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Pixel art: impulsionada pela nostalgia e pelos games, técnica de baixa resolução está em alta

Com cores limitadas e aspecto retrô, mídia vira febre na web e estampa camisetas, discos e jogos independentes

Pixel art - Reprodução/ 8bit-Football

A definição técnica de pixel art pode até ser um pouco complicada, mas a sua aparência é simples: quem a vê numa tela a reconhece na hora. Uma composição digital com baixa resolução, cores limitadas e uma estética simpática, fofinha e agradável, que remete instantaneamente aos videogames mais antigos.

O aspecto retrô casou perfeitamente com a atual onda nostálgica na cultura pop. Nas redes, artistas alcançaram um público sedento pelo universo visual de sua infância. Outros, mais jovens, são surpreendidos por um mundo que não viveram. O surgimento do NFT, que permite designar a autenticidade de uma propriedade digital, também ajudou a dar um novo gás para a pixel art nos últimos anos. Vale lembrar que os “CryptoPunks”, uma das coleções de NFT mais famosas do mundo, são compostos de avatares pixelizados.

— A moda das décadas de 1980 e 1990, assim como as correntes musicais como o synthwave (gênero da música eletrônica que se baseia nas trilhas sonoras de filmes de ação, ficção científica e terror dos anos 1980), contribuíram fortemente à demanda de imagens com referências retrô. E por consequência uma demanda quase natural de pixel art — diz o francês Laurent Bazard, que se destaca no gênero. — Mas meu desafio sempre foi demonstrar que esta técnica não era restrita apenas ao universo retrô dos jogos.

Mídia flexível, o pixel permite grande variedade de estilos. A cena inclui nichos como o pixel isométrico — uma perspectiva sem ponto de fuga usada para representar paisagens urbanas e construções. Ou ainda o voxel art, em 3D. Também inspira artistas fora do digital, como a veterana Hong Seung-hye, que se notabilizou “reproduzindo pixels” em suas pinturas físicas.

A face mais reconhecível da pixel art, porém, ainda são as imagens inspiradas nos velhos games, tanto nos rudimentares 8-bit (como os primeiros do Super Mario), quanto nos 16-bit, um tanto mais evoluídos. Só ver a popularidade de alguns novos games independentes que reciclaram essa estética, com os seus criadores fazendo as vezes de programador e pixel artists. É o caso do mineiro Sandro Luiz de Paula, o Ansdor:

— A pixel art contemporânea surgiu quando artistas passaram a buscar essa aparência do 2D de baixa resolução como uma escolha artística intencional. Sinto uma sinceridade emocional muito grande nas cores puras e intensas dos pixels, como se tudo que é representado nessa linguagem fosse verdadeiro, direto. Isso traz uma tranquilidade própria.

O consumo de games cresceu na pandemia, levando também um interessante pelo visual dos games. O NFT ainda é controverso no mundo pixel e visto como um "faroeste" para muitos artistas da área, que não dependem só dele.

— A pixel art hoje em dia tem uma presença firme na moda, na animação, em material promocional pra youtubers e streamers — diz Ansdor. — Eu mesmo já trabalhei criando estampas e material promocional para um youtuber americano, já fiz algumas capas de discos pra músicos brasileiros e internacionais, e pretendo fazer alguma coisa no mercado da moda.

Confira abaixo de alguns expoentes da pixel art:
8-bit Football

O brasileiro Matheus Toscano faz sucesso nas redes transformando grandes momentos do futebol em divertidas imagens em 8-bit, aqueles primitivos gráficos dos primeiros Nintendo. O seu perfil @8bitfootball tem mais de 120 mil seguidores no Twitter e mais de 50 mil no Instagram. Viciado em videogame na década de 1990, ele cresceu alterando as cores dos uniformes e dos times.

— Acho que a maior característica de trabalhar com pixels é ter criatividade para produzir algo visualmente atraente dentro das limitações do número de pixels a ser utilizado e, em alguns casos, também um número limitado de cores. Acho que como os gráficos em pixel não têm uma definição muito clara, cada pessoa completa a cena com sua própria referência ou imaginação, o que torna a experiência mais pessoal.

Ele cita o exemplo de Ronaldo com o corte de cabelo e o uniforme do Brasil na Copa de 2002.

— Quando você olha o desenho, imedia- tamente vêm à cabeça os detalhes de cada um dos elementos — diz. — Daí, ver aquilo retratado em somente alguns quadrados causa uma sensação de admiração.

