JULGAMENTO DE BOLSONARO CONTINUA QUINTA

TSE julga Bolsonaro: relator aponta responsabilidade e pede inelegibilidade do ex-presidente

Sessão será retomada na quinta (29)

Ministro Benedito Rodrigues - Sérgio Lima/AFP

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, votou, por volta das 22h desta terça-feira (27),  pela inelegibilidade por 8 anos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por abuso de poder político e econômico na campanha eleitoral. Bolsonaro é alvo de uma ação que contesta uma reunião com embaixadores feita em 18 de julho de 2022 em que o então mandatário fez uma série de ataques ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas.

Apesar de ter votado pela inelegibilidade do ex-presidente, o ministro deixou de fora da condenação o candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto, pela ausência de responsabilidade.

Após o voto do corregedor-geral, a sessão foi suspensa devido ao "adiantado da hora" e será retomada às 9h da próxima quinta-feira (29).

Em seu voto, o ministro citou a divulgação de notícias falsas, contrariando informações amplamente divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e assumindo um comportamento de “antagonização injustificada” com a corte.

— O primeiro investigado (Bolsonaro) violou ostensivamente deveres de presidente da República inscrito no artigo 85 da Constituição, em especial zelar pelo exercício livre dos poderes instituídos e dos direitos políticos e pela segurança interna, tendo em vista que assumiu antagonização injustificada ao TSE, buscando vitimizar-se e descacreditar a competência do corpo técnico e a lisura do comportamento de seus ministros para levar a atuação do TSE ao absoluto descrédito Internacional; e ainda despejou sobre as embaixadoras e embaixadores mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira — afirmou Benedito Gonçalves.

Em seu voto, o ministro também aponta diversos elementos que, na avaliação dele, mostram que o ex-presidente foi o responsável intelectualmente e materialmente pela concepção da reunião feita com embaixadores em 18 de julho de 2022. Na ocasião, o então mandatário fez uma série de ataques infundados ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas:

— A prova produzida aponta para a conclusão de que o primeiro investigado foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento objeto desta ação. Isso abrange desde a ideia de que a temática se inseria na competência da Presidência da República para conduzir relações exteriores – percepção distinta que externou o ex-chanceler ao conceituar a matéria como um tema interno – até a definição do conteúdo dos slides e a tônica da exposição – que parece ter sido lamentada pelo ex-chefe da Casa Civil.

O corregedor-geral mencionou a propagação sistemática de um discurso, por parte de Bolsonaro, de deslegitimação do sistema eleitoral, inclusive por meio das lives que eram feitas por ele. Na avaliação do ministro, essas lives "foram exitosas em sua proposta pragmática de cultivar o sentimento de que uma ameaça grave rondava as eleições de 2022 e que essa ameaça partia do TSE.

— O conspiracionismo se conservou latente e foi acionado com facilidade no ano eleitoral. Na reunião com chefes de missão diplomática, o investigado retomou a epopeia dos ataques ao sistema eletrônico de votação sem provas, acresceu mais um capítulo à saga: a derradeira tentativa das Forças Armadas de apresentar supostas soluções para evitar fraudes no pleito iminente — apontou.

Ao iniciar o seu voto, o ministro afirmou que iria dividir sua manifestação em três partes, e fez uma longa explicação jurídica e teórica sobre o crime de abuso de poder político. Ao falar, citou precedentes da Corte recentes, e disse que não é possível ignorar os efeitos das mentiras ditas sobre o sistema eleitoral.

— Não é possível fechar os olhos para os efeitos de mentiras que colocam em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral — disse o ministro.

O voto do ministro tem 382 páginas e foi dividido em três partes. Benedito optou por fazer uma leitura resumida, e citou diversos precedentes do TSE em matéria de abuso de poder político.

Início
Na semana passada, quando a análise do caso começou, o magistrado leu o relatório do caso, uma espécie de resumo do processo. No documento, o ministro apresentou as alegações do autor da ação, da defesa de Bolsonaro e do Ministério Público Eleitoral. Além disso, lista as provas que constam no processo e também cita uma avaliação inicial sua sobre o discurso do ex-presidente.

No relatório, Gonçalves citou uma decisão sua de março, em que ele havia feito uma avaliação prévia sobre o caso. Gonçalves apontou que Bolsonaro construiu um “arco narrativo alarmista”, que começaria com a alegação de que houve fraude nas eleições de 2018 e que poderia haver novamente em 2022.

O TSE está analisando uma ação apresentada pelo PDT que trata de uma reunião com embaixadores realizada em 2022 em que, sem provas, Bolsonaro atacou a lisura do processo eleitoral. O partido pede que Bolsonaro seja considerado inelegível por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. A legenda afirma que o então presidente criou um ambiente propício para a “propagação de toda sorte de desordem informacional”.

A legenda ressalta que, ao transmitir o discurso na TV Brasil e em redes sociais, Bolsonaro teve “expressivo alcance na difusão de informações falsas já reiteradamente desmentidas”.

Em parecer lido na última quinta-feira, a Procuradoria-Geral Eleitoral defendeu que Bolsonaro seja considerado inelegível, alegando que o discurso “atacou as instituições eleitorais” e que isso contribuiu para “inquietar ânimos pessimistas com relação à legitimidade do pleito”.

Minuta
Além da própria reunião, uma das principais provas é a minuta que sugeria uma espécie de intervenção no TSE, encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres.

O PDT considera que a minuta era a “materialização da última fase de um plano milimetricamente traçado para derrubar o Estado Democrático de Direito”.

Em janeiro, o relator incluiu a minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres no processo, uma prova vista como essencial para o fortalecimento da tese de abuso de poder político por parte de Bolsonaro. A medida foi confirmada por todos os demais ministros do TSE.

Gonçalves afirmou ser "inequívoco" que o fato de o ex-ministro da Justiça do governo de Bolsonaro ter em seu poder uma proposta de intervenção no TSE e de invalidação do resultado das eleições presidenciais "possui aderência aos pontos controvertidos, em especial no que diz respeito à correlação entre o discurso e a campanha e ao aspecto quantitativo da gravidade"

Os advogados de defesa de Bolsonaro afirmam, contudo, que o documento não pode ser considerado, “eis que não assinado, não apresenta identificação de que o produziu, não apresenta destinatário, bem como não identifica efetiva intenção e realidade/materialidade de seu conteúdo”.