Negligência: saiba o que vai ser analisado em investigação do submarino do Titanic
Guarda Costeira americana confirmou que os cinco tripulantes morreram em "implosão catastrófica" do submersível Titan
Órgãos dos Estados Unidos, do Canadá, da França e do Reino Unido vão participar de investigações sobre o acidente que resultou na implosão do submarino Titan, da empresa OceanGate, na semana passada. Um relatório final será enviado a Organização Marítima Internacional e outros grupos.
Os investigadores já sabem que o desaparecimento do submersível foi precedido por uma série de erros e condutas imprudentes por parte da fabricante. Questões como o material utilizado na construção do submersível, inclusive na janela da nave aquática, e outras suspeitas de negligência atribuídas ao CEO da empresa, Stockton Rush, que morreu na implosão, também serão analisadas.
Veja abaixo o que deve pesar nas análises de investigadores sobre o caso.
1 - Janela suportava pressões de até 1,3 mil metros
Um ex-funcionário da OceanGate alertou para problemas de "controle de qualidade e segurança" do Titan, em 2018. David Lochridge, então diretor de operações marítimas da empresa, apontou em um relatório que os passageiros do submersível correriam perigo conforme o veículo atingisse águas mais profundas por conta da pressão sobre a estrutura do veículo marinho.
Lochridge afirmou que a janela de visualização do Titan tinha certificação para aguentar pressões de até 1,3 mil metros. A intenção da OceanGate era levar seus passageiros até o naufrágio do Titanic, cujos destroços estão situados a 3,8 mil metros de profundidade.
Numa entrevista exibida no YouTube, Rush dá detalhes sobre a única janela que permite a visão direta do oceano para quem está dentro do oceano.
"É acrílico, flexiglass, com sete polegadas de espessura. É grande, pesa 80 libras (176 kg). Quando a gente se aproximar do Titanic vai se encolher, vai se deformar. Antes de quebrar ou dar falha, começa a crepitar e você recebe uma enorme advertência se for falhar" explicou Rush, na ocasião.
2 - Materiais mais baratos
Na entrevista, Rush mostra a mistura de fibra de carbono e titânio que compõe a estrutura total da nave aquática. O americano buscou usar materias que diminuissem os custos de fabricação e operação de seus veículos subaquáticos. De acordo com o ex-sócio de Rush, Guillermo Sohnlein, por volta de 2013, o americano começou a falar publicamente sobre aposentar o submersível Cyclops I e substituí-lo por um protótipo mais barato.
Feito de aço, o Cyclops era caro de operar, transportar e manter. Rush acreditava que um submarino de titânio e fibra de carbono, um material leve usado na indústria aeroespacial, iria baratear os custos do projeto.
O engenheiro e especialista em submarinos Graham Hawkes, que conhecia Rush, disse ao jornal americano lamentar não ter alertado o empresário, uma das cinco vítimas da implosão, dos riscos no uso do material. De acordo com Hawkes, a fibra de carbono era um material pouco confiável: em um dia poderia descer até 3 mil metros e, no seguinte, implodir ao chegar em 2,7 mil. Isso porque a estrutura poderia sofrer danos impossíveis de serem detectados.
3 - Não possui GPS e é orientado por mensagens
O repórter David Pogue, da rede de televisão americana CBS News, participou da viagem exploratória ao Titanic com o submersível da OceanGate, no ano passado. Na reportagem, o jornalista mostra que a nave aquática não possui GPS e é guiada por mensagens de texto enviadas de um barco que fica na superfície da água.
No entanto, especialistas ponderam que um GPS seria de pouco uso para a tripulação, já que não funcionaria nas profundezas a que o submersível Titan esperava chegar.
4 - Controle de videogame
Com as coordenadas recebidas por mensagens de texto, o comandante do Titan - que é o CEO e fundador da OceanGate, Stockton Rush - pilota o submersível. Para isso, ele usa um equipamento adaptado.
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"Isso vai soar estranho para muitas pessoas, mas muito deste submersível é feito de peças improvisadas que estão prontas para uso. Por exemplo, você o pilota com um controle de videogame" disse Pogue.
Trata-se de um modelo adaptado do Logitech F710. O controle de videogame foi lançado em 2011 e, atualmente, pode ser encontrado em sites que vendem produtos de segunda mão, com preços a partir de R$ 175. Na reportagem da CBS, o controle aparenta ter sido modificado, com botões alongados para facilitar o controle do submersível.
Apesar da aparente "gambiarra", especialistas apontaram depois da tragédia que o uso de equipamentos desse tipo, já disponíveis no mercado, não é incomum. A Marinha americana, por exemplo, já teria utilizado controles de video game para operar submarinos.
5 - Carta com alerta de especialistas
A OceanGate ignorou o alerta feito por meio de uma carta assinada por 38 empresários, exploradores de águas profundas e oceanógrafos, em 2018. O documento foi enviado a Rush expressando "preocupação unânime" com a "abordagem 'experimental' adotada", que poderia acarretar "resultados negativos (de menores a catastróficos) com sérias consequências para todos".
A carta recomendava a realização de mais testes e enfatizava "os perigos potenciais para os passageiros do Titan quando o submersível atingir profundidades extremas".
A OceanGate se queixou, por meio de um texto não assinado em seu site, que o Titan era tão inovador que poderia levar anos para ser certificado conforme as normas usuais das agências de avaliação.
Rush também minimizou os protocolos de segurança, durante uma entrevista ao podcast do jornalista David Pogue. O CEO da OceanGate disse que havia um "limite" para a segurança.
"Você sabe, em algum momento, a segurança é apenas puro desperdício. Quero dizer, se você só quer estar seguro, não saia da cama, não entre no seu carro, não faça nada. Em algum momento, você vai correr algum risco, e é realmente uma questão de risco-recompensa' afirmou.
6 - Problemas técnicos em expedições anteriores
Pogue também testemunhou a ocorrência de problemas técnicos durante a expedição que participou, com a OceanGate, para visitar o Titanic. Na ocasião, o Titan ficou duas horas e trinta minutos sem comunicação, após submerso.
"Neste mergulho, as comunicações de alguma forma foram interrompidas. O submarino nunca encontrou os destroços" disse Pogue, na reportagem.
"Estávamos perdidos" comentou Shrenik Baldota, magnata da indústria indiana que também participou da expedição. — Ficamos perdidos por duas horas e meia — acrescentou.
Produtor dos Simpsons, Mike Reiss relatou ter feito quatro viagens em submarinos da OceanGate, empresa responsável pelo submersível que implodiu no Atlântico Norte, e que em todas elas o veículo chegou a ficar sem comunicação com a superfície. Uma das expedições tinha como destino o naufrágio do Titanic, enquanto as outras três aconteceram na costa de Nova York.
7 - Lançado de águas internacionais
Um dos signatários da carta de 2018, o engenheiro mecânico e pesquisador Bart Kemper, que trabalha em projetos de submarinos, afirmou em uma entrevista que a OceanGate evitou ter que cumprir os regulamentos dos EUA.
Para isso, a empresa levou o Titan para águas internacionais, onde as regras da Guarda Costeira americana não se aplicavam, segundo o jornal The New York Times.
8 - Embarcação experimental
Mais um trecho da reportagem de David Pogue viralizou na internet nesta semana, após o desaparecimento do Titan: o momento em que o jornalista assina um termo reconhecendo que o submersível era uma "embarcação experimental" que não havia sido "aprovada ou homologada por nenhum órgão regulador e [a viagem] poderia resultar em ferimentos, trauma emocional ou morte".