HISTÓRIA

Uruguai reconhece pela segunda vez sua responsabilidade em massacre durante a ditadura

Centenas de pessoas compareceram à cerimônia no Palácio Legislativo, realizada após uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de novembro de 2021

Karina Tassino (esquerda) abraça uma mulher após cerimônia no Palácio Legislativo, em Montevidéu - Dante Fernandez / AFP

O Estado uruguaio assumiu publicamente nesta quinta-feira (15) sua responsabilidade pela execução extrajudicial das chamadas "meninas de abril" e por dois desaparecimentos forçados ocorridos durante a ditadura (1973-1985). É o segundo ato de reconhecimento de ação estatal ilegítima durante o regime civil-militar ordenado ao Uruguai pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).

— Expresso o compromisso do Estado de cumprir a sentença e descobrir o paradeiro das vítimas desaparecidas, bem como investigar, punir e reparar adequadamente as violações de direitos humanos cometidas neste caso — prometeu a vice-presidente, Beatriz Argimón.

Centenas de pessoas compareceram à cerimônia no Palácio Legislativo, realizada após uma decisão da Corte Interamericana de novembro de 2021, que culminou em um processo iniciado pelos familiares das vítimas em 2007.

Na primeira fila estavam o Ministro da Defesa, Javier García, e o Chefe do Estado-Maior da Defesa, general Rodolfo Pereyra, formalmente a mais alta hierarquia militar do país. Mas o presidente Luis Lacalle Pou estava ausente.

— Sua presença era fundamental na qualidade de comandante-em-chefe das Forças Armadas — lamentou Karina Tassino, representante das vítimas, sob muitos aplausos.
 

Tassino, filha de Óscar Tassino, um dos desaparecidos neste caso, exigiu que as "altas autoridades" uruguaias tomem "ações contundentes" que "direcionem" à verdade.

Seu discurso, lido com a voz embargada e várias vezes aplaudido de pé, terminou com uma arenga "pela memória, pela verdade, pela justiça, nunca mais", lema do grupo Mães e Familiares de Detidos e Desaparecidos uruguaios.

Encerrando o evento, Argimón pediu duas vezes a "todos que têm conhecimento do possível paradeiro de restos mortais humanos que forneçam informações".

Em 7 de junho, os restos mortais de uma pessoa provavelmente detida e desaparecida durante a última ditadura foram encontrados em escavações em uma propriedade militar perto de Montevidéu. As investigações continuam para identificá-los.

"Meninas de abril"
O caso das "meninas de abril" envolve Diana Maidanik e Silvia Reyes, de 21 anos, e Laura Raggio, 19, crivadas de balas em 21 de abril de 1974 durante uma operação militar e policial em Montevidéu. Segundo a Corte IDH, a investigação judicial poderia “distorcer a versão oficial sobre o confronto”.

As três jovens eram integrantes do Movimento de Liberação Nacional — Tupamaros (MLN-T), grupo guerrilheiro urbano de esquerda que se rebelou contra o Estado em meados da década de 1960 e foi derrotado em 1972.

Acredita-se, no entanto, que a operação tenha sido dirigida contra Washington Barrios, também membro do MLN-T, preso em 1974 na Argentina e ainda desaparecido. Reyes era sua esposa e ela estava grávida.

O massacre está ligado ao desaparecimento de dois militantes comunistas, Luis Eduardo González, 22, e Óscar Tassino, 40, presos na capital uruguaia em 13 de dezembro de 1974 e 19 de julho de 1977, respectivamente.

No caso das “meninas de abril”, o Supremo Tribunal de Justiça ratificou em abril o processo contra o ex-comandante em chefe do Exército Juan Rebollo, em prisão domiciliária. Os soldados José Gavazzo e Eduardo Klastornik também estiveram envolvidos no caso, mas morreram durante o processo judicial.

— A luta continua, muito ainda precisa ser feito para que esta sentença seja cumprida [pela Corte Interamericana de Direitos Humanos] — disse Elena Zaffaroni, esposa de González, a repórteres no final da cerimônia.

Em 2012, após nova decisão da Corte IDH, o Estado uruguaio assumiu a responsabilidade pelo desaparecimento em 1976 da argentina María Claudia García, nora do poeta Juan Gelman. O então presidente José Mujica, ex-guerrilheiro do MLN-T preso de 1972 a 1985, liderou o ato.

Até agora, no Uruguai, foram identificados os restos mortais de cinco detentos desaparecidos enterrados em sítios militares. Oficialmente, são 197 pessoas desaparecidas por ações atribuídas ao Estado uruguaio entre 1968 e 1985, período que inclui a ditadura e as agitações sociais anteriores. A grande maioria foi detida na Argentina, no âmbito do Plano Condor de colaboração entre os regimes militares.