ONU adota tratado histórico para proteger o alto-mar
Acordo vai estabelecer um marco legal para estender as faixas de proteção ambiental até as águas internacionais
Os Estados-membros da ONU aprovaram, nesta segunda-feira (19), o primeiro tratado para proteger o alto-mar, um acordo essencial para preservar a vida e a saúde dos oceanos, vitais para a humanidade.
"O acordo foi adotado", declarou a presidente da conferência, Rena Lee, sob aplausos.
"O oceano é a força vital do nosso planeta. Hoje, ganhou vida nova e uma nova esperança para ter uma chance de lutar", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, que saudou uma "conquista histórica", mas lembrou que o trabalho "ainda não acabou".
"Peço que não poupem esforços para que o acordo entre em vigor", acrescentou.
Apesar da adoção, a Rússia se "distanciou" do consenso ao classificar algumas partes do texto como "totalmente inaceitáveis".
Para o chanceler chileno, Alberto van Klaveren, o texto aprovado é "essencial para a governança dos oceanos, baseada na justiça e na inclusão", enquanto para a Venezuela é uma "vitória dos países e dos povos do sul".
Para o México, significa um "compromisso pelo Estado de direito internacional".
O diplomata cubano Yuri Gala López, que falou em nome do Grupo dos 77 e da China, ressaltou a "batalha" travada pelos países do sul para incluir alguns aspectos-chaves do acordo, concluído em março após mais de 15 anos de negociações.
O acordo cria um marco legal para estender as faixas de proteção ambiental até as águas internacionais, que constituem mais de 60% dos oceanos do mundo.
"Plano de ação"
Para Liz Karan, da ONG Pew Charitable Trusts, a adoção do tratado "estabelece um plano de ação para os próximos passos".
Os oceanos produzem muito do oxigênio que respiramos, limitam as mudanças climáticas ao absorver CO2 e abrigam áreas ricas em biodiversidade, inclusive em níveis microscópicos.
"Oceanos saudáveis, das águas costeiras ao fundo do mar e alto-mar são parte integral da saúde, do bem-estar e da sobrevivência humana", defendeu recentemente um grupo de cientistas na revista científica The Lancet.
Porém, com boa parte dos oceanos do mundo fora das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) dos países e, portanto, da jurisdição de cada Estado, criar uma proteção para o alto-mar exigia cooperação internacional.
Reservas marinhas
Apesar de o alto-mar representar cerca da metade do planeta, foi ignorado por muito tempo nas lutas ambientais, que se concentraram nas áreas costeiras e em algumas espécies emblemáticas.
Uma ferramenta-chave do tratado será a capacidade de criar áreas marinhas protegidas em águas internacionais. Atualmente, apenas cerca de 1% do alto-mar está sob alguma medida de conservação.
O tratado é considerado essencial para que os países protejam 30% das terras e dos oceanos do mundo até 2030, como acordaram os governos do mundo em um pacto firmado em dezembro em Montreal.
Oficialmente conhecido como tratado de "Biodiversidade além da Jurisdição Nacional", o pacto também introduz requisitos para a realização de estudos sobre os impactos ambientais de atividades planejadas em águas internacionais.
Apesar de estas atividades não estarem detalhadas no texto, estas incluiriam pesca, transporte marítimo e objetivos mais polêmicos com a mineração em áreas profundas ou inclusive programas de geoengenharia para combater o aquecimento global.
O tratado estabelece também princípios para compartilhar os benefícios dos recursos genéticos marinhos procedentes do alto-mar, obtidos em expedições e pesquisas em águas internacionais, um ponto que quase fez fracassar as negociações em março.
Os países em desenvolvimento, que em geral não têm recursos para financiar pesquisas caras, lutaram para não serem privados destes benefícios que muitos veem como um grande mercado futuro, em especial na busca por "moléculas milagrosas" para a indústria farmacêutica e cosmética.
Após sua adoção formal, agora a bola está com os países que poderão assiná-lo e ratificá-lo a partir de 20 de setembro. Serão necessárias 60 ratificações para sua entrada em vigor.
As ONGs estão confiantes, já que a coalizão para este tratado soma cinquenta países, incluindo União Europeia, Chile, México, Índia e Japão.