Censo: 'Desligavam na minha cara', relembra recenseador do Copan (SP), sobre alto índice de recusas
Para diminuir a resistência de parte dos moradores do edifício icônico, recenseador adotou estratégias como plantão na portaria e rondas por interfones. 'Foi frustrante', conta
O ofício de recenseador não era novo para Antonio José Pinheiro Lima, de 63 anos, quando ele decidiu se inscrever para realizar a coleta de dados para o IBGE, no ano passado. O arquiteto, morador do Edifício Copan, prédio icônico de São Paulo, já havia desempenhado a função em dois outros Censos. O do ano de 2022, no entanto, foi diferente. "Foi frustrante", diz.
Assim como outros recenseadores que trabalharam no Censo de 2022, ele viveu as barreiras impostas por um fenômeno novo no trabalho do IBGE: a recusa de parte dos brasileiros em participar da pesquisa. Segundo o Instituto, em 1 milhão de domicílios, os moradores se recusaram em responder ao questionário. Na cidade São Paulo, 4% dos lares não aceitaram participar da coleta de dados.
Em depoimento ao Globo, Antonio conta como trabalhou para vencer a resistência de parte dos moradores de uns dos prédios mais conhecidos da cidade. Entre as estratégias, o recenseador chegou a fazer uma espécie de plantão na portaria e rodadas de coletas pelo interfone — o que nem sempre deu certo, como ele conta.
Leia o depoimento do recenseador sobre a mudança de comportamento da população:
Por ser arquiteto e morar no Copan, que é um ícone da arquitetura brasileira, eu tinha interesse em participar da coleta dessas informações do Censo, que são tão importantes para o país. Antes de 2022, eu já tinha sido recenseador duas vezes. A primeira vez, em 1980, na cidade de Mogi Mirim, e depois, em 1990, quando eu já morava em São Paulo.
Eu lembro, na primeira vez em que fui recenseador, de ter sido sempre muito bem recebido, de não ter tido recusas. Dez anos depois, já em São Paulo, as pessoas se mostravam engajadas, preocupadas em passar as informações. Imaginei que dessa vez as pessoas iam estar mais receptivas, principalmente depois do que passamos na pandemia, procurando receber o ser humano de outra forma.
Só que, infelizmente, nós nos deparamos com pessoas desinteressadas, avessas a dar informações e, inclusive, algumas mal educadas. Este ano foi frustrante, principalmente quem já tinha feito o recenseamento antes.
Nós estávamos em dois recenseadores no Copan e em prédios da região. Os dois eram moradores do prédio justamente para tentar facilitar o acesso aos moradores. Nós fizemos algumas reuniões com o síndico, o seu Afonso, chamado de "Prefeito do Copan", que nos deu carta branca para atuar da melhor maneira possível.
A primeira estratégia foi fazer um plantão nas portarias para as pessoas ficarem sabendo que estávamos ali. Nós sempre informamos que a entrevista não demoraria mais de 3 minutos e realmente era isso. Algumas pessoas inclusive nos ajudaram a fazer essa campanha, colocando folhetos embaixo das portas, avisando vizinhos.
Isso nos ajudou um pouco. Mesmo assim, a coisa foi muito devagar. O que aconteceu é que pouquíssimas pessoas responderam a isso. A gente ouvia mil coisas: "'Não, agora não posso", "Estou saindo para ir para o trabalho", "Estou chegando do trabalho, estou cansado". Parecia que estávamos incomodando quando na verdade não era incômodo, era um dever de todos os brasileiros [participar do Censo].
Nosso trabalho de recenseamento do Copan chegou a aparecer em algumas matérias, o que nos ajudou. As pessoas viam na televisão e isso deu algum movimento positivo. Mesmo assim, a gente estava sempre na faixa de uns 15% que não queriam responder. Era uma recusa muito alta. Nós perguntávamos o motivo e ouvíamos coisas do tipo "Isso não me interessa" ou "Não, não quero fazer hoje".
Depois das recusas, nós começamos a trabalhar pelo interfone. A rejeição diminuiu para entre 4% e 5%. Mesmo com a melhora, muita gente ainda se recusava a falar. Chegavam a desligar o interfone na nossa cara. Eu ouvi coisas como: "O que era o IBGE?". Eu respondi que era o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e cheguei a ouvir: "Nunca ouvi falar".
Eu até pensei que por ser a região central de São Paulo, a receptividade seria maior, mas foi decepcionante. Em alguns casos eu comentei da multa a que estão sujeitas as pessoas que se recusarem a responder ao Censo. A resposta era: "Tudo bem, a multa eu resolvo depois".
A impressão que eu tenho é que o que mais pesou foi a ignorância das pessoas. Alguns nem sabiam o que era, nem queriam entender. Também acho que houve uma confusão entre o que é público e o que é de governo, político. As pessoas confundiam muito o que era estado e o que era governo.