Música

Michael Sullivan é autobiográfico em "Ivanilton", novo álbum de inéditas lançado após 28 anos

Artista apresenta ao público Ivanilton de Souza Lima, o trabalhador da arte dedicado e inquieto que realizou seus sonhos na música

Michael Sullivan reverencia Ivanilton no seu novo álbum - Mangolab / Divulgação


Autor de centenas de canções que estão entre os maiores sucessos da música brasileira, Michael Sullivan voltou a lançar um álbum de inéditas após 28 anos, dialogando com uma nova geração de artistas promissores e ampliando seu imenso acervo de mais de duas mil canções. “Ivanilton”, nome de batismo de Sullivan, é o título desse novo trabalho que ele apresenta como disco autobiográfico.

Da infância pobre em Timbaúba, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, passando pelo início difícil da carreira no Recife e Rio de Janeiro, até a conquista das paradas de sucesso do Brasil e do mundo, a dura trajetória de vida de Michael Sullivan o motivou a homenagear seu passado e apresentar ao público Ivanilton de Souza Lima, um trabalhador da arte dedicado e inquieto que atingiu o reconhecimento.

Ouça:

De Sullivan para Ivanilton
Desde o primeiro grande sucesso com a canção “My Life”, em 1976, na trilha da novela “O Casarão”, da Rede Globo, o artista assina Michael Sullivan. “Esse nome me levou para o mundo inteiro. Ninguém sabe quem é Ivanilton, né? Só minha família e o pessoal que começou comigo e eu aprendi muito com eles, como Tim Maia, Raul Seixas, esse pessoal todo”, conta.

Ele recorda o encontro  com Luiz Gonzaga, no programa de calouros apresentado por Nilson Lins, no Recife. “Foi uma coisa maravilhosa, recebi um prêmio das mãos de uma pessoa que vi cantar ao vivo pela primeira vez com nove para 10 anos, em Timbaúba, no Cine Cacareco, e resolvi ser cantor a partir dali”. Incentivado por Cauby Peixoto, que também conheceu em um desses programas, decidiu tentar a carreira no Rio de Janeiro. 

“Depois que eu cantei na TV Jornal, Cauby Peixoto falou para mim: ‘Você tem muito talento, vá embora para o Rio, pegue um ônibus, uma carroça ou um cavalo, vá de qualquer jeito que você tem o Brasil inteiro’. Cheguei no Rio de Janeiro, acabou o dinheiro. Ninguém sabe, mas eu dormi na rua durante seis meses”, recorda. 

Esse novo álbum é, portanto, uma espécie de acerto de contas e reverência à origem e identidade do compositor. “Quem aprendeu tudo e tomou muita porrada a vida inteira foi Ivanilton. Eu nunca me acostumei com o sucesso, eu trabalhei para ele. Ivanilton é um acordo que eu tenho com um trabalhador da música”, destaca. De fato, foi Ivanilton quem venceu os desafios e garantiu um futuro melhor ao artista Sullivan.

“Quando eu comecei, mesmo correndo atrás eu entendi que minha música é como o Nordeste, maior do que qualquer preconceito. Eu sou muito plural, fui em todas as vertentes, em todas as afluentes, formando esse rio maior que deságua no mar. De Timbaúba a Nova York. Minha vida é uma prova de sobrevivência e de muita persistência”.

Compositor de centenas de hits e sucessos da música brasileira, Michael Sullivan dialoga nova geração da MPB

Álbum com jovens artistas
Produzido por Alice Caymmi e coproduzido por Sullivan, o álbum lançado pela Sony Music traz 11 canções inéditas com participações especiais da própria Alice, além de Fagner, Ana Carolina, Filipe Catto, Almério, Julio Secchin e Roberta Campos. “Selecionei, entre muitas canções que ele me enviou, as que mais dissessem sobre ele: como compositor, como artista e como pessoa”, detalha Alice. 

A lista de convidados aponta para o olhar do artista não apenas para os já consagrados Fagner e Ana Carolina, mas também aos talentos do presente e do futuro, a exemplo de Filipe Catto, Julio Secchin, Roberta Campos e dos pernambucanos Almério e Juliano Holanda. “É um time novo que é muito legal, a nova MPB. Um time muito solar, clássico, leve e popular. A renovação para minha canção eles deram com um toque absurdo. O jeito de cantar deles é lá na frente. Eles têm os ídolos deles antigos, mas o jeito de cantar é muito próprio. A releitura deles é linda. Fiquei muito feliz quando vi o resultado final”, elogia Sullivan.

