Rússia multiplica julgamentos por criticar a ofensiva na Ucrânia
Ao contrário dos julgamentos de opositores conhecidos, que atraem grandes multidões, o de Bakhtin e outros russos comuns ocorre sem a atenção pública
Um é um músico que ama animais, o outro é um engenheiro aposentado. O que esses dois russos têm em comum? Ambos estão sendo julgados por criticar a ofensiva russa na Ucrânia e podem pegar vários anos de prisão.
Além dos casos de grande visibilidade de opositores famosos do Kremlin, detidos desde o início do conflito em fevereiro de 2022, milhares de pessoas anônimas estão silenciosamente presas na máquina de repressão russa.
Demorou um ano para o cerco fechar sobre Alexander Bakhtin, um músico e ambientalista de 51 anos.
Em março e abril de 2022, ele publicou três mensagens na rede social russa VKontakte (VK) para denunciar a campanha militar na Ucrânia, citando baixas civis e acusando o presidente Vladimir Putin.
Em março de 2023, esse morador de Mytishchi, um subúrbio de Moscou, foi repentinamente detido e colocado em prisão preventiva, acusado de espalhar "informações falsas" sobre o Exército russo. Pode pegar até 10 anos de prisão.
"As pessoas em nosso bairro estão chocadas" com a sua prisão, disse à AFP sua mãe, Liudmila Bakhtina, de 79 anos, à margem de uma audiência judicial em 6 de junho.
"Ele não matava nem uma mosca. Defendia os animais, era ambientalista, ajudou todo mundo. Agora querem transformá-lo em terrorista", afirmou, com lágrimas nos olhos.
Ao contrário dos julgamentos de opositores conhecidos, que atraem grandes multidões, o de Bakhtin e outros russos comuns ocorre sem a atenção pública.
Na audiência de Bakhtin estavam um amigo dele e sua mãe, convocada como testemunha da acusação contra o próprio filho.
'Prendam-me também!'
A mulher, vestida de roxo e com um suéter, disse ao tribunal que "assinei meu depoimento sem lê-lo".
Bakhtina disse que a declaração por escrito parecia muito longa para o breve interrogatório que ela teve com o promotor.
"Você acredita que o Exército russo está cometendo um genocídio contra a população ucraniana?", o promotor perguntou a ela no julgamento. "Não", ela respondeu.
"E seu filho? [...] Qual é a opinião dele sobre o presidente?", questionou. "Meu filho é pacifista, ele é contra a guerra e eu também. Prendam-me também!"
O juiz então convidou Bakhtin a interrogar sua mãe.
"Quando você foi interrogada em 6 de março, foi informada de que tem o direito de se recusar a testemunhar contra mim?", perguntou Bakhtin. "Não!", exclamou a mãe.
A audiência foi adiada para 20 de junho, algo considerado normal.
Bakhtin, que sofre de bronquite e problemas cardíacos, segundo a mãe, deve permanecer preso.
Mais de 20.000 pessoas foram detidas na Rússia por protestar contra o conflito na Ucrânia, segundo dados do grupo independente de direitos humanos OVD-Info.
Milhares de pessoas foram acusadas de publicar "informações falsas" sobre a ofensiva, outras foram acusadas de "desacreditar" o Exército.
'Cada vez mais comuns'
Horas antes da audiência de Bakhtin, em outro subúrbio de Moscou, Anatoly Roshchin, de 75 anos, também estava sendo julgado.
O tribunal de Lobnya acusou o engenheiro aeronáutico aposentado de desacreditar o Exército em postagens na Internet. Ele pode pegar até cinco anos de prisão.
"Esses casos estão se tornando cada vez mais comuns", disse à AFP sua advogada, Evgenia Grigorieva.
No início do conflito, Roshchin protestou sozinho em frente à prefeitura de Lobnya com uma faixa que dizia: "Meu país, você enlouqueceu."
A maioria dos transeuntes fingiu não vê-lo. "Eles estavam com medo", explicou à AFP.
"Se os russos não tivessem medo de sair às ruas, não haveria guerra. Somos responsáveis por isso", disse ele.
Sentindo-se "culpado" pela Ucrânia, Roshchin decidiu continuar comentando nas redes sociais, apesar do julgamento em andamento. "Quero que os ucranianos saibam que nem todos os russos são covardes."