Investigação

As mensagens golpistas de ex-assessores de Bolsonaro

Entre as conversas rastreadas pela Polícia Federal, há menções a estratégias que poderiam ser adotadas após a derrota das eleições para o presidente Lula

O ex-presidente Jair Bolsonaro e seu ajudante de ordens, Mauro Cid - Reprodução/Alan Santos/PR/Divulgação

A perícia realizada em arquivos do telefone celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) , e de pessoas de seu entorno revelou mensagens acerca de uma trama para dar um golpe de estado, afastar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e colocar o país sob intervenção militar. Entre as conversas rastreadas pela Polícia Federal nos aparelhos estão menções a estratégias que poderiam ser adotadas após a derrota das eleições para o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na análise sobre a extração de dados, produzida pela Diretoria de Inteligência da PF, consta ainda um documento intitulado “Forças Armadas como poder moderador”, em que é apresentado um plano baseado numa tese controversa em que militares poderiam ser convocados para arbitrar conflitos entre os poderes.

O relatório ensina uma espécie de "passo a passo" do golpe e afirma que Bolsonaro deveria encaminhar as supostas inconstitucionalidades praticadas pelo Judiciário aos comandantes das Forças Armadas. Os militares então poderiam nomear um interventor investido de poderes absolutos.

Veja as principias mensagens golpistas rastreadas pela PF:

“O presidente vai ser preso”
Contato frequente do ex-ajudante de ordens da presidência, o coronel Jean Lawand Junior, então subchefe do Estado Maior do Exército, passou a cobrá-lo repetidamente por um plano para contestar o resultado das eleições. Os diálogos contam com frases como "convença o 01 a salvar esse país", "o presidente vai ser preso" e "pelo amor de Deus, faz alguma coisa".

“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê a ordem, que o povo está com ele, cara. Se os caras não cumprirem, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se essas caras não cumprirem a ordem do... do comandante supremo. Como eu vou aceitar uma ordem de um general, que não recebeu, que não aceitou a ordem do comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso. O Presidente vai ser preso. E pior, na Papuda, cara. Na Papuda, porque até isso aquele filho da puta quer tirar dos caras. O direito de ser preso é.. prisão especial com curso superior. Vai tirar, Cid. Temos que pensar, cara. Não podemos ser agora racional, não. E... emotivo. Tem que ser racional, cara, pelo amor de Deus”, escreveu o oficial, em 1º de dezembro de 2022.

No dia seguinte, Lawand encaminha novas mensagens: “Ele tem que dar a ordem irmão. Não tem como não ser cumprida.” 

“Temos que exigir novas eleições com voto impresso”
Também investigada no inquérito que apura a inclusão de dados da vacinação falsos nos sistemas do Ministério da Saúde, a mulher de Mauro Cid também teve o telefone apreendido. No aparelho de Gabriela Cid, os agentes da Polícia Federal recuperaram mensagens trocadas entre ela e Ticiana Villas-Bôas, filha do general Eduardo Villas-Bôas, ex-comandante do Exército, em que as duas dissertam sobre a realização de novas eleições, com voto impresso.

Nos textos, elas se mostram inconformadas com o resultado e defendem que os manifestantes não deveriam cobrar por intervenção federal, mas pelo impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. As mulheres também sugeriram a possibilidade de o Exército orientar os caminhoneiros sobre as reivindicações nos protestos realizados.

"O EB (Exército Brasileiro) tinha que mandar alguém falar com os cabeças dos caminhoneiros e dizer quais tem que ser as reivindicações deles", afirma Ticiane Villas-Bôas.

"Tem que ser impeachment, novas eleições e voto impresso", responde Gabriela Cid.

"Sim! Foi o que pediu o presidente. E acho que todos que podem, têm que vir para Brasília. Invadir Brasília como no dia 7 de setembro e dessa vez o presidente, com toda essa força, agirá", escreve Villas-Bôas.

“Dessa vez, nós vamos vencer a batalha!”
Também investigado no esquema das supostas fraudes em cartões de vacina, o sargento do Exército Luís Marcos dos Reis, outro ex-assessor de Bolsonaro, também foi preso e teve o celular apreendido. A partir da análise do aparelho dele, os investigadores puderam concluir que o militar participou de atos antidemocráticos.

Em um dos diálogos mantidos com uma pessoa não identificada, Reis filma uma manifestação que ocorria na porta do Quartel-General (QG) de Goiânia, em Goiás, e escreve: “Hoje, domingo, treze de novembro, uma hora e cinco da tarde. Ó pessoal, aí ó! Patriotas estão firmes, sai não! Ó o povo aí. Dessa vez, nós vamos vencer a batalha!”.

A perícia no aparelho também demonstrou que o sargento esteve no acampamento no QG de Brasília e incentivou a "tomada de poder pelas Forças Armadas". No relatório, é destacado que o sargento enviou vídeos e imagens com a participação dele nas invasões às sedes dos Três Poderes.

"Eu estou no meio da muvuca! Não sei o que está acontecendo! O bicho vai pegar!", escreveu em uma das mensagens.

Em seguida, o sargento enviou um áudio, na mesma troca de mensagens, que dizia: "Entraram no Planalto, no Congresso, Câmara dos Deputados, entrou no STF. E quebrou, arrancou as togas lá daqueles ladrão (sic). Arrancou tudo! Foi, foi. O bicho pegou hoje aqui!".

Mais tarde, por volta de 20h, ele afirmou que já estava em casa e que trabalharia cedo no dia seguinte, mas que "o recado foi dado".

“Já pensem na proteção das nossas famílias”
Na extração de dados do telefone de Mauro Cid, a PF também descobriu que o ex-ajudante de ordens fazia parte de um grupo de WhatsApp com militares da ativa em que foi defendido um golpe de Estado após a vitória de Lula. Um contato identificado como Gian defendeu, por exemplo, uma “ação por parte do PR e FA, que espero que ocorra nos próximos dias”, em referência a Bolsonaro e às Forças Armadas.

Ao longo das trocas de mensagens extraídas pela PF, os integrantes do grupo defendiam que o país caminhava para uma crise “muito forte”. “A ruptura institucional já ocorreu há muito tempo. Tudo o que for feito agora, da parte do PR, FA e tudo mais, não vai parar a revolução do povo que cansou de tudo isso”, disse outro integrante do grupo, em 27 de novembro do ano passado.

O grupo acreditava que as tropas iriam agir independente da adesão ou não de seus comandantes. “Confio muito em nós, mas somente em nós”, disse Gian. “Já pensem na proteção das nossas famílias”, acrescentou.

Em outro trecho da conversa, ocorrida no em 21 de dezembro de 2022, um integrante do grupo identificado como Márcio Resende disse: “Se Bolsonaro acionar o 142 (em referência ao artigo da constituição), não haverá quem segure as tropas. Ou participa, ou pede para sair”.

Em nota, Jair Bolsonaro negou participação em "qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado". Pelas redes sociais, seus advogados defenderam ainda que Cid, pela função de ajudante de ordens, "recebia todas as demandas que deveriam chegar ao presidente da República", como "pedidos de agendamento, recados etc". Ainda no posicionamento, apontam que o celular dele teria se transformado em uma "simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações".

Já os advogados Bernardo Fenelon e Bruno Buonicore, que defendem Mauro Cid, afirmaram que “por respeito ao Supremo Tribunal Federal, todas as manifestações defensivas serão feitas apenas nos autos do processo”.