Segundo o próprio artista, “Versos na parede” é a canção mais autobiográfica do álbum. “Foi a primeira canção que eu compus com Juliano, depois da gente conversar bastante e ele se ligou. Essa música é o Nordeste puro que eu tenho dentro de mim, é o cheiro da cana de açúcar”, conta. 



Parceiros de canção e isolamento
Pesquisando novos artistas, Sullivan conheceu o trabalho de Juliano Holanda durante a pandemia. Logo procurou o seu telefone e o convidou a compor. “Ele ficou muito feliz de eu ter ligado e começamos a compor”. Compuseram 10 canções durante o isolamento, mas o primeiro encontro presencial se daria só depois, após um show de Holanda com Almério, no Teatro XP, no Rio de Janeiro. Em comum entre os dois, além do gosto pelas letras e melodias, a origem na Mata Norte de Pernambuco - Juliano é de Goiana. 

O guitarrista Celso Fonseca foi outro compositor de várias canções do disco que foram produzidas durante o isolamento da Covid. “Eu já conhecia o Celso, mas nunca tinha feito nada compondo com ele. Celso é um dos maiores guitarristas e músicos desse país, tocou com Gal,Caetano, Gil… produziu discos deles. Ele é muito meu amigo, a gente se dá muito bem nos papos e tem um lance muito legal entre nós. Eu fechei o disco com esses parceiros e também com a Alice. Em seis meses tínhamos 29 música prontas. A gente se falava ao telefone e começamos a compor, eu o Celso Fonseca, o Juliano Holanda”, lembra.

Capa de "Ivanilton", novo álbum de Michael Sullivan

“Tempestade”, uma dessas parcerias com Juliano Holanda - foram 10 canções das quais quatro estão do disco -, ganhou interpretação do cearense Raimundo Fagner, historicamente um dos intérpretes mais importantes de suas canções e o veterano do elenco do álbum. Almério divide os vocais em "À Deriva", um novo e instantâneo clássico. E a cantora Filipe Catto traz seu timbre personalíssimo para "Fale por Você". 

"Tá vendo aqueles versos na parede/ Que te escrevi com o lápis do perdão?/ Os versos que mataram minha sede/ São mais fortes do que as grades da prisão/ E têm mais cores/ Do que as dores da paixão/ (...)/ Tem mais cortes do que há sorte em minhas mãos", dizem os versos da música que, segundo Juliano, é também uma autobiografia sua. "Sullivan também é dessa região. E ele sempre foi pra mim essa lenda do garoto que saiu daqui e alcançou outros patamares, quase uma figura de um panteão mágico".

Faixa a Faixa por Michael Sullivan

1. Versos na Parede
Conheci o Juliano Holanda por telefone, pois estávamos na pandemia. Tivemos longos papos sobre tudo. Fomos conhecendo as esquinas das almas de cada um. E então veio "Versos na Parede", onde Juliano captou e fez a minha biografia musical.

"Os versos que mataram minha sede
São mais fortes do que as grades da prisão
E têm mais cores do que as dores da paixão"

Nasci aprisionado na seca, na fome e na pobreza. Vim para o rio, morei nas ruas, fui preso por vadiagem uma noite. Na cadeia, porém, sendo menor de idade, fui solto para ficar a responsabilidade de Romildo Moura, que tinha fé pública. Essa liberdade me mostrou que existe sempre um milagre ao primeiro passo, para algo paralisante em nossas vidas. Nesse dia eu resolvi que iria viver para uma música plural, ilimitada a circunstâncias. E principalmente as minhas. Eu me detestaria se como vítima eu respeitasse os meus carrascos. Entendi que para eu ser feliz teria que deixar de ser vítima dos problemas e compor minha própria história. Olha eu aqui depois, 2000 composições falando.

2. Coisa à Toa
Foi a primeira faixa composta do disco. Assim como, foi a primeira da safra de oito músicas que compus com Celso Fonseca, em 10 horas, de um dia no meu estúdio Clave de Sullivan.

Essa sonoridade, essa região, esse lugar na música Black Brasil é a casa da minha alma. É a inquietude do meu futuro implorando por essa música. Então mostrei "Coisa à Toa" pra Alice, para convidá-la a cantar, e então vimos que Ivanilton tinha plano pra nós dois. Aliás, ela deu o nome ao álbum.

