Entrevista

No ar em "Amor Perfeito", Carmo Dalla Vecchia exalta trama delicada e questionadora

Ator vive personagem homossexual que, por conta dos preconceitos da década de 1940, precisa esconder de todos sua verdadeira orientação sexual

Carmo Dalla Vecchia - Globo/Divulgação

Carmo Dalla Vecchia encontrou uma conexão quase imediata com advogado Érico, de “Amor Perfeito”, da Globo. Na trama de Duca Rachid, o personagem é homossexual, mas, por conta dos preconceitos da década de 1940, precisa esconder de todos sua verdadeira orientação sexual.

Casado com o autor João Emanuel Carneiro há quase 20, foi quase impossível para Carmo não se aproximar de sua história pessoal através da ficção. “É um tema de grande relevância. Talvez, historicamente, desde a década de 1940, a gente já tenha muitos homens como eu, na vida real, que passaram por circunstâncias parecidas. Que por muito tempo tiveram de se esconder, negar seus sentimentos Tive de resguardar a minha

Para resguardar seu segredo, Érico tenta conquistar Verônica, papel de Ana Cecília Costa. Mas Gilda, de Mariana Ximenes, descobre o segredo do advogado e ele se torna refém da vilã. “A trama retrata toda essa questão de uma forma muito importante. O Érico é vítima de um lado não muito legal da história. É preconceito disfarçado de moralidade, religiosidade e ética”, aponta.

Quando a escalação de “Amor Perfeito” começou, você ainda estava no ar em “Cara e Coragem”. Como foi esse movimento de encerrar uma produção e engatar outro projeto imediatamente?

Realmente, quando chegou o convite para “Amor Perfeito”, eu ainda estava gravando “Cara e Coragem”. Então, não deu tempo de descansar nada. Mas, por mim, estava tudo bem porque adoro trabalhar. Sou do tipo de pessoa que faz teatro em São Paulo, novela no Rio de Janeiro e durmo no avião (risos). Além disso, tenho uma história longa com a Duca (Rachid). Amo participar dos projetos dela.

Por quê?

Tenho uma história muito grande com a Duca. Acho que sou o único ator que fez todas as novelas que ela escreveu. Temos uma relação de muito afeto, amor e carinho. Fiz personagens muito diversos dentro dos universos que ela criou.

Na história, o Érico sofre com a chantagem da vilã Gilda. Isso porque o advogado, que vive em plena década de 40, tenta esconder a sua orientação sexual para manter a sua reputação. Você sente que o personagem tem uma carga dramática interna muito forte?

Sim, há um sofrimento interno muito grande. Na verdade, pela forma como a história se desenrola, esse personagem é bissexual. Há um envolvimento dele com outra mulher e é de verdade também. Eu acredito que a pessoa bissexual é que a sofre mais preconceito. Sofre preconceito de quem já tem preconceito com gay e dos gays, que não acreditam que existam pessoas bissexuais. A taxa de suicídio entre os bissexuais é bem alta. É preconceito por todos os lados. O Érico tem uma história muito bonita e uma curva muito grande ao longo da história. Acho que essa trama traz questionamentos muito importantes, mas em uma trama recheada de afeto e amor.

De que forma?

Esse questionamento é muito importante nos dias de hoje. Por mais que a novela se passe em uma década mais distante, o mundo ainda atravessa por esses debates. Preconceito puro. As pessoas não aceitam pessoas diferentes delas, modelos diferentes do que estão habituadas. Tudo é muito polarizado ultimamente também. Personagens como o Érico e da forma como são retratados são importantíssimos. Fica claro que o Érico é chantageado. Ele é o certo, não tem nada de errado com ele.

Você trouxe a público sua relação com o autor João Emanuel Carneiro em julho de 2021. Essa proximidade pessoal com a trama do Érico tornou esse projeto mais especial de alguma forma?

O Érico é um personagem que busca por justiça, mas, por viver na década de 1940, ele é chantageado e obrigado a negar quem ele é. Talvez isso tenha chamado a minha atenção. É um tema de grande relevância para a gente fazer. Talvez, historicamente, desde a década de 1940, a gente já tenha muitos homens como eu, na vida real, que passaram por circunstâncias parecidas. E por muito tempo tiveram de se esconder, negar seus sentimentos Tive de resguardar a minha identidade e orientação sexual.

Personagens que levantem debates sociais e atuais são importantes para você?

Existe uma razão fundamental para fazer arte: fazer com que as pessoas questionem suas ideias. É a coisa mais bonita que a arte pode fazer. A arte tem contato direto com o coração. A gente está questionando padrões através de um canal que vai direto no coração. Há uma sensibilidade muito grande. Acho que há maior chance de mudar a cabeça das pessoas desse jeito.

Como assim?

Acho que ficar num discurso ou tentando brigar com a pessoa pode ser um caminho mais complexo. Acho que as pessoas vão mudar quando são tocadas no coração. Se eu gritar com você ou for agressivo, você vai fechar seu coração. Uma obra como “Amor Perfeito” tem muito mais chance de tocar o coração das pessoas. Por isso, sou a favor do diálogo e explicar de novo, de novo, de novo... Tenho paciência para falar repetidas vezes com criança, marido, colega... Se tem algo que eu tenho, é paciência.

Com o filho também?

Sim, criança aprende na repetição. Criança gosta muito de repetir a mesma história, a mesma brincadeira, mesma piada... Tenho bastante paciência. Nunca gritei com meu filho. Claro que já respirei e gritei por dentro. Mas entendo quem grita. Eu tenho situação favorecida, tenho ajuda, tenho babá. Tenho sorte por ter uma paciência gigantesca.

"Amor Perfeito" – Globo – De segunda a sábado, às 18h30.

Família unida
Carmo Dalla Vecchia e João Emanuel Carneiro dividem a vida há quase 20. Os dois são pais do pequeno Pedro, de 3 anos. Por enquanto, eles não planejam aumentar a família em futuro breve. “Um já está bom, mas eu adoraria ter mais. O João não quer. Por mim, a gente teria uns quatro”, explica.

De volta aos estúdios após “Cara e Coragem”, Carmo tem uma rotina atribulada de gravações. Mas o filho compreende o cronograma corrido do pai. “Tem vezes que eu vejo pela manhã, na hora do café, mas quando chego, ele já está dormindo. Não me culpo por isso. Compenso outro dia. Como já tinha feito ‘Cara e Coragem’, ele entende que o papai sai para trabalhar”, aponta.

Sem se afetar
A repercussão do público é bom termômetro para Carmo Dalla Vecchia durante um trabalho. No entanto, o ator confessa que não é refém das opiniões e críticas sobre seu trabalho. “Não costumo ver muito a repercussão em redes sociais. O artista tem de fazer algo genuíno e conectado dentro dele, senão pode acabar se distanciando de si mesmo. Se for fazer só o que as outras pessoas gostam, vai se distanciar do seu genuíno”, afirma.

O ator, que iniciou a carreira artística como modelo, credita ao período das passarelas uma parte importante de sua formação profissional. “Quando você é modelo, a estética e a mecânica contam. Então, precisei me distanciar disso para ser um ator melhor”, ressalta.

Instantâneas
# Inicialmente, Carmo viveria o Padre João, mas, por questões de escalação, o papel ficou com Allan Souza Lima.
# Recentemente, o ator também esteve no ar na reprise de “Pícara Sonhadora”, do SBT.
# Carmo é convertido ao Budismo.
# O ator é natural de Carazinho, no Rio Grande do Sul.