"Dor, vergonha e consternação": Papa responde ao presidente da Bolívia sobre escândalo de pedofilia
Francisco enviou carta a Luis Arce e afirmou que o abuso de menores 'segue sendo um dos maiores desafios para a Igreja do nosso tempo'
Dor, vergonha e consternação foram os sentimentos expressados pelo Papa Francisco para definir como se sente diante do escândalo de pedofilia que sacudiu a Igreja Católica na Bolívia desde a revelação de abusos cometidos por religiosos no país, em abril. Francisco respondeu com uma carta a outra enviada a ele pelo presidente boliviano, Luis Arce, na qual se declara "comovido" diante dos relatos.
A maioria dos casos revelados recentemente foram praticados por integrantes da Companhia de Jesus — a ordem religiosa a que pertence o Pontífice — e encobertos por superiores eclesiásticos do país. “Manifesto-lhe minha dor, meus sentimentos de vergonha e consternação. Pensando nas ações nefastas desses sacerdotes e, também, na negligência de quem deveria ter vigiado. Me sinto comovido e impressionado porque os ministros da Igreja devem ser guardiões e garantidores do bem e do futuro das gerações mais jovens”, diz o texto da carta, escrita em 31 de maio.
O terremoto político e midiático na Bolívia começou em 30 de abril, depois da publicação no El País de uma reportagem que revelava a história do jesuíta espanhol Alfonso Pedrajas, que admitiu em um diário secreto ter abusado de dezenas de crianças em colégios bolivianos geridos pela Companhia de Jesus. Ele também contou como seus superiores acobertaram tudo.
Nas semanas seguintes à publicação, o escândalo mobilizou o país e entrou na agenda política. Os jesuítas afastaram cautelarmente oito integrantes que tinham altos cargos por suposto encobrimento e o Ministério Público abriu uma investigação. O governo também apresentou um projeto de lei para criar uma comissão da verdade e o presidente Arce escreveu a carta para o Papa, em 22 de maio, para pedir acesso a todos os arquivos sobre os casos de pedofilia cometidos por clérigos em território boliviano.
“Me dirijo ao senhor consternado e indignado pelos atos que recentemente se revelaram em nosso Estado Plurinacional da Bolívia, a partir da investigação do jornal El País da Espanha, chamada de “Diário de um padre pedófilo””, disse Arce na carta.
A resposta do Pontífice foi divulgada horas antes do Papa ter alta do hospital, nesta sexta-feira, onde estava internado desde a cirurgia para corrigir uma hérnia abdominal.
“Li a carta e agradeço a transparência e deferência com que compartilha comigo a preocupação, indignação e repúdio, seus e dos cidadãos dessa querida nação, por causa dos atos deploráveis que afetaram e seguem afetando pessoas abusadas sexualmente por integrantes da Igreja”, segue o Papa que reconhece, ainda, que a pedofilia “segue sendo um dos maiores desafios para a Igreja do nosso tempo".
Francisco também se comprometeu a colaborar com as autoridades bolivianas para que as vítimas encontrem justiça. “Neste sentido, manifesto-lhe, senhor presidente, meu firme desejo de responder com a promessa de total disponibilidade da Igreja para trabalhar junto ao governo do seu país. Peço ao senhor que nos ajude a cumprir com generosidade nosso dever de reparar as injustiças e a sermos sempre fiéis à tarefa de proteger aos que são os preferidos de Jesus”, concluiu o Santo Padre.
Há dois dias, a Conferência Episcopal Boliviana anunciou a criação de quatro comissões para investigar as denúncias — uma dedicada a escutar as vítimas, outra para investigação e as outra duas vão cuidar da comunicação e da prevenção. Os bispos bolivianos ainda não informaram se vão indenizar as vítimas ou se vão abrir os seus arquivos para revelar toda a informação existente sobre as acusações. Todos os acusados de praticar os crimes até o momento já faleceram.