3. Onde Eu For
Nada não nos impedirá de ter um último dia, mas pelo menos o amor nos salva diariamente. Onde for é solar, é leve, é onde me projeto como quem ama. Como Ivanilton ama Anaile. E a Roberta Campos é uma pessoa incrível para construir um caminho nas virtudes do amor. Ela veio ao estúdio, com a música no coração. Tocou violão! Que pessoa virtuosa, uma artista sensível, única e extremamente competente! Sou grato a essa amizade.

4. Tudo Vale A Pena
Quando acabamos de rabiscar, eu e Celso Fonseca, falamos “essa música precisa da Ana (Carolina)”. A energia da letra da Ana, de mudar tudo de lugar para o épico. Ana reconhece sua força, por isso ela é uma fonte inesgotável de inspiração. Ao ouvir os primeiros trechos de “Tudo Vale A Pena”, Ana entendeu o chamado da música. Quando eu ouvi todas as finalizações pela primeira vez, e a voz da Ana, chorei. Falamos ao telefone, cada um chorando lado a lado. 

5. Loucura Me Pega
Falando de música: se o doido persistir na sua loucura, torna- se sensato. Sinto que essa composição que fiz com Marília Bessy é uma versão contemporânea da linhagem de “Estranha Loucura”. Porque “Estranha Loucura” é uma canção que habita dentro de mim. A escrita da letra de "Loucura Me Pega" me projeta para esse lugar. Às vezes, é importante reconhecer as raízes de algo novo. Pois é nesse campo, que está “Loucura Me Pega”.

6. Namoro
“Namoro” é um baile, a compondo eu recorri às minhas memórias dos bastidores do programa do Wilson Simonal, de quando eu cantei lá.  Toda a essência daquele tempo e do agora estão nessa música. Por isso, o Júlio Sechin, que é o agora, com a essência de bons tempos.

7. À Deriva
A música tem a leveza do espírito e a força do tempo. E nós?
“...somos barcos longe dos faróis 
À deriva nessa escuridão
Naufragamos em nossos lençóis tentando escapar da solidão..."

Almério renasce todos os dias do pé do encanto. Nessa metamorfose Almério, colhemos canto fresco do pé. Suas interpretações, nota a nota, tenho certeza que a senhora música o escuta como fina poesia. Ele é meu conterrâneo, minha gente. Almerio e Juliano Holanda nasceram do meu mesmo chão, a terra do planeta que vislumbra um recomeço.

8. Tempestade 
Fagner é um grande irmão. Dentro das afinidades que tenho com ele, a principal é que, assim como eu, ele encara a tempestade com bravura. Com experiência aprendemos que não importa o tamanho da tempestade, o que irá determinar o curso da vida é a direção da vela.

“E fui embora
Mais alto que o céu.
Lá fora agora quem chove sou eu.
Sou eu”

Pra mim a arte de Fagner é um norte, assim como a nossa amizade. Quando estávamos colocando voz, ficamos felizes, emocionados e ele já foi mandando no grupo dos amigos, e colhemos elogios. Como é incrível pra mim crescer, aprender, evoluir ao lado dos amigos que amo. 

9. Fale Por Você 
“Fale Por Você” precisava da voz feminina de Filipe Catto, porque a sua voz é um abrigo. A canção se hospeda com conforto no metal, na densidade, na precisão artística da maturidade de quem se apropria cada vez mais de si. Por isso, “Fale Por Você”, é um conselho certeiro, quando dito por Filipe.

"...Colha os meus delírios
Muito além dos olhos.
Troque os seus colírios 
Leve os seus relógios,
Livros, mãos, pedágios, 
Seus armários e os vestígios
De tudo enfim 
Que não há, 
Não há mais lugar pra nós em mim..."

10. A Ver Navios e 11. Não Preciso Me Justificar 
“A Ver Navios” é outra parceria minha com Alice Caymmi. De fato, sempre teremos recados diretos e indiretos para dar à sociedade. E um deles é título de outra canção: "Não Preciso Me Justificar". 
Alice é destemida, todo o mar foi feito para esse peixe que generosamente entende a diversidade e forma dos oceanos. Onde houver ondas, ela desfilará com sua voz. Uma mulher que acontece, revoluciona, que dá sentido ao DNA com seu ser plural.

Como me vejo na Alice! Cantar, compor e produzir esse disco é um presente divino, ou a lei do universo: “aqui se faz, aqui se paga” . Isso não é uma ameaça, é a lei do retorno,
para aqueles que não acreditam em Deus como eu.

Levamos um ano fazendo esse álbum, mas penso que; se temos de esperar, que seja para colher a boa semente que lançamos hoje no solo da vida. 

Ivanilton