV ECMI (Escola de Comunicação, Mídia e Informação), Alessandra Maia diz que não há estudos conclusivos para entender as causas dessa mudança cultural (e cognitiva), mas enxerga uma hipótese nos impactos do isolamento social no ensino e no aprendizado durante a Covid-19. Segundo ela, os jovens muitas vezes priorizam o imediatismo à profundidade na hora de pesquisar.

"Enquanto, em outras gerações, a pesquisa era encadeada por meio de múltiplos ambientes nos buscadores tradicionais, hoje ela passou a ser mais direcionada e restrita a uma plataforma", diz ela."O objetivo acaba sendo resolver uma dúvida pontual, sem o interesse de entender o contexto da informação.

Essa tendência gera um risco maior de desinformação, alerta Maia.

"No TikTok, é comum uma única fonte virar referência e ganhar alto alcance, com o algoritmo passando para frente conteúdo similares", diz a pesquisadora. "Com isso, um conteúdo fora de contexto ou falso podendo ser reforçado pela estrutura da plataforma."

De acordo com números de junho de 2022, o Google ainda domina o mercado global de mecanismos de pesquisa, com uma participação de 91,88%. Mesmo sem enfrentar concorrência dos demais buscadores, a gigante americana ligou o sinal de alerta após constatar os novos hábitos dos zennials.

O vice-presidente sênior da empresa, Prabhakar Raghavan, declarou que a empresa trabalha para atualizar ferramentas como o Google Maps, além de apostar em "formas visualmente mais ricas" nos seus projetos. Uma das principais apostas é a realidade aumentada, que permitiria os usuários realizarem pesquisas com base no que veem, seja apontando o celular, seja com óculos especiais.

Os chatbots de inteligência artificial (IA) também são vistos como um divisor de águas. No modelo do ChatGPT-4, o usuário envia uma pergunta e o robô faz a sua própria pesquisa. Depois, oferece um resumo das informações que considera confiáveis. O Google tem a sua versão da ferramenta, o Bard, que deve ganhar uma versão atualizada este mês. O rival Bing, da Microsoft, já incorporou em seu buscador um modelo semelhante ao do ChatGPT-4.

Até agora, porém, todas esssas ferramentas a base de chatbot se mostraram falhas, oferecendo informações falsas e respostas erradas aos usuários. A tendência é que, com o seu aperfeiçoamento, haja uma maior integração entre os buscadores e os chatbots, deixando a pesquisa menos fragmentada. Em vez de construir o próprio caminho, o usuário ganharia algo já pronto - o que poderia trazer problemas.

"A busca deixa de ser um ponto de partida para se tornar o de chegada",  explica Maia. "Apesar da prerrogativa de ser uma tecnologia de apoio, o perigo é ela sair dessa posição e as pessoas deixarem de questionar a pesquisa gerada pelo assistente."

Para Geane Carvalho Alzamora, da Comunicação Social UFMG, estamos em plena transição no modo como o conhecimento é distribuído e organizado.

"A quantidade enorme de empresas de IA especializadas em busca e está desafiando a centralidade do Google na área de busca - diz a pesquisadora.~Muito provavelmente isso vai trazer uma outra forma de cognição, que nao se conhecia antes. Essa atual geração de nativos digitais vai ser muito diferente da geração que virá daqui a 10 anos, e que já crescerá adaptada a esse novo modelo.