Saúde

Experimento mostra como cérebro falha na percepção de saciedade em obesos e ex-obesos

Sistema nervoso tem detecção de nutrientes comprometida em pessoas com sobrepeso, e problema pode persistir mesmo após emagrecimento

Experimento mostra como cérebro falha na percepção de saciedade em obesos e ex-obesos - Canva

Um experimento que usou ressonância magnética para acompanhar a atividade cerebral de pessoas obesas mostrou que seus cérebros têm mais dificuldade para registrar a presença de carboidratos e gordura no sistema digestivo. A pesquisa, que teve participação de 60 voluntários nos Estados Unidos, mostrou que esse problema persiste nas pessoas com sobrepeso mesmo depois que elas conseguem emagrecer um pouco.

A descoberta, feita por cientistas da Universidade Yale, de Connecticut, está descrita em um estudo publicado hoje na revista Nature Metabolism. Esse trabalho, dizem os autores, ajudar a explicar por que pessoas em processo de dieta muitas vezes têm dificuldade no processo de readaptação alimentar que deve se seguir a dietas e outros tratamentos para obesidade.

Em outras palavras, a pesquisa jogar luz sobre o papel do sistema nervoso das pessoas que têm dificuldade de controlar a saciedade e tendem a comer além do necessário. Além de detectar atividade fraca nas áreas cerebrais responsáveis por registrar a presença de nutrientes, os cientistas mostraram que a liberação de dopamina, uma substância que sinaliza sensação prazerosa no sistema nervoso, estava inibida nas pessoas acima do peso.

"Respostas neuronais prejudicadas a sinais nutricionais podem contribuir para excessos e para a obesidade", escreveram os autores do estudo, liderado pela cientista Katy Gale. "A resistência contínua a sinais de nutrientes pós-ingestão mesmo depois de perda significativa de peso pode explicar, em parte, a alta taxa de recaída após emagrecimento bem-sucedido."

O estudo consagra uma hipótese que já havia sido verificada de maneira similar em cobaias, mas que desafiava cientistas na área clínica, por ser difícil realizar experimentos em humanos.

No artigo publicado hoje, os pesquisadores mostram como usaram cânulas para infundir nutrientes diretamente no estômago dos voluntários da pesquisa, ao mesmo tempo em que os avaliavam dentro de uma máquina de ressonância magnética "funcional", capaz de "filmar" a atividade cerebral em tempo real.

A pesquisa comparou pessoas obesas com índice de massa corporal acima de 30 kg/m² com outras de peso considerado adequado, com menos de 25 kg/m², para tirar suas conclusões. Em uma segunda etapa, avaliou alguns dos voluntários obesos que tinham conseguido perder 10% do peso.

"Os dados do estudo atual demonstram que a glicose e os lipídios têm efeitos distintos após a ingestão na atividade cerebral em regiões envolvidas na regulação do comportamento alimentar, e também na liberação de dopamina em adultos magros e saudáveis", escreveram Gale e seus colegas.

O grupo ainda não conseguiu determinar com precisão por que as pessoas observadas no experimento tiveram disparidade entre os níveis de nutrição e saciedade. A pesquisa não foi projetada especificamente para isso, mas os cientistas também conseguiram eliminar algumas hipóteses no trabalho.

Esse desequilíbrio provavelmente não tem origem na sensação do paladar, por exemplo, porque no estudo os voluntários receberam alimento diretamente por tubos, sem contato direto com a boca e a língua. Um problema com estímulos visuais também não pode explicar o fenômeno, porque as pessoas não observaram a comida que estava entrando artificialmente em seus estômagos.

Em um artigo independente comentado o estudo, a pesquisadora Alexandra DiFeliceantonio, do Instituto de Tecnologia da Virgínia, afirma que a descoberta é importante para desenvolver aplicações clínicas, particularmente em reeducação alimentar.

"Entender a diferença entre quem reage e não reage aos tratamentos clínicos de perda de peso é um importante caminho de pesquisa", afirma a cientista. "Novas classes de medicamentos anti-obesidade são capazes de produzir perda de peso em quantidades muito maiores do que antes. Ainda não se procurou explorar, porém, se essas drogas também influenciam a detecção de nutrientes a resposta cerebral após a ingestão."