Ansdor
A maior parte da produção gráfica de Sandro Luiz de Paula é voltada para games, que ele desenvolve desde 2015. Sua última criação, o jogo de corrida "Sliptream", é repleto de belos cenários pixelizados. Como artista de pixel, o mineiro de Ipatinga costuma focar na paisagem, como este panorama de Marselha acima.

— A pixel art é um pouco como a guitarra do mundo da arte visual digital: é a forma mais acessível e barata de se criar imagens no computador — diz o artista, que atende como @ansdor no Twitter.

Ele destaca o lado geracional na popularidade do pixel. Nascido em 1989, Sandro diz que sua geração é muito mais sensível à expressividade dessa mídia:

— A falta de textura, da presença física de um lápis ou pincel, dá um visual único pra coisa, e a simplicidade natural do pixel, uma unidade de cor pura, permite coisas que são mais difíceis em outras mídias, como animação.

Waneella
ouco se sabe sobre uma das mais populares figuras do pixel. Conhecida nas redes como Waneella, a misteriosa artista russa se destaca com seus retratos urbanos carregados de melancolia, tranquilidade e monotonia. Reunindo 212 mil seguidores no Twitter e 88 mil no Instagram, seu trabalho coleciona ruas desertas e fantasmagóricas, fachadas anônimas, skylines de grandes metrópoles, formando instantâneos de cidades vazias à espera de uma história. A simplicidade das imagens reforça a atmosfera de solidão — assim como as enigmáticas trilhas sonoras compostas pela própria artista para acompanhar as imagens.

Curiosamente, ela já contou ter se inspirado no início no jogo de aventura e fantasia “Superbrothers EP: Sword and Sworcery”, cujos cenários têm mais a ver com a natureza.

Laurent Bazart
O francês investe seu tempo na atividade de autor-ilustrador para a imprensa e para publicações. Com seus “pequenos quadrados de baixa resolução”, Bazart faz criações de teor político — com críticas à uniformização da sociedade, por exemplo. Seu trabalho também já foi requisitado pelo Ministério da Cultura francês, que encomendou cam- panhas institucio- nais sobre arquite- tura. Uma das técni- cas em que Bazart se destaca é o pixel- isonométrico, como na imagem ao lado.

— O pixel é minha maneira de ver o mundo e repre- sentá-lo — diz ele. — É a minha matéria pictórica.

O apelo atual do pixel, segundo ele, é ter se tornado aces- sível a todos, inclu- indo as crianças.

— Elas podem entrar diretamente na prática plástica graças ao mosaico digital — explica. — Exatamente como tijolos de Lego. É o grau de complexi- dade ou de simplicidade que faz toda a diferença.

Gustavo Viselner
As lembranças de infância são o motor propulsor da inspiração de Gustavo Viselner, cujo perfil no Instagram é @pixelgustavo. O israelense de origem argentina revisita com elegância o clima e as cores das décadas passadas, retratando momentos carinhosos com o seu pai. O que mais chama a atenção são as riquezas de detalhes, tanto nos cenários externos quanto nos aconchegantes ambientes internos, que transmitem uma imediata sensação de calma e conforto.

Mas a especialidade do ilustrador freelance, que também atua em uma empresa de games, é fazer versões em pixel de cenas marcantes dos sucessos do cinema. Com aquele gostinho todo especial de “Sessão da Tarde”, ele mostra como seriam longas como “Alien”, “Blade Runner”, “Os fantasmas se divertem”, “Guerra nas estrelas” ou “De volta para o futuro” se fossem exibidos nos quadradinhos de baixa resolução. Viselner não se limita aos antigos clássicos, fazendo ainda releituras pessoais de títulos mais recentes, como “Stranger things” e “Os Vingadores”.

Ohvoxel
A malaia Shin Oh (@ohvoxel no Instagram) é adepta dos pixels volumétricos, também conhecidos como voxels, usados em jogos “construtores de mundos” como MineCraft e The Sanbox . Em sua série “Tiny Voxel Shops”, ela usa a técnica para reproduzir meticulosamente pequenos estabelecimentos comerciais (em geral tocados por famílias) que estão em vias de extinção no seu país natal. Em cores pastéis etéreas e oníricas, a artista eterniza salões de beleza, quiosques, padarias e cafés, antes que a modernização urbana os varra da paisagem. Antes de iniciar o projeto, ela teve uma conversa “emocionante” com sua mãe, que listou uma série de comércios com os quais eram familiarizados. A artista então esboçou visualmente os estabelecimentos, sem usar plantas ou sketchs. “Espero que, quando as pessoas virem isso, lembrem-se de apoiar os pequenos negócios locais.